Igreja

Ataque e nos defenderemos
Orlando Fedeli

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 1.A) Mensagem contendo o artigo de D. Estevão, veiculada numa lista de discussão (Janeiro de 2001)

----- Original Message -----
From: JOSÉ AUGUSTO
To: Tradição Católica <tradicao-catolica@...>
Sent: Friday, January 19, 2001 1:58 PM
Subject: [tradicao-catolica] VIVA O PAPA

"VIVA O PAPA!" (ORLANDO FEDELI)

Em síntese: O Sr. Orlando Fedeli argüi os últimos Papas de ter incorrido em erros doutrinários, apesar de gozarem do carisma da infalibilidade quando se pronunciam ex-cathedra, ou seja, como Mestres da Fé e da Moral em caráter definitório. - Tal atitude não condiz com o pensamento da Igreja, que recomenda aos fiéis respeito às afirmações do Santo Padre, mesmo quando não fala ex-cathedra. O Papa não se pronuncia levianamente, mas sempre após ter estudado e ponderado cuidadosamente os pontos que aborda.* * *

O Sr. Orlando Fedeli é membro dissidente da TFP (Tradição, Família e Propriedade), mas ainda professa concepções nem sempre fiéis ao Concílio do Vaticano II. Publicou um folheto intitulado "Viva o Papa!", em que professa crer na infalibilidade do Sumo Pontífice quando fala ex-cathedra, mas atribui ao Papa erros de doutrina e procedimento quando se manifesta por outra via. Visto que tal folheto tem causado certa perplexidade nos leitores, vamos, a seguir, analisá-lo e comentá-lo.

1. O Texto em Foco

Eis os dizeres que importa considerar:"O Concílio Vaticano I - realizado em 1870 - proclamou o dogma da infalibilidade papal, estabelecendo que, quando o Papa ensina 'ex-cathedra', isto é, como Vigário de Cristo, com o poder dado por Nosso Senhor a São Pedro, ensinando toda a Igreja sobre questões de Fé ou de Moral, com a vontade explícita de definir uma doutrina e condenando a sentença oposta, o Papa é infalível.

Esse dogma da infalibilidade do Papa - ao qual aderimos do mais profundo de nossas almas - é a garantia de que a Igreja jamais errará. O próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, ao dar as chaves a Pedro, lhe disse: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. E Eu te darei as chaves do Reino dos céus. Tudo o que ligares na terra será ligado no céu. Tudo o que desligares na terra, será desligado no céu. E as portas do inferno não prevalecerão contra ti' (Mt 16, 18s).

É sobre essas palavras santíssimas de Nosso Senhor que a Igreja se baseou para proclamar a infalibilidade papal. É nisto que se fundamenta a devoção que todo católico deve ter pelo Papa, seja ele quem for.

Os inimigos da Igreja sempre quiseram criar confusões acerca desse ponto, ora atribuindo ao Papa enquanto tal, e à Igreja, os pecados em que um Papa pode cair como pessoa particular; ora estendendo a infalibilidade a qualquer ação do Supremo Pontífice...

São João Bosco, que vivia então em Turim, ordenou a seus alunos que jamais gritassem 'Viva Pio IX' e sim 'Viva o Papa!'. Com isso, D. Bosco desfazia a manobra carbonária. Devemos gritar sempre 'Viva o Papa' pouco importando o nome daquele que está no trono de Pedro. Seja ele santo ou pecador; devemos manter ao Papa, 'doce Cristo na terra' como dizia Santa Catarina de Siena, nossa devoção flilal e nossa fideildade a tudo o que ele ensina, como legítimo sucessor de Pedro e com o poder das chaves.

Hoje a compreensão desses princípios é muito necessária, pois somos ameaçados por dois erros opostos com relação ao Papa: o sede-vacantismo e o infalibilismo universal.

Nós rejeitamos a ambos".Após esta apologia muito viva, o tom muda um tanto:"Há quem afirme que os últimos Papas, por sua adesão aos erros do Vaticano II - Concílio meramente pastoral e não dogmático, portanto falível e que, por isso, ninguém está obrigado a aceitar - teriam perdido o pontificado. Tese temerária, aventureira e imprudente, pois até hoje ninguém a demonstrou com provas claras e irrefutáveis. Essa tese põe os fiéis à beira do cisma, senão dentro dele.

De outro lado, os modernistas e progressistas, que viram suas idéias errôneas triunfarem no Vaticano II, procuram impingir aos fiéis católicos esses erros do último Concflio, como se fossem dogmas de Fé, o que é absolutamente falso.

Mais ainda, os defensores do infalibilismo absoluto e universal do Papa procuram fazer com que os católicos julguem qualquer discurso do Papa - até mesmo um simples discurso de acolhida de turistas - como se fosse um dogma de fé, nivelando um texto pastoral, ou um discurso de cortesia, aos pronunciamentos "ex-cathedra". Isso também nós não podemos aceitar.

O Papa, não é demais repetir, só é infalível quando ensina 'ex-cathedra'. Fora disso, pode errar. Por isso, é legítimo rejeitar os erros do Vaticano II e tudo o que se tem feito com base neles, na medida em que contrariam os ensinamentos de todos os Papas anteriores.

Por exemplo, a famosa jornada de orações pela paz, realizada em Assis por João Paulo II, em 1986, se opôs frontalmente a tudo o que a Igreja sempre ensinou quando, em reiterados pronunciamentos dos Papas, condenou o interconfessionalismo e o indiferentismo. Tal jornada é inaceitável".Até aqui o Sr. Orlando Fedeli.

2. Que dizer?

Serão propostas três observações.

2.1. A autoridade do Papa e dos Bispos ao ensinar

Como colegiado, os Bispos, unidos ao Papa, executam o magistério da Igreja, desde que ensinem, com unanimidade moral (não aritmética), alguma verdade atinente à fé ou aos costumes. Quando reunidos em Concílio Ecumênico legitimamente convocado pelo Papa e por este presidido, podem exercer magistério extraordinário, definindo proposições, com aprovação do Sumo Pontífice. Este, por sua vez, pode exercer a sós seu magistério ordinário (que merece sempre reverência, embora não promulgue sempre definições de Fé ou Moral), como também seu magistério extraordinário, definindo proposições ex-cathedra.

O Concílio do Vaticano I incutiu o magistério da Igreja nos seguintes termos:"Devem ser acreditadas, como de fé divina e católica, todas as coisas contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida de viva voz e que são propostas como divinamente reveladas pela Igreja, quer em solene afirmação, quer no magistério ordinário e universal" (Denzinger-Schönmetzer, Enchiridion nº 3011[1792]).

Definiu também a infalibilidade do Papa, quando, ao desempenhar sua função de doutor de todos os fiéis, define uma proposição de fé ou de Moral; a sua sentença então é irreformável e não precisa do consentimento da Igreja. Cf. Dz. Sch. nº 3073s [1839].

Na base de tais afirmações, pode-se fazer o seguinte gráfico relativo ao magistério da Igreja:

*Magistério:

-Ordinário: os Bispos em união com o Papa em unanimidade moral

-Extraordinário:

.Definição solene de um Concílio Ecumênico aprovada pelo Papa

.Definição ex-cathedra do Sumo Pontífice

O Concílio do Vaticano II explicou estas modalidades de magistério:"Embora os Bispos individualmente não gozem da prerrogativa da infalibilidade, contudo, mesmo quando dispersos pelo mundo, guardando, porém, a comunhão entre si e com o sucessor de Pedro, e quando ensinam autenticamente sobre assuntos de Fé e de Moral, concordando numa sentença que deve ser professada de modo definitivo, então enunciam infalivelmente a doutrina de Cristo.

Isto aparece ainda mais claramente quando, reunidos em Concílio Ecumênico, são mestres e juízes da Fé e da Moral para toda a Igreja. Às suas definições os fiéis devem prestar adesão com o obséquio da fé...

O Romano Pontífice goza de infalibilidade, como Chefe do colégio dos Bispos, em virtude do seu encargo, quando, num ato definitivo, como Pastor e Mestre Supremo de todos os fiéis que confirma seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32), proclama uma doutrina atinente à fé ou aos costumes... Suas definições são irreformáveis por si mesmas e não em virtude do consentimento da Igreja... Não precisam da aprovação de ninguém, nem admitem apelação para algum tribunal.

Religiosa submissão da vontade e da inteligência deve ser, de modo particular, prestada ao autêntico magistério do Romano Pontífice mesmo quando não fala 'ex-cathedra'. E isto de tal forma que seu magistério supremo seja reverentemente reconhecido, suas sentenças sinceramente acolhidas, sempre de acordo com sua mente e vontade. Esta mente e vontade consta principalmente ou da índole dos documentos ou da freqüente proposição da mesma doutrina ou de sua maneira de se exprimir" (Const. Lumen Gentium nº 25).

Como se vê, o documento recomenda mesmo os pronunciamentos do Papa que não sejam definições de Fé ou de Moral, ou seja, as Encíclicas, as Exortações Apostólicas, as Cartas, os Motu Proprio, as Bulas... A autoridade desses textos há de se depreender do estilo e da linguagem utilizada pelo Papa em cada caso.

2.2. O Concílio do Vaticano II

O Concílio é acusado de ter incidido em erros - o que não é verdade. Os intérpretes do Concílio é que deturparam os seus documentos, instituindo inovações não fundamentadas, que resultaram em detrimento do Concílio aos olhos do grande público.

Quem lê o documentário do Concilio, verifica que intencionou atualizar a doutrina e a praxe da Igreja a fim de as tornar mais significativas para o mundo de hoje, todavia sem trair as verdades da fé e os princípios da Moral católicas. O ponto mais nevrálgico foi a Declaração sobre a Liberdade Religiosa, que alguns entenderam como se significasse que a Religião é algo de indiferente, ficando ao bel-prazer de cada ser humano ter ou não ter Religião, professar este ou aquele Credo. Tal entendimento é falso; o que o Concílio quis dizer é, de um lado, que a procura da verdade em matéria religiosa se impõe a todo homem (pois equivale à procura do sentido da vida), mas, de outro lado, essa procura não pode sofrer coações nem da parte de regimes políticos ateus ou materialistas, nem da parte de alguma instituição religiosa; respeite-se a liberdade de opção que toca a todo homem, contanto que não perturbe a boa ordem da sociedade. A mesma Declaração afirma que somente a Religião católica professada pela Igreja que Jesus confiou a Pedro e seus sucessores, foi revelada por Deus e se impõe como caminho de salvação a quantos a reconhecem como tal. São palavras textuais do documento conciliar Dignitatis Humanae (sobre a Liberdade Religiosa nº 1)."Em primeiro lugar, professa o Santo Sínodo que o próprio Deus manifestou ao gênero humano o caminho pelo qual os homens, servindo a Ele, pudessem salvar-se e tornar-se felizes em Cristo. Cremos que essa única verdadeira Religião subsiste na Igreja Católica e Apostólica, a quem o Senhor Jesus confiou a tarefa de difundi-la aos homens todos, quando disse aos Apóstolos: 'Ide, pois, e ensinai os povos todos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-lhes a guardar tudo quanto vos mandei' (Mt 28, 19s). Por sua vez, estão todos os homens obrigados a procurar a verdade, sobretudo aquela que diz respeito a Deus e à sua Igreja e, depois de conhecê-la, a abraçá-la e a praticá-la".

O fato de ter sido o Concílio de índole pastoral, não proferindo definições dogmáticas, não quer dizer que não tenha autoridade; é uma expressão do magistério ordinário da Igreja, que goza da especial assistência do Espírito Santo para não induzir em erro os fiéis católicos.

3. O Encontro de Assis

Tal assembléia reuniu, pela primeira vez na história, representantes da Igreja Católica, de outras comunidades cristãs e das principais religiões do mundo inteiro, a fim de se dedicarem ao jejum e à oração em prol da paz mundial.

É de notar que o Encontro de Assis não discutiu doutrinas. Não tentou encontrar um mínimo denominador comum de todos os Credos. Mas baseou-se no fato - eloqüentemente comprovado pela história das religiões - de que todo e qualquer homem, além de ser homo faber, homo ludens, homo sapiens, é também homo religiosus..., homem que acredita numa Realidade absoluta e que tem por experiência fundamental a experiência do Sagrado. Foi em função desta dimensão comum e fundamental que os homens se reuniram em Assis; a oração é a expressão mais espontânea e universal dos anseios religiosos do ser humano, anseios que a Declaração Nostra Aetate assim escreve:"Por meio de religiões diversas procuram os homens uma resposta aos profundos enigmas para a condição humana, que tanto ontem como hoje afligem intimamente os espíritos dos homens, quais sejam: o que é o homem, qual o sentido e o fim de nossa vida, o que é bem e o que é pecado, qual a origem dos sofrimentos e qual sua finalidade, qual o caminho para obter a verdadeira felicidade, o que é a morte, o julgamento e a retribuição após a morte e, finalmente, o que é aquele supremo e inefável mistério que envolve nossa existência, donde nos originamos e para o qual caminhamos" (nº 1).

Para evitar toda aparência de ecleticismo e por respeito aos diversos Credos, não houve uma fórmula única de oração, mas cada grupo rezou a seu modo em presença dos demais. No ponto culminante do Encontro de Assis, ou seja, na tarde de 27/10/86, houve especial empenho por evitar todo sincretismo: na praça adjacente à Basílica inferior de São Francisco, foi colocado um estrado, ao qual tiveram acesso sucessivamente os diversos grupos religiosos, a fim de proferir a sua oração; os demais representantes religiosos, dispostos em semicírculo, assistiam em silêncio. Assim foram mantidas as diferenças num clima de aspirações convergentes e expressões similares. Deu-se um passo inédito no sentido de aproximar os homens entre si, salvaguardada a identidade religiosa de cada qual - o que está bem na linha do diálogo religioso preconizado pelo Concílio do Vaticano II.

Eis quanto convinha observar em resposta ao Manifesto do sr. Orlando Fedeli, sem ferir a consideração que tal irmão merece.

Autor: d. Estêvão Bettencourt
Fonte: PR 464 - pp. 20-25

Lista "Tradição Católica e Contra-Revolução"

 

1.B) Ataque e nos defenderemos - carta aberta a Dom Estevão Bettencourt, na festa de São João Bosco, São Paulo (31/01/2001)

Reverendíssimo Dom Estevão,
Salve Maria!

I -- Introdução: uma pequena contradição de Dom Estevão

Que surpresa, caro Dom Estevão, receber, ainda que indiretamente, notícias suas!

E notícias suas tratando de um artigo meu, publicado em julho 1996, que eu lhe enviara então.

Surpresa também pelo fato de que, em sua carta de agradecimento pelo envio do jornal Veritas, onde saíra o artigo, o senhor me dizia:

"Gostei especialmente do primeiro artigo [Viva o Papa!] com poucas restrições relativas ao Papado de hoje; eu não ousaria criticá-lo como aliás está dito na página 6 do Boletim, onde creio ter relido uma carta minha dirigida ao senhor. Se de fato é, agradeço-lhe a atenção" (carta de Dom Estevão Bettencourt a Orlando Fedeli 5-IX-1996. O sublinhado é meu).

Parece, então, que depois de anos de meditação, seu agrado com meu artigo mudou um tanto. E que cresceram suas "restrições". Pena que V. Rvdma. não me tenha enviado diretamente sua "restrição" agigantada. Nossa polêmica sobre o Vaticano II - talvez o senhor prefira dizer nosso "diálogo" -- se estendera desde 1987 até 1989. Agora...até quando?

É verdade que, nesse diálogo-polêmica, tratáramos do último Concílio Ecumênico e da liberdade de religião, que o senhor defendia com base no Vaticano II, e que eu atacava, baseando-me no Magistério Ordinário e Infalível dos Papas.

É preciso lembrar ainda que foi o senhor que iniciou o diálogo-polêmica, dando-me a honra de receber suas cartas, críticas e observações.

Infelizmente, em dado momento, quando rebatera eu seus argumentos com citações do Magistério Ordinário e Extraordinário dos Papas, o senhor mudou o foco do debate, passando a tratar de meus defeitos pessoais.

Respondi-lhe então que não eram os meus defeitos que estavam em discussão, e sim a liberdade de religião, condenada inúmeras vezes pelo Magistério Ordinário dos Papas, como também pelo Magistério Extraordinário.

A polêmica-diálogo findou, mas continuamos, graças a Deus, amigos, tendo trocado pequenas mensagens de cumprimentos, pelas festas.

Agora, como raio em céu sereno, recebi -- indiretamente -- seu trovão de crítica.
Surpresa.
Mas...trovão pressagia tempestade. E não fui eu que a causei. Lamento que o senhor se molhe, caso chova.

Parece-me que a polêmica com que o senhor teve a bondade de me honrar, e que estava encerrada há tanto tempo, vai recomeçar.
Agradeço-lhe a surpresa desta nova honra.
(Outras surpresas ainda me reservava sua crítica à minha pessoa, das quais tratarei mais adiante.)

II -- Uma Distorção -- certamente involuntária -- de Dom Estevão

Vamos inicialmente a uma distorção, seguramente involuntária, de sua parte.

O senhor tem a bondade de fazer entrever que aceito de toda alma e de todo coração tudo o que os Papas ensinam infalivelmente -- ex cathedra. É bem verdade: eu morreria para manter minha fidelidade à Igreja e ao Papa, a quem dediquei minha vida.

Mas o senhor me acusou injustamente, quando escreveu:

"O Sr. Orlando Fedeli é membro dissidente da TFP (Tradição, Família e Propriedade), mas ainda professa concepções nem sempre fiéis ao Concílio do Vaticano II. Publicou um folheto intitulado "VIVA O PAPA!", em que professa crer na infalibilidade do Sumo Pontífice quando fala ex-cathedra, mas atribui ao Papa erros de doutrina e procedimento quando se manifesta por outra via." ( o sublinhado é meu).

E ainda:

"O Sr. Orlando Fedeli argüi os últimos Papas de ter incorrido em erros   doutrinários, apesar de gozarem do carisma da infalibilidade quando se   pronunciam ex-cathedra, ou seja, como Mestres da fé e da Moral em caráter  definitório. - Tal atitude não condiz com o pensamento da Igreja, que  recomenda aos fiéis respeito às afirmações do Santo Padre, mesmo quando não  fala ex-cathedra." (O negrito é meu).

Meu caro Dom Estevão, que injusta e precipitada interpretação!

Que surpresa verificar uma tal incompreensão de sua parte!

Eu nunca disse que o Papa "tem erros de doutrina e procedimento quando se manifesta por outra via", quando ensina sem usar o seu carisma da infalibilidade.

O que o Concílio Vaticano I definiu como dogma é que o Papa é infalível quando fala ex cathedra, e que, portanto, quando o Papa não fala ex cathedra ele pode não ser infalível. E que, embora o que ele ensine deva ser aceito respeitosamente também no Magistério Ordinário, nem tudo o que ele ensina desse modo é infalível. Portanto, que ele pode errar, e não que ele erra quando não fala ex cathedra. Eu nunca disse esta tolice, meu caro Dom Estevão, e a repudio.

Afirmo e reafirmo que os Papas são infalíveis quando se pronunciam ex cathedra. Daí a concluir que recuso o que eles ensinam, e que não respeito "as afirmações dos Papas, quando não falam "ex cathedra", há um salto ilógico e injusto.

Disse eu apenas -- repito, para que fique muito bem entendido - que o Papa jamais pode errar quando ensina ex cathedra.

Mas eu nunca afirmei que não se deve respeitar o Magistério Ordinário dos Papas.

Exatamente quando a Santa Sé pede a união dos católicos, e até com os Católicos que têm restrições às reformas provenientes do Vaticano II, sua ilação, sem base no que escrevi, me surpreende.

Aceito de toda alma, e de todo coração sem reservas, e com todo o respeito, tudo o que o Magistério Ordinário tem ensinado no decorrer da História, confirmando um Papa o que os outros ensinaram, mesmo sem se pronunciar ex cathedra, e na medida em que a Igreja exige essa submissão e aceitação.

Portanto, acato também o que a Igreja recomenda, e me submeto a tudo o que Ela manda.

Isto porque a continuidade de um ensinamento papal, ainda que sem o uso expresso da infalibilidade, tem que ser aceito pelos fiéis. Não há dúvida sobre isto.( cfr. Cardeal Journet, L’Église du Verbe Incarné, Vol. I, p. 568, nota 1 e idem Vol I, p. 534, nota 2)

O senhor apresenta a autoridade do Concílio como de Magistério Ordinário e não extraordinário. E tem razão, porque o Concílio se quis apenas pastoral.

Mas o senhor acrescenta que eu erro porque o Concílio afirma que mesmo o Magistério Ordinário deve ser aceito. Claro que deve ser aceito respeitosamente, no grau e na mente em que o pronunciamento do Magistério Ordinário foi feito.

Veja suas próprias palavras e a sua própria citação da Lumen Gentium:

"Religiosa submissão da vontade e da inteligência deve ser, de modo particular, prestada ao autêntico magistério do Romano Pontífice mesmo quando não fala ex-cathedra. E isto de tal forma que seu magistério supremo seja reverentemente reconhecido, suas sentenças sinceramente acolhidas, sempre de acordo com sua mente e vontade. Esta mente e vontade consta principalmente ou da índole dos documentos ou da freqüente proposição da mesma doutrina ou de sua maneira de se exprimir" (Const. Lumen Gentium, n° 25. O negrito é meu).

Ora, a Comissão Teológica do Concílio Vaticano II, tratando da autoridade dos pronunciamentos conciliares declarou em 16 -XI - 1964:

"Tendo em conta a praxe conciliar e o fim PASTORAL do presente Concílio, este sagrado Concílio só define aquelas coisas relativas à fé e aos costumes que abertamente declarar como de fé. Tudo o mais que o Sagrado Concílio propõe, como doutrina do Supremo Magistério da Igreja, devem-no os fiéis receber e interpretar segundo a mente do mesmo Concílio, a qual se deduz quer do assunto em questão, quer do modo de dizer, segundo as normas de interpretação teológica". (Compêndio do Vaticano II, ed. Vozes, Petrópolis1969, p. 21-22. Os negrito são meus).

Propõe. Não impõe.

E o próprio Paulo VI, em discurso pronunciado em janeiro de 1966, logo depois de encerrado o Concílio Vaticano II, respondeu, ele mesmo, qual era a autoridade com a qual se pronunciara o Concílio, e como os fiéis deveriam acatá-lo.

Disse Paulo VI:

"Há quem pergunte que autoridade, que qualificação teológica o Concílio quer atribuir aos seus ensinamentos, pois bem se sabe que ele evitou dar solenes definições dogmáticas envolventes da infalibilidade do Magistério Eclesiástico. A resposta é conhecida, se nos lembrarmos da declaração conciliar de 6 de Março de 1964, confirmada a 16 de novembro desse mesmo ano. [Documento acima citado]

"Dado o caráter Pastoral do Concílio, evitou este proclamar em forma extraordinária [ex cathedra] dogmas, dotados da nota de infalibilidade. Todavia, conferiu a seus ensinamentos a autoridade do Supremo Magistério da Igreja" (Apud Compêndio do Vaticano II p. 31. Os negritos são meus).

A autoridade insuspeita de Paulo VI dirime qualquer dúvida sobre o caráter não infalível -- portanto, falível -- do Vaticano II. Trata-se o Concílio, portanto, de Magistério ordinário da Igreja.

Lembremos, entretanto, que o Magistério Ordinário só obriga gravemente quando ensina pontos de doutrina ou de moral, de modo constante e universal, repetindo um Papa o que os anteriores ensinaram por longo período. e dependendo do modo como, nesse magistério, o Papa exprime seu desejo de definir.

Quando se tratam, "ao contrário, de ensinamentos que não são propostos nem com esta universalidade, nem com esta constância, soluções a problemas recentes que a Igreja ainda não generalizou, e nos quais mais precisamente, ela não entende engajar plenamente sua autoridade prudencial, nós diremos que o Magistério não os propõe senão de modo falível" (Cardeal Journet, op cit. I, p. 456).

Nesses casos, "sem ter direito a uma fé divina ou infalível [os ensinamentos pontifícios não dados expressamente como infalíveis] merecem sempre uma fé humana, e uma fé humana certa, tanto quanto não seja evidente, e ele o será raramente, que a Igreja se enganou de fato. É esta fé humana concedida aos ensinamentos não infalíveis da Igreja, e chamada em nossos dias de assentimento piedoso, que se deveria batizar pelo nome de fé eclesiástica, do mesmo modo que chamamos de lei eclesiástica as leis humanas e variáveis da Igreja, para distinguí-las das leis verdadeiramente divinas e imutáveis" (F. Marin-Sola, L’Évolution homogène du dogme catholique, t. I, p.429 cf. p. 479, e p. 493, nota 1). Nós distinguimos, portanto, duas espécies de assentimento: a fé divina e a fé eclesiástica ou assentimento piedoso. Alguns distinguem três: a fé divina, a fé eclesiástica ou mediatamente divina, o piedoso assentimento. Nesta divisão tripartite, a categoria intermediária deve ser, segundo nós, reduzida à primeira categoria" (Cardeal Journet, L Église du Verbe Incarné, Desclée de Brouwer Friburgo, 1955, I, p. 454, nota 2. Os itálicos são do original).

Portanto, segundo o Cardeal Journet, aos ensinamentos não infalíveis se deve dar apenas uma fé eclesiástica.

Aliás, -- argumentando ad hominem -- o fato de vários Papas, após o Vaticano II, terem pedido perdão por "pecados e erros da Igreja"(sic), e até por excomunhões de hereges, faz supor que eles admitem que alguns Papas anteriores, de fato, erraram.

Como então se escandalizar que um mero professor diga que existe a possibilidade de erro em documentos não infalíveis?

Estranho sua distorção e sua incompreensão, porque o que afirmo sobre a infalibilidade, é exatamente o que o senhor afirmou em Pergunte e Responderemos :

"... a infalibilidade que a Santa Igreja atribui (e que de fato compete) ao Papa não é absoluta, mas relativa, ou seja, restrita a temas de fé e de moral; não é pessoal ou inerente à pessoa, mas ao cargo do Pontífice; o que quer dizer que o Papa pode errar quando fala ou age como pessoa particular, só sendo preservado de falta nas ocasiões raras e extraordinárias em que intencione definir alguma proposição, empenhando explicitamente a sua autoridade de Chefe visível da Igreja"( Dom Estevão Bettencourt, Pergunte e Responderemos, n*7, julho de 1958 qu. 10, p. 302. O itálico é do autor.).

Repito, em negrito, o que o senhor afirma e que condenou em mim:

"o Papa pode errar quando fala ou age como pessoa particular, só sendo preservado de falta nas ocasiões raras e extraordinárias em que intencione definir alguma proposição, empenhando explicitamente a sua autoridade de Chefe visível da Igreja"(Dom Estevão Bettencourt).

Faço minhas as suas palavras.
Por que então o senhor me condena, se repeti o que a Igreja ensina e o senhor escreveu?
Até parece que o senhor não me leu de boa vontade, mas de espírito pré concebido...

III - O Vaticano II e o Magistério Ordinário

O que criou grande confusão foi, exatamente, a necessidade de explicar que um Concílio --o Vaticano II -- meramente pastoral, e não dogmático, tenha ensinado coisas que contrariam o que sempre foi ensinado pelos Papas, através do seu Magistério Ordinário ( e também do Magistério infalível, se o Syllabus for considerado desse tipo).

Se todos os católicos – e não apenas eu - devem aceitar o que os Papas têm ensinado constantemente e universalmente em seu Magistério Ordinário, condenando a liberdade de religião como erro pestilento, monstruoso, como um delírio; como explicar que o Vaticano II tenha aprovado e defendido essa mesma liberdade de religião?

Veja, caro D. Estevão, que sua acusação se volta contra o senhor e contra o Vaticano II, por terem aprovado o que os Papas condenaram em inúmeros documentos do Magistério Ordinário e, quiçá, Extraordinário (se o Syllabus for classificado como tal).

A confusão atual na Igreja provém principalmente das "novidades" do Vaticano II, que – ensinando pastoralmente e não infalivelmente – aprovou doutrinas contrárias às que haviam sido ensinadas constante e universalmente pelo Magistério Ordinário da Igreja.

O senhor negava isso.

Eu sei.

(Como veremos, adiante, o senhor mudou depois a sua posição, tendo admitido -- com Dom Boaventura Kloppenburg -- a ambigüidade de textos do Vaticano II, quanto à expressão "liberdade religiosa").

Nosso debate epistolar tratou exatamente disto: a liberdade de religião, defendida pelo Vaticano II, foi condenada repetidamente por inúmeros Papas através de seu Magistério Ordinário, e alguns consideram que também infalivelmente, por exemplo, no Syllabus (como sua crítica a mim é de que não aceito o Magistério Ordinário, deixemos de lado a exata qualificação do Syllabus. Tomemo-lo, como documento do Magistério Ordinário).

Aplicando sua opinião, todos os católicos -- inclusive eu, mas também o senhor, e todos os bispos, e até o Concílio Vaticano II -- devem aceitar o que o Papa Pio IX estabeleceu neste documento: o Syllabus, de solenidade tão especial.

IV -- Syllabus e Antisyllabus

Ora, o Cardeal Ratzinger, em um de seus livros, escreveu o seguinte, ao analisar a Gaudium et Spes :

"Se se deseja emitir um diagnóstico global sobre este texto poder-se-ia dizer que significa (junto com os textos sobre a liberdade religiosa e sobre as religiões mundiais) uma revisão do Syllabus de Pio IX, uma espécie de Antisyllabus"(Cardeal Joseph Ratzinger, Teoria dos Princípios Teológicos, Editorial Herder, Barcelona, 1985, pág. 457).

E em seguida escreveu o Cardeal Ratzinger:

"Contentemo-nos aqui com a comprovação de que o documento desempenha o papel de um Antisyllabus, e, em conseqüência, expressa a intenção de uma reconciliação oficial da Igreja coma nova época estabelecida a partir do ano de 1789" ( Cardeal Ratzinger op. cit. p. 458).

Então, na opinião autorizadíssima do Cardeal Ratzinger, a Gaudium et Spes e os documentos sobre a liberdade religiosa do Vaticano II, poder-se-ia dizer que são um "ANTISYLLABUS".

Daí se poder dizer, repetindo o Cardeal Ratzinger, que o Vaticano II, foi um "Antisyllabus".

Aliás, na polêmica que mantivemos, tive a oportunidade de cotejar textos do Vaticano II com textos do Magistério Ordinário, demonstrando as gritantes contradições entre eles.

Se o Syllabus foi um documento do Magistério Ordinário, estabelecer um "Antisyllabus" é respeitar o Magistério Ordinário?

Meu caro Dom Estevão, eu aceito o Magistério Papal Ordinário (digamos que seja ordinário), expresso no Syllabus.

Se faço isso, posso aceitar o "Antisyllabus"?

A questão é perplexitante e sem solução, se se admite que os dois ensinamentos -- do Syllabus e do "Antisyllabus" -- ambos sejam do Magistério Ordinário e infalíveis.

E o senhor --perdoe-me a indiscrição -- o senhor aceita o Syllabus ou o "Antisyllabus"? Parece-me que aceita os dois juntos, sem titubear, apesar da contradição entre eles.

Que a contradição entre ambos existe, é palavra do Cardeal Ratzinger, que, com o devido respeito à sua pessoa e ao seu saber, goza de maior autoridade doutrinária do que o senhor, meu prezado Dom Estevão.

[Estava eu neste ponto da redação de minha resposta a Vossa Revdma.., quando um aluno meu informou-me que, anos atrás, consultara um teólogo brasileiro de grande saber e prestígio, a respeito da autoridade da Quanta Cura e do Syllabus. Esse teólogo respondeu o seguinte:

"Pio IX condenou formalmente com palavras que exprimem a infalibilidade, mas não definiu algo no Syllabus. Definiu, sim, a Imaculada Conceição de Maria em 1854."

Sabe V. Revdma. quem foi o teólogo que redigiu esse parecer?

Foi Dom Estevão Bettencourt.

E o e mail terminava com as seguintes palavras:

Santas graças para 98!     O seu, Pe. Estevão Bettencourt, osb"]

(Apud :Subject: Re: [catolicos] En: Ainda o Silabus
Date: Sun, 12 Apr 1998 00:54:52 -0300
From: "SIDNEY GOZZANI" <
sgozzani@...>
Reply-To:
catolicos@...
To: <catolicos@...>)

Qual ensinamento do Magistério Ordinário o senhor e eu devemos respeitar? O do Syllabus ou o "Antisyllabus" do Vaticano II, como diz Ratzinger?

A contradição confessada e reconhecida pelo Cardeal Ratzinger, entre o Magistério do Syllabus e o do "Antisyllabus" coloca um problema lógico e doutrinário evidente: um dos dois documentos é certo, o outro é errado, porque o "sim" e o "não" não podem ser aceitos ao mesmo tempo.

Repito, meu caro Dom Estevão, que escolha devo -- ou devemos -- fazer?

Que ensinamento do Magistério Ordinário devo respeitar e seguir:

  1. aceito o "Antisyllabus" e desrespeito autoridade e o Magistério Ordinário ( e infalível) do Papa Pio IX no Syllabus e de muitos outros Papas, podendo incorrer em pecado grave contra a Fé;
  2. ou aceito respeitosa e fielmente o Syllabus recusando o que é estabelecido pelo "Antisyllabus", arriscando-me assim a ser "excomungado" por aqueles que defendem o fim de todas as excomunhões, e pedem o diálogo ecumênico até com aqueles, como os luteranos, cismáticos, e evangélicos de todos os tipos, que gritam "Abaixo o Papa"?

Meu prezado Dom Estevão, o nó é insolúvel.
E é corrediço.
E estamos dependurados nele.

Diga-me: qual Magistério Ordinário devo respeitar e seguir: o do Syllabus ou o do "Antisyllabus" (Terminologia de Ratzinger).

Diga-me, a mim simples professor e não "MESTRE", e não teólogo, diga-me, o senhor que é Teólogo, e creio que até foi perito conciliar : que documento do Magistério Ordinário, entre esses dois, devo respeitar?

Mas explique-me bem porque devo aceitar um e rejeitar o outro.

Diga-me, se ambos são infalíveis, como explicar a contradição entre um Syllabus e um "Antisyllabus"?

Ratzinger, com toda a sua autoridade, afirma que existe essa contradição.

Pode haver contradição, então, no Magistério Ordinário?

Se é possível haver contradição no Magistério Ordinário dos Papas -- como se depreende do que o Cardeal Ratzinger diz, que atitude deve ter um simples fiel? Deve "engolir" tudo respeitosamente, e fingir que não vê a contradição entre Syllabus e "Antisyllabus"?

E havendo dúvida, como agir?

Esse estado de dúvida insolúvel não dá ao fiel a liberdade de consciência - eu uso essa expressão, em parte, ad hominem --- de escolher o que lhe pareça mais provavelmente certo e fiel ao que sempre foi o ensinamento do Magistério Ordinário?

Se a resposta é sim, por que me condena o senhor injustamente, concluindo o que eu não disse: que não se deveria respeitar os ensinamentos do Magistério Ordinário?

Repito-lhe, meu caro Dom Estevão: estou pronto a aceitar respeitosamente tudo o que o Magistério Ordinário dos Papas tem ensinado no decorrer da História, e na medida em que isso é exigido pela Igreja.

Mas, quando há contradição entre um Syllabus e um "Antisyllabus", qual respeitar?

E -- de novo -- passo-lhe a acusação: aceitando o "Antisyllabus" do Vaticano II, foi o senhor quem abandonou o que o Magistério Ordinário da Igreja havia ensinado durante séculos, de modo constante e universal, até com solenidade no Syllabus.

Foram os "periti" do Vaticano II que criaram essa confusão em que se debatem os católicos fiéis e respeitosos, como quero ser. Enquanto os "periti" discutem, e vão para a frente e vão para trás, e vão para a esquerda, e vão para a direita, aguardo, e me reservo o direito e o dever de respeitosamente seguir e acatar tudo o que o magistério Ordinário e Extraordinário tem estatuído no decorrer da História bimilenar da Igreja.

V -- Documentos do Magistério Ordinário

O senhor me recomenda -- e até me exige --que devo aceitar o Magistério Ordinário dos Papas, e é claro que o aceito.

Por exemplo, aceito o que ensinou Pio VI, quando condenou a liberdade de religião decretada pela Constituição Civil do Clero da Revolução Francesa.

Ensinou então Pio VI:

"É com este objetivo (abolir a religião católica) que se estabeleceu, como um direito do homem na sociedade, essa liberdade absoluta, que não só assegura o direito de não ser impedido sobre as suas opiniões religiosas, mas que dá ao indivíduo esta licença de pensar, de dizer, de escrever, e mesmo de fazer injúria impunemente em matéria de religião, tudo o que possa se sugerir a imaginação mais desregrada: direito monstruoso, mas que parece para a Assembléia [Nacional Constituinte] resultar da igualdade e da liberdade naturais a todos os homens. Mas que poderia aí existir de mais insensato...?" (Pio VI, Quod aliquantulum, 10 - III- 1791. O negrito é meu).

Viva o Papa!

E abaixo os liberais hipócritas da Revolução Francesa, que começaram decretando a liberdade religiosa absoluta, e depois, perseguiram cruelmente a Igreja, fazendo milhares e milhares de mártires.

E o senhor, aceita esse ensinamento do Magistério Ordinário de Pio VI?

Outro exemplo: o que ensinou Gregório XVI sobre liberdade de consciência?

Na encíclica Mirari Vos, o Papa nos ensinou:

"Tocamos agora outra ubérrima causa de males, pelos quais deploramos a atual aflição da Igreja, a saber: o indiferentismo, isto é, aquela perversa opinião que, por engano de homens malvados, propagou-se por todas as partes, de que a salvação eterna da alma pode ser conseguida em qualquer profissão de fé, com tal que os costumes se ajustem às normas do reto e do honesto... E desta, sob qualquer ponto de vista, pestífera fonte do indiferentismo, mana aquela sentença absurda e errônea, ou melhor, aquele delírio de que a liberdade de consciência tem que ser afirmada e reivindicada para cada um.

"A este pestilentíssimo erro prepara o caminho aquela plena e ilimitada liberdade de opinião, que para ruína do sagrado e do civil está invadindo plenamente, afirmando a cada passo, alguns com descaramento que dela deriva algum proveito para a religião.. Porém, "que morte pior para a alma do que a liberdade do erro", dizia Santo Agostinho ( Epist. 166)? E assim é que, quebrado todo freio com o qual os homens são contidos nos caminhos da verdade, como por si mesma a sua natureza se precipita, inclinada como está para o mal, realmente dizemos que se abre o poço do abismo [Apoc. IX,3] do qual João viu que subia uma grande nuvem de fumaça com a qual o sol se obscureceu, ao sair dele gafanhotos sobre a imensidão da Terra" (Gregório XVI, Mirari Vos, Denzinger, 1613-1614. Os negritos são meus).

Isto é que é falar claro!

Viva o Papa!

Meu caro Dom Estevão, será preciso negar a evidência para dizer que esse texto da Mirari Vos é concorde com os documentos do Vaticano II.

É curioso verificar a relação estabelecida por Gregório XVI entre a liberdade de consciência e o fumo do poço do abismo de que fala São João no Apocalípse. Paulo VI, depois do Vaticano II, decepcionado com seus frutos, afirmou que tinha a sensação de que "por algum lado a fumaça de Satanás havia entrado no Templo de Deus" ( Paulo VI, discurso em 30 de junho de 1972. Apud Romano Amerio, Iota Unum, p. 8).

Gregório XVI previu a fumaça de Satanás. Paulo VI a constatou.

Gregório XVI apontou a causa dessa fumaça: a liberdade de consciência.

Paulo VI defendeu essa mesma liberdade, e constatou, depois, que a fumaça de Satanás entrara -- "por algum lado" -- no Templo de Deus.

O senhor não desconfia por que lado entrou a fumaça?
É preciso apagar o fogo, para que cesse a fumaça.
É óbvio.
É o que começou a fazer a Dominus Iesus.

Viva o Papa!

Graças a Deus, João Paulo II, através do Card. Ratzinger, combateu e condenou o indiferentismo religioso na Dominus Iesus, afirmando que não é lícito escolher uma religião ou outra, como se todas se eqüivalessem e pudessem salvar.

Viva o Papa!

Como dizer então que não acato o Magistério Ordinário do Papa?

Ou diria o senhor que os ensinamentos do Magistério Ordinário dos Papas Pio VI e Gregório XVI já não valem mais?

Mas isso seria defender o relativismo, condenado por João Paulo II na Splendor Veritatis e na Dominus Iesus!

Se os ensinamentos dos Papas valessem apenas temporariamente, até quando eles deveriam ser respeitados? E até quando então valeria o Vaticano II? Ele já tem 36 anos...Deixou de estar "aggiornatto".. Porque o "aggiornamento" exige mudanças cotidianas...Giorno a giorno.

Em carta que lhe escrevi em 21 de outubro de 1988, tive oportunidade de colocar em duas colunas o texto da Quanta Cura de Pio IX e o da Dignitatis Humanae do Vaticano II. O confronto dos textos deixa claríssima a oposição entre o ensinamento do Magistério Ordinário de Pio IX e o do Vaticano II.

Repito a citação da Quanta Cura:

"... não temem fomentar a opinião desastrosa para a Igreja Católica e a salvação das almas, denominada por nosso predecessor, de feliz memória, de "loucura" ( Mirari Vos) que "a liberdade de consciência e de cultos é direito próprio e inalienável do indivíduo, que há de proclamar-se nas leis e estabelecer-se em todas as sociedades retamente constituídas e que os cidadãos tem direito a uma omnímoda liberdade, que não deve ser coarctada por nenhuma autoridade eclesiástica ou civil, pelo que podem manifestar de cara aberta e publicamente quaisquer conceitos seus, por palavra ou por escrito, ou por qualquer outra forma" Pio IX, Quanta Cura, Denzinger, 1690).

Este também é um documento do Magistério Ordinário. E por causa dele digo com toda a alma: Viva o Papa!

O senhor, respondendo-me, tentou provar que essa era a mesma doutrina da Dignitatis Humanae, colocando apenas uma diferença: a Dignitatis Humanae teria ensinado como coisa nova que "ninguém pode ser forçado a abraçar alguma crença religiosa ou a renegá-la" ( Carta sua de 26-X- 1988).

Ora, caríssimo Dom Estevão, forçar alguém a praticar a religião contra a sua vontade sempre foi condenado pela Igreja. O que a Igreja proibia era a propaganda da heresia, sem nunca ter ordenado como legítimo que se forçasse alguém a crer.

E o Syllabus -- que alguns afirmam ser documento infalível -- condenou solenemente as seguintes teses:

"Erro 15 - Todo homem é livre para abraçar e professar a religião que, guiado pela luz da razão, tiver por verdadeira"

"Erro 16 -- Os homens podem encontrar no culto de qualquer religião o caminho da salvação eterna e alcançar a eterna salvação"

"Erro 17 -- Pelo menos devem ter-se fundadas esperanças acerca da eterna salvação de todos aqueles que não se acham de modo algum na verdadeira Igreja de Cristo"

"Erro 18 -- O protestantismo não é outra coisa que uma forma diversa da mesma verdadeira religião cristã, e nele, da mesma forma que na Igreja Católica, se pode agradar a Deus"

"Erro LXXX -- O Romano Pontífice pode e deve reconciliar-se e transigir com o progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna"

(Pio IX, Syllabus, Denzinger, 1715 a 1718 e 1780)

Viva! Via o Papa!

Perdoe-me a indiscrição, mas faço a pergunta, com o devido respeito ao senhor, só para, didaticamente, completar a argumentação: o senhor aceita o que Pio IX ensinou no Syllabus?

O senhor escreveu que Pio IX na Quanta Cura e no Syllabus se expressou infalivelmente, mas não definiu dogma. Afinal, o senhor condena o que foi condenado infalivelmente no Syllabus ou não?

Se aceita esse documento do Magistério, como pode o senhor aceitar o que o Vaticano II ensinou, apenas pastoralmente, contrário ao Syllabus?

Se não aceita a Quanta Cura e o Syllabus, documentos do Magistério Ordinário, como me acusa de não aceitar e de não respeitar os pronunciamentos do Magistério Ordinário?

A acusação que o senhor me faz se volta contra o senhor. O senhor é que não respeita os ensinamentos do Magistério Ordinário. Ou os aceita quando convém?

Afinal, o Syllabus é infalível ou não?
Pode-se repudiar o Syllabus aderindo a um "Antisyllabus"?
Elucide-me.
Pergunto. Responda-me, por favor.

Graças a Deus, a Dominus Iesus publicada pela Congregação da Doutrina da Fé, por ordem do Papa João Paulo II, proclamou como verdade de Fé que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, e que as "comunidades" protestantes, nem sequer podem ser chamadas de igrejas.

Viva o Papa!

Mas será preciso muito malabarismo teológico para tentar negar que o Vaticano II transigiu com a civilização moderna, porque foi exatamente isso que se procurou nele..

E é o que o Cardeal Ratzinger honestamente reconheceu: os documentos do Vaticano II são um "Antisyllabus".

Então, caro e respeitável Dom Estevão, com que ensinamento do Magistério Ordinário ficar?

Fico com o Syllabus ou com o Antisyllabus?

E o senhor? Com que fica?

Haveria que citar ainda vários outros documentos do Magistério Ordinário, que tratam da liberdade de religião, como, por exemplo, a encíclica Libertas Praestantissima, de Leão XIII, que ensina:

"E principalmente, a propósito dos indivíduos, examinemos esta liberdade tão contrária à virtude da religião, a liberdade de culto, como lhe chamam, liberdade que se baseia no princípio de que é lícito a cada qual professar a religião que mais lhe agrade, ou mesmo não professar nenhuma" (...) É por isto que oferecer ao homem a liberdade de que falamos, é dar-lhe o poder de desvirtuar ou abandonar impunemente o mais santo dos deveres, afastando-se do bem imutável, a fim de se voltar para o mal. Isto, já o dissemos, não é liberdade, mas uma depravação da liberdade, e uma escravidão da alma na abjeção do pecado"(Leão XIII, Libertas Praestantissima, n* 13. Os negritos são meus.).

Veja bem, meu caro Dom Estevão, o que ensinou o Magistério Supremo de modo Ordinário, e que aceito clamando "Viva o Papa!": a liberdade de culto, a liberdade de religião é "depravação da liberdade". É "escravidão da alma na abjeção do pecado".

Foi o Papa Leão XIII quem usou palavras tão duras, que devemos aceitar respeitosamente.

Que todos os católicos -- leigos e clérigos -- devem acatar respeitosamente...

E como não ver que este ensinamento de Leão XIII está em contradição com a defesa da liberdade de religião do Vaticano II?

Pois diz o Vaticano II:

"Este Sínodo Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa" ( Concílio Vaticano II, Declaração Dignitatis Humanae, n* 2).

VI -- Ecumenismo e o Magistério Ordinário

E que dizer da contradição entre o que foi ensinado por Pio XI na Mortalium Animos, e o que foi aprovado no Vaticano II? Como harmonizar as condenações de Pio XI, nessa encíclica, condenando as atitudes ecumênicas que hoje se praticam?

Recordo-lhe um texto -- tão pouco citado e tão "esquecido" -- da Mortalium Animos, condenando reuniões ecumênicas (hoje tão comuns):

"Por isto costumam realizar por si mesmos convenções, assembléias e pregações, com não medíocre freqüência de ouvintes e para elas convocam, para debates, promiscuamente, a todos: pagãos de todas as espécies, os que infelizmente se afastaram de Cristo e os que obstinada e pertinazmente contradizem à sua natureza divina e à sua missão.

"Sem dúvida, estes esforços não podem, de nenhum modo, serem aprovados pelos católicos, pois eles se fundam, então na falsa opinião dos que julgam que quaisquer religiões são, mais ou menos, boas e louváveis, pois embora não de uma única maneira, elas alargam e significam de modo igual aquele sentido ingênito e nativo em nós, pelo qual somos levados para Deus e reconhecemos obsequiosamente o seu império.

"Erram e estão enganados, portanto, os que possuem esta opinião: pervertendo o conceito da verdadeira religião, eles repudiam-na e gradualmente se inclinam para o chamado Naturalismo e para o Ateísmo" ( Pio XI, Mortalium Animos n* 2 e 3. O negrito é meu).

Viva o Papa!

Compare esses textos do Magistério Ordinário de Pio XI com a Dignitatis Humanae, e veja se não é preciso um malabarismo de perito para conciliar esses dois documentos contraditórios.

De novo, meu caro Dom Estevão: que documento seguir e escolher?

E veja este outro trecho da mesma Mortalium Animos (n* 10. O negrito e o sublinhado são meus, evidentemente):

"Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé não pode, de modo algum, participar de suas assembléias (ecumênicas), e que, aos católicos, de nenhum modo é lícito aprovar ou contribuir para estas iniciativas: se o fizerem concederão autoridade a uma falsa religião cristã, sobremaneira alheia à única Igreja de Cristo"

Viva o Papa!

E ainda:

"Assim, Veneráveis Irmãos, é clara a razão pela qual esta Sé Apostólica nunca permitiu aos seus estarem presentes a reuniões de acatólicos porquanto não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela" (Pio XI Mortalium Animos, n* 16. O negrito e o sublinhado são meus).

Viva o Papa!

Compare esse texto de Pio XI, acima citado, com o que o que foi ensinado e vem sendo praticado depois do Vaticano II.

VII -- O Pronunciamento de um teólogo conceituado antes do Vaticano II

Quero citar-lhe ainda, meu caro Dom Estevão, a posição de um conceituado teólogo, dos tempos anteriores ao Vaticano II, a respeito do ecumenismo.

"Denomina-se Ecumenismo (= Universalismo) um movimento moderno, de origem protestante, que tende a unir as diversas confissões cristãs entre si. Os seus mentores supõem não existir atualmente a autêntica Igreja de Cristo, a Igreja Una desejada pelo Senhor na sua última ceia, ainda se deveria realizar mediante a fusão das parcelas de verdade e de bem contidas em cada confissão cristã"

(Veja bem, prezado Dom Estevão, como este posicionamento coincide com o que diz a Dominus Iesus sobre a única Igreja de Cristo).

Prosseguia o conceituado teólogo (antes do Vaticano II) dizendo:

"A Igreja Católica tem declarado repetidamente não tomar parte no movimento ecumenista, embora muito se interesse por ele. A razão de sua atitude é a seguinte: a Igreja Católica tem consciência de possuir a doutrina de Cristo transmitida ininterruptamente a partir do Senhor e dos Apóstolos; nela vive e fala Cristo por Pedro. Ela nunca se apartou da doutrina e da unidade constituídas pelo seu Divino Fundador e pelos primeiros arautos do Evangelho. Por conseguinte, ela possui aquilo que os ecumenistas procuram e julgam dever realizar no futuro. A única atitude, pois, que lhe compete, é a de abrir os braços e convidar os irmãos que se separaram do tronco tradicional, a voltar ao seio da unidade; a Igreja "Una Sancta" já existe. Compreende-se destarte que os católicos não possam aderir a um movimento que ainda se propõe deliberar sobre a fórmula e as condições da unidade; tais deliberações lhes hão de parecer vãs. Vê-se que a posição da Igreja Católica, por muito rígida que pareça nada tem que ver com intransigência arbitrária, mas é o simples corolário da consciência que Roma tem de possuir, por graça de Deus, a verdade incontaminada".

Até aqui o conceituado teólogo pré conciliar.

Não é um texto claro, e claramente contrário ao que o senhor diz hoje?

Quem foi o conceituado teólogo que escreveu esse texto?

Esse conceituado teólogo se chama... Dom Estevão Bettencourt!

O senhor escreveu isto tudo em Pergunte e Responderemos, n* 6, item V, em Junho de 1958, q. 10, p.p. 252 e 259.

Naqueles bons tempos, o senhor fielmente defendia o ensinamento do Magistério Ordinário que condenava o ecumenismo.

Hoje, infelizmente, o senhor defende o contrário. O senhor mudou.

Perdoe-me, prezado Dom Estevão, por ser obrigado a expor esta contradição sua, mas o amor à verdade está acima de tudo.

O senhor mudou.

Mudou com o Concílio Vaticano II. E não diga que mudou, porque mudou o que a Igreja ensina pelo seu Magistério Ordinário, porque "verba Dei manent in aeternum".

Não. A doutrina imutável não pode ter mudado. Defender sua mudança seria cair no relativismo, que o senhor condena.

Foi o senhor que mudou, infelizmente.

VIII --- Divergências dos teólogos sobre o Vaticano II

Existe a maior divergência entre os próprios "periti" do Vaticano II a respeito não só da autoridade do Concílio, mas até em relação ao que quis dizer realmente o Vaticano II.

O senhor mesmo reconhece essa confusão e divergência quando diz:

"O Concílio é acusado de ter incidido em erros - o que não é verdade. Os intérpretes do Concílio é que deturparam os seus documentos, instituindo inovações não fundamentadas, que resultaram em detrimento do Concílio aos olhos do grande público." (o sublinhado é meu)

O senhor, por favor, poderia nomear quem são esse "intérpretes" que deturparam os documentos do Concílio?

Diga alguns nomes dos deturpadores, por favor.

É importante, é necessário conhecê-los.

Porque eu gostaria de poder denunciar quem deturpa documentos da Igreja.

E o senhor, já os denunciou nominalmente?

Evidentemente, serão alguns dos bem conhecidos "progressistas", como por exemplo, o Cardeal Koenig, o cardeal Martini -- candidato a Papa - assim como todos os que protestaram contra a Dominus Iesus. O cardeal Koenig, por exemplo, recentemente declarou que os Bispos não são " emissarios do Papa », nem mesmo estão aí, «para executar, como muitos o pretendem, as instruções do Papa ».

Será que essa é uma atitude de respeito ao Magistério do Papa?

(Seria interessante que o senhor criticasse quem desafia abertamente o que o Papa aprovou e mandou ensinar)

Um famoso "perito" -- o padre Schillebeeks -- disse que no Vaticano II, propositalmente, se empregou uma linguagem diplomática, isto é, ambígua, para permitir interpretações diferentes:

"Nós o exprimimos de um modo diplomático, mas, depois do Concílio tiraremos as conclusões implícitas" (Apud R. Amerio, Iota Unum, p. 93)

E Romano Amerio comenta essa palavras de Schillebeeks dizendo: "É uma estilística diplomática, isto é, conforme a força da palavra, dupla, em que a letra é formada tendo em vista a hermenêutica, invertendo a ordem natural do pensamento e do escrever" (R. Amerio, idem p. 93).

Portanto, os textos do Vaticano II foram escritos propositalmente de modo ambíguo, para se poder tirar deles as conseqüências implícitas, mas veladas, que neles havia.

Este não é o modo próprio de definir e de ensinar verdades.

E o senhor mesmo parece que reconheceu essa ambigüidade do Vaticano II, ao escrever as seguintes palavras num artigo seu publicado em Pergunte e Responderemos, tratando de uma obra de Dom Boaventura Kloppenburg, sem fazer qualquer restrição ao que ele disse:

"2. Liberdade Religiosa

O Concilio promulgou em 1965 uma Declaracao sobre a Liberdade Religiosa, que comeca com as palavras Dignitatis Humanae (DH). A expressao 'liberdade religiosa' e ambigua, pois nela se escondem
concepcoes inaceitaveis a luz da fe catolica. Tais sao:

- o indiferentismo religioso, que atribui a cada ser humano o direito de considerar o problema religiosos a seu bel-prazer, sem admitir alguma obrigacao moral de sondar a fundo a questao da existencia ou nao de Deus.
- o laicismo, que afirma ser a consciencia humana livre no sentido de que estaria desvinculada de toda obrigacao para com Deus
- o relativismo doutrinario, que atribui ao erro os mesmos direitos que a verdade, como se nao houvesse norma objetiva da verdade
- o pessimismo diletante, que admite ter o ser humano um quase direito de se comprazer tranquilamente na incerteza
"

(Pergunte e Reponderemos, n* 425, outubro de 1997, apud

(Subject: [catolicos] Salavacao e Liberdade Religiosa
Date: 19 Nov 1997 21:45:44 EST
From: leduardo@...
Reply-To: catolicos@...
To: catolicos@..)

Se o senhor reconhece que a expressão "liberdade religiosa" é ambígua, então o senhor tem que admitir que o Vaticano II usou uma expressão ambígua ao declarar:

"2. Este Sínodo Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa" (Dignitatis Humanae, n*2)

Como então aceitar sem mais reparos a contradição entre a Dignitatis Humanae -- que o senhor admite usar uma expressão ambígua -- e o que sempre ensinou o Magistério Ordinário da Igreja?

Resultado da ambigüidade: ninguém sabe muito claramente o que quis dizer o Vaticano II. Daí a pluralidade de interpretações e de posicionamentos que ele causou.

Daí a confusão criada.

Que intérpretes do Vaticano II seguir?

1) É claro que o senhor não me recomendaria seguir os "incendiários", os que querem incendiar a Igreja de qualquer modo, até deturpando seus documentos.

2) É claro também que não devo nem posso seguir a desorientação delirante e cismática dos chamados sedevacantistas (os "Dinamitadores") – a quem repudio --, que recusam não só o Vaticano II, mas todos os Papas posteriores a Pio XII, dizendo que foram falsos Papas, ou que perderam o papado.

3) Também não aceito a posição dos chamados tradicionalistas lefebvrianos (cismáticos), que a pretexto de combater abusos, estabeleceram Tribunais "papais", que acusei e ataquei como ato cismático. (aliás, o Vaticano está prestes a fazer um acordo com eles...)

4) Há os progressistas moderados - os "fumarentos" -- que cada vez mais se mostram críticos aos modernistas radicais (os Incendiários) e às suas interpretações do Vaticano II.

5) Há ainda certos teólogos conservadores, peritos... (direi..."malabaristas" ou acrobáticos"?) que, combatendo os mais extremados intérpretes do Vaticano II, procuram conciliar Sylllabus e "Antisyllabus". -- e, ao mesmo tempo, querem que, entre todas diversas e contraditórias interpretações do Vaticano II, a sua intrepretação seja a certa.

Estes me aconselham: "Engula respeitosamente a contradição entre Syllabus e "Antisyllabus".

6) Existe ainda a sua posição, que, embora reconhecendo que o texto do Vaticano II seja ambíguo no que tange a liberdade religiosa - e esta posição sua se aproxima, graças a Deus, da que admito -- procura escusar essa ambigüidade

7) Existe, por fim, a posição do "novo" Ratzinger, que ficou muito bem expressa na Declaração Dominus Iesus, documento do Magistério, que tanto furor tem provocado entre os modernistas como o ex frei Boff, os Bettos, ou em Cardeais como o Cardeal Cassidy, e em Bispos como Dom Ivo, e etc.

Que será que pensa da Dominus Iesus o Cardeal Arns? Será que ele aceita respeitosamente as dez verdades de Fé proclamadas pela Dominus Iesus?

(A propósito, Dom Estevão, a Dominus Iesus é documento infalível, ou é simples ensinamento do Magistério Ordinário? Qual é a sua opinião?)

Toda essa ala modernista radical acusa Ratzinger e o Papa João Paulo II de terem traído o verdadeiro Vaticano II (e como a Dominus Iesus reafirma o que sempre a Igreja ensinou, se conclui, de novo, que o Vaticano II não ensina o que a Igreja sempre ensinou).

IX -- Revolta dos teólogos e "teólogas" Belgas contra a Dominus Iesus

Ainda agora, acabo de receber um manifesto dos "Teólogos" e "Teólogas" belgas contra a Dominus Iesus.

O senhor conhece esse documento?

Ele é bem desrespeitoso com relação ao Papa e à Cúria que emitiu um documento de grande autoridade (Monsenhor Bertone, na apresentação da Dominus Iesus, asseverou que ela é um documento que implica a infalibilidade papal).

Eis sua tradução:

"O recente documento "Dominus Iesus" promulgado pela Congregação para a Doutrina da Fé pretende situar o cristianismo com relação às outras religiões, e a Igreja Católica face às outras religiões cristãs. Como teólogos e teólogas da Bélgica de língua francesa, nós queremos reagir com clareza deplorando o tom e o conteúdo do documento romano.

Nossas reflexões visam vários pontos:

Rejeitamos a relação de superioridade que um tal texto induz entre os católicos e os crentes de outras religiões. Essa atitude nos parece altamente prejudicial ao ecumenismo e ao diálogo inter religioso, no Ocidente assim como nos países do terceiro mundo.

Pensamos também que a questão da verdade tratada pelo documento é fundamental para ser encontrada, mas ela não pode ser colocada, na nossa opinião, senão numa partilha em pé de igualdade, na qual cada um propõe o seu caminho sem torná-lo absoluto. Medir o valor da tradição espiritual do outro pelo metro da tradição católica identificada com a verdade sobre Deus, parece-nos ser um beco sem saída, que não está de acordo nem com as intuições, nem com certas afirmações do Concílio Vaticano II, principalmente com a Declaração sobre a liberdade religiosa. Além disso, esta atitude não leva em conta o trabalho ecumênico e inter religioso praticado desde então [desde o Vaticano II], nem o caminho percorrido com aqueles que não crêem em Deus, nas questões de justiça, de verdade e de sentido.

Nós cremos que Cristo é o "o caminho, a verdade e a vida" no interior do ato de fé, mas nós cremos também que a plenitude da verdade está adiante de nós e que ninguém pode pretender possuí-la.

Em nossa opinião, o documento romano vai contra o espírito de diálogo do Vaticano II, e dá uma imagem de uma Igreja Católica voltada para certezas cristalizadas e reafirmadas num tom autoritário que se acreditava pertencer ao passado.

Esse texto nos parece, ademais, em completo deslocamento com a vida cotidiana de numerosos católicos e com os trabalhos de muitos teólogos engajados numa ação de pesquisa com os não católicos, crentes ou não.

Queremos sublinhar igualmente a contradição entre a declaração romana e os gestos simbólicos realizados pelo Papa para com as outras Igrejas e religiões. "Dominus Iesus" fere a credibilidade destas atitudes de João Paulo II.

A Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé já suscitou numerosas reações. A nossa é a dos teólogos católicos entristecidos por ver uma autoridade de sua Igreja responder às verdadeiras questões com respostas unilaterais, sem matizes e apresentadas como definitivas. Um tal documento só pode diminuir a credibilidade de uma instituição que poderia ser de modo totalmente diferente portadora do sopro do Evangelho"

Assinam: Roger Aubert, e mais 53 "escribas" - "teólogos" de ambos os sexos.

Que tal, meu caro Dom Estevão? I

Isso é que é "respeitar" o Magistério Ordinário -- ou Extraordinário? - do Papa?

E quantas heresias há nesse texto atrevido e desrespeitoso desses "teólogos" e "teólogas" belgas?

Entretanto, eles, pelo menos, tem a coerência de registrar o que salta aos olhos: há contradição entre algumas das teses do Vaticano II e as verdades de Fé proclamadas como obrigatórias na Dominus Iesus, e que repetem, como disse Dom Eugênio, o que a Igreja sempre ensinou.

Quanto a mim, apressei-me em declarar minha aceitação fervorosa das dez verdades de Fé proclamadas na Dominus Iesus, que repetem o que a Igreja sempre ensinou.

Quem tem razão a respeito da Dominus Iesus: Ratzinger, Dom Eugênio ou Dom Ivo? Quem tem razão: os que se submetem contentes a esse ensinamento de Roma, ou os adeptos "enragés" do Vaticano II, rebeldes, como esses "teólogos "e "teólogas" belgas? (Aliás, os belgas têm duas línguas, e esses teólogos belgas parecem ter língua dupla...).

Esta carta vai longa, mas uma acusação se faz em poucas linhas. Sua refutação e uma justificação exigem páginas e páginas.

X -- Mudanças que se anunciam...

Anunciam-se grandes mudanças em Roma. Fala-se que haverá medidas contra a "revolução litúrgica" promovida após o Vaticano II. Já existem documentos recomendando que o altar deve estar voltado para o "Oriente", versus Deum. Está saindo um livro do Cardeal Ratzinger, defendendo que não foi bom "girar" o altar versus populum...

O senhor já imaginou, D. Estevão, a revolta que haverá caso Roma confirme também esta mudança?

Ou melhor, esse retorno?

Será que os progressistas de todos os matizes aceitarão "respeitosamente" as orientações e determinações de Roma?

Recusarão, como recusaram a Humanae Vitae de Paulo VI, que grande parte do clero nem leva em consideração: violam-na abertamente.

Ou dirão esses modernistas e progressistas que não se devem aceitar os ensinamentos do Magistério Ordinário, eles que não aceitam nem mesmo o que é ensinado ex cathedra?

XI -- Reparo pessoal

Permite-me o senhor um pequeno reparo final de ordem pessoal, e, portanto, bem menos importante?

O senhor se mostra pouco caridoso e injusto ao me apresentar a seus leitores de "Pergunte e Responderemos" como "dissidente da TFP".

É claro que isso é para me diminuir. Ora, a Imitação de Cristo e a moral mandam examinar o que é dito, e não quem o diz.

Fui do grupo de Catolicismo, e quando descobri que por trás da TFP havia uma seita secreta com idéias absurdas e cultos delirantes, denunciei a seita a que nunca pertenci, graças a Deus.

Nesse tempo, o senhor me recebeu no Mosteiro de São Bento do Rio, e conversamos a respeito. Grande parte do que o público sabe, hoje, da maldade e dos erros secretos da TFP, foi por minha denúncia.

Não sou "dissidente da TFP"; sou seu denunciador e acusador.

Sua maneira de me apresentar -- mutatis mutandis, isto é, levando em conta as imensas e evidentes diferenças - é injusta como a de alguém que se referisse a Santo Agostinho, para diminuí-lo, como "dissidente do maniqueísmo". Ele denunciou, condenou e refutou o maniqueísmo; não foi "dissidente" dele.

E São Paulo foi fariseu. Nem por isso jamais ele foi chamado de dissidente do farisaísmo

Consta que um famoso Arcebispo brasileiro, em sua juventude, foi simpatizante do nazismo e que até quis ser ordenado padre vestindo, sob a batina, a camisa verde do Integralismo, o nazismo tupiniquim. Nunca vi chamá-lo de dissidente do Integralismo. (Mais tarde, esse Arcebispo ficou simpatizante do comunismo. Pois até parece que quem na juventude foi "verde", quando amadurece fica vermelho...)

Que surpresa, Dom Estevão, encontrar esta injustiça em suas palavras de apresentação. Diminuir alguém para desprestigiar seu posicionamento doutrinário, não é propriamente de acordo com a caridade.

E como o senhor, que defende o ecumenismo e o espírito dialogante do Vaticano II - dialogante, repito, até com os hereges "Evangélicos" que gritam "Abaixo o Papa!" -- não procurou dialogar comigo, considerando alguns "lados positivos" que podem existir até em mim, mas procurou "de cara’ -- perdoe-me a expressão corriqueira - me diminuir, sem levar em conta que meu artigo proclama "Viva o Papa!"?

Diálogo e respeito pelos que gritam "Abaixo o Papa", e ataque a quem grita "Viva o Papa"? É esse o famoso "espírito do Vaticano II"?

Se é esse o "espírito" do "Antisyllabus", não vejo esse espírito como tendo muita coerência, nem como favorecendo a crescer na caridade.

Perdoe-me esta queixa pessoal, que é bem secundária, ante a gravidade do que está acontecendo hoje na Igreja.

XII -- Conclusão. Apelo.

Contra meu desejo, esta carta ficou longa demais, porque tive três preocupações fundamentais:

  1. Proclamar minha fidelidade irrestrita ao Papa e a todos os seus ensinamentos, em toda a medida exigida pela Igreja;
  2. Demonstrar seu erro de julgamento a meu respeito;
  3. Não magoar alguém a quem quero respeitar e que gostaria de ver bem unido a mim na defesa da Igreja, que é o nosso intuito principal.

Quisera ainda regozijar-me com o senhor, porque sua admissão de que a expressão "liberdade de religião" é ambígua, ocultando várias teses contrárias à Fé, admite implicitamente que o próprio texto do Vaticano II, por ter usado essa expressão ambígua, é ambíguo também.

Esta admissão nos aproxima, o que me alegra, repito.

Diz o salmo : "In lumine tuo, videbimus lumen" (Ps.XXXV, 10). Em tua luz, veremos a luz.

Na luz que se irradia do Papa -- não importa qual --é que os católicos fiéis verão sempre a luz da verdade.

Dulce lumen! (Eccl XI, 7)

Roma se pronunciou de modo particularmente solene na Dominus Iesus. Contra esse documento --que Monsenhor Bertone apresentou como infalível-- se rebelam os Kungs, Boffes, Lorscheiders, belgas, alemães e tupiniquins.

Fiquemos nós fielmente com o Papa.

E gritemos juntos, prezado Dom Estevão, com alma e coração:

"Viva o Papa!"

In Corde Jesu, semper, Orlando Fedeli

PS. Para facilitar a compreensão dos nossos leitores, tomarei a liberdade de publicar na íntegra as cartas que trocamos, há muitos anos atrás, sobre o Vaticano II e a questão da liberdade de religião. Isto nos dispensará de fazer citações repetitivas delas. OF.


2.A) Carta-resposta de D. Estevão ao artigo "Ataque e nos defenderemos", de Orlando Fedeli (14/02/2001)

Meu caro amigo Orlando Fedeli,
Agradeço-lhe de coração suas longas considerações sobre o Papado. Foram amistosas. Esteja certo de que não vou replicar. Acabou-se a fase da discussão; não leva a coisa alguma. Se o interpretei mal, queira desculpar-me. Tenha-me como seu irmão em Cristo. Continue a mandar-me suas mensagens, se o julgar oportuno.
Atenciosamente
Pe. Estevão Bettencourt OSB


2.B) Tréplica do Prof. Orlando Fedeli

Muito prezado e reverendo Dom Estevão,
salve Maria !

Não sei o que mais admirar em sua mensagem, se é sua grandeza de alma, ou seu gesto de tão profunda amizade.

Deus Nosso Senhor, que tudo conhece, há de recompensar com mutissimas graças os seu atos de virtude.

Peço-lhe que reze por mim, para que Deus me esclareça sempre como devo agir para bem defender a Fé católica, como simples professor que sou.

Nesta hora em que o Santo Padre João Paulo II é tão atacado por sua heróica resistência contra o hedonismo contemporâneo, vejo-me, mais do que nunca, na obrigação de servir como eu possa a nossa santa Fé, os direitos e a autoridade do Papa, tão ofendido desde que publicou a Dominus Jesus.

Para isso, conto com o apoio de suas orações e de sua amizade.

Se um dia eu for ao Rio, farei questão de passar no São Bento, para pedir sua benção de sacerdote, e para cumprimentá-lo como amigo -- que o admira, ainda mais agora, e in Corde Jesu, semper,

Orlando Fedeli.


3.A) Nova Crítica de D. Estevão a Orlando Fedeli na revista "Pergunte e Responderemos" (Outubro de 2005)

Dom Estevão Bettencourt, A Doutrina do Vaticano II Sobre a Igreja, Pergunte e Responderemos, Ano XLVI, outubro de 2005, n.º 520, pp. 466-471

Modernismo maçônico?
 
A DOUTRINA DO VATICANO II SOBRE A IGREJA
 
Em síntese: O site Montfort, do Sr. Orlando Fedeli, tem propagado estranhas considerações, que vêm causando perplexidade aos internautas; principalmente é posto em foco o conceito de Igreja-sacramento. Ora é a este problema que as páginas seguintes atendem, mostrando que a expressão "sacramento" no caso explica bem ser a Igreja divina e humana, visível e invisível. Todo sacramento é um sinal sensível portador e transmissor da graça invisível de Deus. Ora tal é a Igreja.
 
*           *           *
           
O sr. Orlando Fedeli tem impugnado a concepção de Igreja sacramento através da internet. Esta atitude vem suscitando surpresa e dúvidas em internautas, que passam a pedir esclarecimentos a PR. É o que levaremos em conta nestas páginas, após expor o pensamento do sr. Orlando Fedeli.
 
1. O problema
 
            Para entender a problemática da questão acima, faz-se necessário recordar alguns traços do tratado da Igreja.
            Nos escritos do Novo Testamento são focalizados dois aspectos da Igreja: 
             o aspecto jurídico: a faculdade de "ligar e desligar" é conferida a Pedro só (Mt 16,16-19) e a Pedro com os onze (Mt 18,18);
             em Jo 20, 21s Jesus confere aos Apóstolos o poder de perdoar e não perdoar os pecados.
             o aspecto transcendental ou sobrenatural: "Cristo amou a Igreja e se entregou por ela a fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra para apresentar a Si mesmo a Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível" (Ef 5, 25-32)
             Cl 1, 18: "Ele (Cristo) é a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo".
            Poder-se-iam apresentar vários outros textos do Novo Testamento que aludem à dupla face da Igreja: a humana, jurídica e a divina, transcendental. Sejam suficientes, porém, os que foram atrás citados.
            Na Antigüidade as gerações cristãs primeiramente viveram a sua fé e só aos poucos a foram sistematizando. Foi através de questões [466/467] suscitadas pela vivência cristã que os antigos foram estimulados a formular com precisão crescente as grandes linhas da teologia da Igreja. Por isto até o século XIII não existe um tratado da Igreja explicitamente considerada, mas a imagem da Igreja aparece constantemente nos escritos teológicos como continuação do mistério da Encarnação.   
S. Agostinho († 430) é insigne representante desta concepção ao escrever: 
            "É absolutamente necessário, para entender a Escritura, pensar no Cristo total e completo, isto é, Cabeça e membros. Quando Ele fala, é, por vezes, em nome da Cabeça só. Por vezes é em nome do seu corpo, que é a Igreja espalhada por toda a terra... O Cristo mesmo disse: Não são mais duas carnes, mas uma só. Haverá então como se surpreender se, não sendo senão uma só carne, não têm senão uma língua e dizem as mesmas palavras?" (In Psalmum 37, 6).  
            Pouco depois o Papa São Leão Magno († 461) afirmava:  
            "Celebraremos dignamente o Natal se nos lembrarmos, cada um de nós, de que Corpo somos membros e a que Cabeça estamos unidos, cuidando de que não venha a se inserir no sagrado edifício uma peça discordante" (sermão 23).
            Passando à Idade Média, verificamos que até o século XIII (inclusive) o ambiente não exigia um tratado especial sobre a Igreja. O conceito de Igreja regia o modo de pensar da época, que era regime de Cristandade; não se distinguiam claramente sociedade temporal e sociedade espiritual. O mundo medieval era homogêneo e uno; essa homogeneidade e unidade era efetuada pelo pensamento cristão proclamado pela Igreja.
            Por isto os primeiros tratados sobre a Igreja só aparecem no século XIV, quando começou a ser abalada a unidade da sociedade anterior.
            A primeira obra que trata explicitamente da Igreja como tal é a de Tiago de Viterbo, em 1302 com o título De Regimine Christiano (O Regime Cristão), que apresenta duas características: 1) põe em relevo o aspecto jurídico institucional da Igreja e 2) considera a Igreja como sociedade distinta da sociedade civil e do poder régio. O motivo desta explicitação é o fato de que o rei Filipe IV o Belo, da França, quis tomar medidas que lesavam os direitos da Igreja naquele país.
            Os tratados eclesiológicos seguintes tiveram índole marcadamente jurídica: eram assim caracterizados também porque nos séculos XIV e XV houve teólogos que propugnaram o conciliarismo, ou seja, a supremacia de um Concílio Geral sobre o Papa, questão esta levantada por ocasião do Grande Cisma do Ocidente, alimentado pela ingerência dos reis no governo da Igreja entre 1378 e 1417.
 
            [467/468]
 
            No século XVI a reforma protestante suscitou a reafirmação da índole jurídica da Igreja definida por São Roberto Belarmino († 1631) como "a sociedade dos homens postos em marcha para a sua pátria, unidos
            – pela profissão da mesma fé
            – pela comunhão com os mesmos sacramentos
            – sob a autoridade dos pastores legítimos e, em particular, do Sumo Pontífice" (De Controversiis I, III, II [?])
    
            "Em conseqüência a Igreja é tão palpável e visível quanto o povo romano, o reino da França ou a república de Veneza" (ibid.).
            Por conseguinte três características jurídicas definem a Igreja após a cisão protestante: para todos os fiéis o mesmo Credo, os mesmos sacramentos e a mesma hierarquia. Não se nega o aspecto transcendental ou místico da Igreja, mas é mais realçada a face visível da mesma a fim de se distinguir com precisão, do protestantismo, o Catolicismo.
            A tendência jurídica e apologética (que não abrange senão um aspecto da Igreja) perdurou até o começo do século XX quando o Papa São Pio X lançou o apelo "De volta as fontes!". Este brado repercutiu na Eclesiologia, movendo bons teólogos a reavivar, no povo de Deus, a consciência de que a Igreja é também uma comunhão da vida com Cristo Cabeça, cujo Espirito Santo age nas almas dos justos para santificá-los sempre mais. Dentre os escritos publicados nessa linha, destaca-se a encíclica Mystici Corporis Christi de Pio XII datada de 29/6/43, onde se lê o seguinte:
            "Nada se pode conceber de mais glorioso, mais nobre, mais honroso do que pertencer à Igreja Santa, Católica, Apostólica e Romana, pela qual nos tornamos membros de um Corpo tão santo, somos dirigidos por um Chefe tão sublime, somos penetrados por um único Espirito Divino, enfim somos alimentados, neste exílio terrestre, por uma só doutrina e um só Pão celeste até que finalmente tomemos parte da única e eterna bem-aventurança celeste" (nº 90).
            Por fim o Concílio do Vaticano II (1962-65) recolheu toda essa herança teológica e apresentou a Igreja "como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano" (Lumen Gentium nº 1).
            É a esta altura dos acontecimentos que intervém o sr. Orlando Fedeli nos seguintes termos:
            "Para o Vaticano II, a Igreja é 'como que o sacramento'; então ela não é sacramento.
            [468/469]
 
            Nem o poderia ser.
            Se o Vaticano II tivesse definido a Igreja simplesmente, literalmente, como sacramento, teria caído na condenação do Concílio de Trento, que definiu infalivelmente que existem apenas sete sacramentos e que não podem existir mais" (Site Montfort).  
            Vejamos agora como formular a
 
 
2. A resposta a Orlando Fedeli
 
            1. Antes do mais, é de notar que o Concílio apresenta a Igreja como "o sacramento visível da unidade salvífica" em Lumen Gentium nº 9. Donde se vê que o "como que" de LG nº 1 não é essencial.
            Isto evidencia que o Concílio não rejeitou a qualificação de Igreja como sacramento sem mais. Se usou a partícula "como que" em LG nº 1, o Concílio o fez tomando o conceito de sacramento em sentido estrito de "rito litúrgico (Batismo, Crisma...)". A Igreja tem, sim, a estrutura do sacramento-rito litúrgico, pois é um sinal visível portador e transmissor da graça divina, mas não é um rito: o "como que" significa que ela não é sacramento em sentido estrito, mas em sentido amplo, como aliás o é também a santíssima humanidade de Cristo na qualidade de sacramento primordial. Com efeito: a santíssima humanidade de Jesus é o primeiro invólucro portador de uma realidade transcendental (a Divindade), realidade transcendental que Jesus assinala e transmite aos homens do seu tempo na Palestina (perdão de pecados, cura de paralitico, de leproso...).
            Esta função de Jesus (Deus feito homem) se prolonga na Igreja, que é seu Corpo Místico e Sacramento continuado, o qual se consuma nos sete filetes litúrgicos, fazendo assim a vida eterna do Pai atingir todo e qualquer ser humano em qualquer época ou localidade. Dá-se o nome de "ordem (âmbito) sacramental" a essa trilogia concatenada: humanidade de Jesus, Igreja, ritos litúrgicos ditos "sacramentos em sentido estrito".
            Reconheçamos que a expressão "Igreja-sacramento" é nova no linguajar teológico, mas tem fundamento tradicional que repousa nos escritos do Novo Testamento. Sim, "Igreja-sacramento" corresponde aos dois aspectos da Igreja (o jurídico, visível e o transcendental, místico), de que falam os Evangelhos e São Paulo. Com outras palavras: tal expressão indica que a Igreja é uma sociedade semelhante às deste mundo, mas não igual a elas; não é uma multinacional especializada em artigos religiosos, mas canal de bens definitivos que Cristo nela deposita; são dons invisíveis que vêm por vias visíveis. Tal expressão portanto não proclama nova doutrina, mas formula em linguagem nova o ensinamento bíblico.
            2. Orlando Fedeli acha estranho que a Igreja seja "sacramento" “da íntima união com Deus" sem mencionar o Batismo.
            [469/470]
 
            Respondemos não ser necessário explicitar todas as etapas que levam à íntima união com Deus cada vez que se fala deste assunto. De resto, no decorrer mesmo da sua explanação a mesma Constituição conciliar faz menção da necessidade do Batismo como porta de entrada na Igreja:  
            "Cristo, inculcando com palavras expressas a necessidade de fé e do Batismo, ao mesmo tempo confirmou a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo Batismo como por uma porta" (nº 14).  
            Quanto à semente divina existente em todo homem conforme a Constituição Gaudium et Spes n° 3, não é senão a alma humana espiritual, capaz de se elevar até o Infinito que é Deus.
            3. Orlando Fedeli critica ainda a afirmação segundo a qual a Igreja realiza a unidade do gênero humano.
            Como entender isto?
            Não parece difícil compreender que, sendo a Igreja chamada a reunir todos os homens na mesma condição de criaturas beneficiárias da obra da Redenção efetuada por Cristo, ela é chamada, por isso mesmo, a fazer a unidade do gênero humano sem relativismos, mas na mesma profissão de fé. Aliás há três planos nos quais todos os seres humanos convergem na unidade, apesar das diferenças raciais e culturais.
            – todos foram criados à imagem e semelhança de Deus, pois todos têm a mesma natureza intelectiva capaz de atingir o Absoluto; cf. Gn 1, 27;
            – todos foram remidos pelo sangue de Cristo e custam o mesmo preço; cf. 1Cor 6, 20;
            – todos são chamados à bem-aventurança final ou à visão de Deus face-a-face.
 
            A Igreja é ministra dessa salvação ou por sua palavra ou – para quem não a pode ouvir – pela sua existência mesma, pois todos aqueles que de boa fé ou candidamente estão no erro, podem salvar-se conforme Lumen Gentium nº 16 e Gaudium et Spes nº 22. Salvam-se, porém, por obra de Cristo e da Igreja. Só há um Mediador: Jesus Cristo, inseparável da sua Igreja, que é seu Corpo.
 
            4. O sr. Orlando Fedeli se mostra descontente também com a fórmula "subsiste na" do texto abaixo:
             "Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele, embora fora de sua visível estrutura se encontrem vários elementos de santificação e verdade" (Lumen Gentium nº 8).
            [470/471]
 
            Pergunta-se: que significa isto?
 
            Eis a resposta: o Concílio reconhece que, fora da Igreja Católica, existem elementos da Igreja (a leitura da Bíblia, a oração, o jejum, o martírio...). Por isto não diz simplesmente que a Igreja de Cristo é a Católica, como se fora desta, confiada a Pedro e seus sucessores, nada houvesse de eclesial ou como se todas as práticas religiosas e todos os artigos de Credo professados por cristãos não-católicos fossem estranhos à Igreja de Cristo. Ora a fim de respeitar tais valores, os padres conciliares escolheram a expressão: "A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica". O que quer dizer: a Igreja de Cristo está integralmente presente com todos os elementos da verdade revelada e vivenciada na Igreja Católica. O verbo subsiste, no caso, é novidade, mas novidade sadia, que, sem cair no relativismo, reconhece a verdade: as confissões cristãs não católicas professam heresias, sim (era isto que mais se dizia nos tempos anteriores ao Vaticano II), mas também professam artigos de autêntica fé e praticam as virtudes inspiradas por essa fé (piedade, zelo pela causa de Deus, amor ao próximo...).
 
            Por conseguinte, se também neste ponto a linguagem do Concílio inovou, ela só fez para melhor, sem trair a Verdade e o Bem.
            São, pois, infundadas as restrições ao Vaticano II pretensamente baseadas na Lumen Gentium.
 
 

 
3.B) Resposta do Prof. Orlando Fedeli "Acariciar ou denunciar o Cavalo de Tróia" (26/12/2005) 
 
I - Introdução
 
É pela terceira vez que me vejo forçado – bem a contragosto – a polemizar com Dom Estevão Bettencourt, pois que, de novo, ele me faz críticas de público, em seu Pergunte e Responderemos (n.º 520). É verdade que, desta vez, a crítica procura ser com veneno um tanto dosado, evitando ataques pessoais, pelo que agradeço a Dom Estevão. A nobreza do pedido de desculpas que ele me enviou no fim de nossa última polêmica, a sua avançada idade, e o respeito à sua dignidade me fizeram não entrar em conflito com Pergunte e Responderemos, embora seus posicionamentos doutrinários bem merecessem ataques.  
Criticado por ter tomado posição contra os erros do Concílio Vaticano II, mais uma vez me vejo forçado a polemizar, a contragosto, com ele. “Amicus Stephani, sed magis, veritatis”.  
Dom Estevão foi perito do Vaticano II. Ele teve uma formação neomodernista, seguindo a linha da Nova Teologia condenada por Pio XII na Humani Generis, e isso o leva a defender o Concílio de Henri de Lubac e do neomodernismo, a qualquer custo. Mesmo hoje, quando passados quarenta anos, o Concílio parece estar bem arruinado e até superado no dizer de alguns teólogos modernistas avançados.  
Desde os primeiros tempos pós-conciliares, se deram divisões quanto à interpretação do que foi realmente o Vaticano II, e a própria divergência de Dom Estevão comigo é prova da ambigüidade desse concílio pastoral, que tanto mal causou exatamente por sua pastoralidade. E o Papa Bento XVI acaba de confirmar pela primeira vez num discurso de Pontífice, que houve, de fato, pelo menos duas correntes de interpretação do Vaticano II.  
Na realidade, parece-me que seria conveniente distinguir quatro posicionamentos em face do Concílio:  
 
1– Os adversários católicos do Concílio Vaticano II: Dom Lefebvre e Dom Mayer, que se destacaram entre muitos outros, e que acusam o Vaticano II de ter se desviado da doutrina católica. 
 
2  Os chamados sede-vacantistas, cuja posição absurda nem vale a pena considerar.  
 
3  Os defensores do “espírito do Concílio” – os modernistas radicais – reunidos originalmente em torno da revista Concilium. Bento XVI, agora, em Discurso à Cúria neste período de Natal, disse que os seguidores do “espírito do Concílio” defendem a tese de que o Vaticano II rompeu com a Igreja do passado, e que eles querem essa ruptura. 
 
4  Os defensores da “letra do Vaticano II” – mais moderados, que procuravam harmonizar as afirmações mais ambigüamente escandalosas do Vaticano II com a doutrina tradicional, fazendo malabarismos de interpretação e distinções otimistas, mas que não conseguem resolver as contradições patentes do Concílio com a doutrina católica. Dom Estevão está entre estes últimos e é dos mais malabaristas. 
 
Depois de 40 anos de destruição pós-conciliar, a Igreja hoje apresenta imensas ruínas, em muitas de suas partes.
Após 40 anos de experiência modernista-conciliar, – “pastoral” – a desordem crescente só fortaleceu a ala católica contrária ao Vaticano II, pois viu comprovadas as suas críticas às teses modernistas daquele Concílio pastoral.
Do outro lado, as divergências entre os partidários do “espírito do Concílio” e os defensores da “letra do Vaticano II” aguçaram-se quase até o cisma declarado. A eleição de Bento XVI e as medidas de recuo que ele tem tomado, e indica que irá tomar, irritam tanto os modernistas defensores do “espírito do concílio”, que alguns deles já falam em “soluções” extremas. 
 
Nestes dias, por exemplo, o Cardeal Aloísio Lorscheider, junto com alguns padres expoentes da Teologia da Libertação, publicou um opúsculo no qual se dá um “Adeus ao Vaticano II”. 
No capítulo final desse opúsculo, o padre clareteano José Maria Vigil, um defensor da herética Teologia da Libertação, à guisa de conclusão, afirma que, 40 anos depois do Vaticano II, esse Concílio pastoral está superado, e que não adianta convocar um novo Concílio para atualizá-lo:  
 
Quarenta anos depois, outro Concílio, simples reunião de bispos, seria um instrumento demasiadamente doméstico para enfrentar questões que transcendem o patrimônio simbólico de qualquer religião concreta. (...) A hora dos Concílios passou. A ágora está em outro lugar e a temática já não é mais católica nem religiosa, mas supra-religiosa e epocalmente humana. Nesta conjuntura histórica torna-se evidente que o Vaticano II ficou para trás, desapareceu sob o horizonte [A ágora era a praça das antigas cidades gregas onde se realizavam os debates públicos] 
 
            E conclui então Padre Vigil: 
 
“Adeus, Vaticano II” (Padre José Maria Vigil, Vaticano II – 40 Anos Depois, Paulus, São Paulo, 2005, pp. 91 e 92. Os destaques são meus).  
Na Holanda, ainda agora, realizou-se um Congresso do qual participou o ex Frei Boff, que pretende substituir a Arca da Aliança – portanto, a Lei de Deus, com os Dez mandamentos – pela Arca da Esperança, que aboliria toda lei, num projeto de religião gnóstica e anomística, no qual se identificam Deus, o mundo e o homem.  
Disse nesse Congresso o ex Frei Boff, aquele da famigerada Teologia da Libertação, nascida do Vaticano II: 
 
“Este sonho bem-aventurado supõe entender ‘a humanidade como parte de um vasto universo em evolução’, e a ‘Terra como nosso lar, e viva’; implica também ‘viver o espírito de parentesco com toda vida; com reverência; o mistério da existência, com gratidão e o dom da vida que utiliza racionalmente os bens escassos para não prejudicar o capital natural das gerações futuras; elas também têm o direito a um Planeta sustentável e com boa qualidade de vida’ ”. 
Boff, autor de À sombra do Arco Íris. Uma Ética Planetária e uma espiritualidade ecológica”, continuou dizendo: ‘As quatro grandes tendências da ecologia ambiental, social, mental e integral estão aí bem articuladas, com grande força e beleza. Se for aprovada pela ONU, a Carta da Terra será anexada à Carta dos Direitos Humanos. Assim teremos uma visão holística da Terra e da Humanidade, formando um todo orgânico, sujeito de dignidade e de direitos’. (A aprovação pela ONU é um dos objetivos das Conferências do Milênio estabelecido pelo mesmíssimo Secretário Geral Kofi Annan). (NOTICIAS GLOBALES, Año VIII. Número 625, 61/05. Gacetilla nº 748. Buenos Aires, 24 noviembre 2005 --748) ONU-CARTA DE LA TIERRA: CULTO PAGANO. Fuentes al pie. Por Juan C. Sanahuj). 
 
Como se vê, ao completar 40 anos, o Vaticano II envelheceu, foi superado. Entrou em coma. Está morrendo. Dom Estevão insiste em fazer vigília ao doente, não percebendo que ele já é meio defunto. Não adianta esperar a hora de lhe ministrar remédio. Está próxima a hora do enterro. 
Está morrendo ainda moço, aos 40 anos, esse Concílio do aggiornamento. E não podia ser diferente, pois que tudo o que pretende estar em dia amanhã já estará superado. O aggiornamento criou um Concílio descartável. 
Enquanto escrevia esta resposta a Dom Estevão, chegou-me às mãos outra prova do estado terminal do Concílio Vaticano II. Essa prova me veio no conhecido folheto O Domingo, normalmente cheio de erros doutrinários bem graves. Portanto insuspeito ao criticar o Vaticano II. 
Pois agora lá me chegou O Domingo com um inusitado artigo de Irmão Nery, fsc., confessando os males causados pelo Concílio Vaticano II. O artigo inteiro merecia ser transcrito, pois se até O Domingo ataca o Vaticano II, é sinal que ele está bem à morte (Lembrei-me até do caso do asno que deu um último coice no leão moribundo...).
Diz Ir. Nery que o último ano do Concílio (1965) foi “bastante complexo”, pois “a densidade e a variedade das reflexões e a pressa em aprovar constituições, decretos e declarações causaram atropelos” (Ir Nery, fsc., Temas Atuais, in O Domingo, Ano LXXIII, N0 59, 11 – XII- 2005. p.4).
Atropelos...  
A seguir Ir. Nery constata o óbvio: ”O Concílio teve conseqüências”. 
Só faltava que não as tivesse!  
E as enumera:  
 
Houve as superficiais, que pareceram logo e causaram confusão. Houve as que causaram conflitos, gerando cisão na Igreja (caso Lefèbvre) e fortes crises pessoais. Houve conseqüências que ajudaram a Igreja melhorar na santidade, na unidade e na missão [de que Ir. Nery não dá exemplos concretos, pois seria difícil encontrá-los].  
 
E confessa: 
 
“A renovação conciliar passou a enfrentar resistências e, em pouco tempo, sofreu regressão” [Que bom!!!].
Hoje, passados 40 anos, ainda estamos em tempo de Concílio, talvez precisando de um novo”. [Que o Vaticano II já está “nas últimas”...]. 
 
E Irmão Nery dá, em conclusão, o que ele acha necessário fazer: 
 
a) “avaliar o que aconteceu do Vaticano II para cá”;  
b) “muita oração, para que o espírito santo não deixe a Igreja regredir nem se acomodar”;  
c) “mobilizar-nos para conhecer mais e melhor o Concílio e continuar mobilizando a renovação da Igreja” (Ir Nery, fsc., Temas Atuais, in O Domingo, Ano LXXIII, N0 59, 11 – XII- 2005. p.4). 
 
Pobre Irmão, que percebe que o barco do Vaticano II está fazendo água, e que julga que se deve rezar ao Espírito Santo, para não deixar a Igreja “regredir”. 
Como se o bem fosse ir sempre para frente. 
Como burro de olaria, andando em círculo. 
Como se o Espírito Santo pudesse errar ou se enganar.
Até o folhetinho O Domingo constata que o Vaticano II está moribundo. E quando a ruína foi percebida pelo O Domingo, é que até as “gerentes de igreja”, e até os carolas, que são conduzidos pastoralmente sem pensar, começaram a sentir cheiro de morte. Então...
C´est fini!
 
II O tema da nova polêmica 
 
            Dom Estevão abriu a nossa terceira polêmica, publicando uma crítica a um artigo meu sobre a Eclesiologia do Vaticano II. Ele me contestou em Pergunte e Responderemos, com um artigo que sintomaticamente se intitula: MODERNISMO MAÇÔNICO? A DOUTRINA DO VATICANO II SOBRE A IGREJA. (in Pergunte e Responderemos, Ano XLVI, Outubro de 2005, n.º 520, pp. 466-471).
Dom Estevão procura acalmar a surpresa e a perplexidade que meu trabalho teria causado a internautas, que recorreram a ele para se acalmar, e lhes diz que são “infundadas” as minhas “restrições” ao Vaticano II. (“São, pois, infundadas as restrições ao Vaticano II”).
Queria observar que não faço apenas “restrições” a algumas afirmações do Vaticano II. Eu não as aceito absolutamente. E não as aceito, fundamentando-me no que sempre a Igreja ensinou, e que contraria as inovações modernistas do pastoral Vaticano II. E não se me venha querer assustar ameaçando excomunhões, porque o próprio Vaticano II declarou que ninguém pode ser forçado, contra a sua consciência, a adotar uma posição religiosa. Portanto, o Vaticano II me dá o direito de, em consciência, divergir do Vaticano II.
Ou só para os católicos de sempre se nega o direito de oposição de consciência?
Antes de responder à crítica que me faz Dom Estevão, (que vai publicada, na íntegra, logo acima) devo dizer que concordo inteiramente com ele, quando diz que a Igreja Católica é uma sociedade divina e humana, e que Ela é o Corpo Místico de Cristo. Nisso, não há divergência alguma, graças a Deus. E Dom Estevão nem precisaria ter colocado esses pontos de Fé pelos quais estamos dispostos a morrer.
Divergimos, sim:
 
1- Da nova conceituação de Igreja expressa na Constituição Lumen Gentium, conceituação que Dom Estevão procura justificar, e que critico.
2- Divergimos ainda sobre a questão da nova noção ecumênica de Igreja trazida pelo famoso subsistit, que substituiu o verbo ser na afirmação; a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, e que na Lumen Gentium passou a ser “A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica”.  O que levou a muitos a pensarem que a Igreja de Cristo, de alguma forma, englobava todas igrejolas, todas as seitas e religiões e até os famosos “homens de boa vontade”.
3- Divergimos sobre a interpretação da afirmação da Gaudium et Spes de que Deus teria colocado “uma semente divina no homem”.
 
III Causas das Polêmicas sobre o Concílio Vaticano II 
 
O Vaticano II quis ser um Concílio defensor do ecumenismo e do irenismo. Pretendia eliminar as polêmicas numa “nova primavera da Fé”.
Hoje, não há duas paróquias que estejam de acordo.
O Concílio do aggiornamento só causou tempestades, polêmicas violentas, e divisões profundas. E permitiu que, com a “auto-demolição da Igreja, a fumaça de satanás entrasse no Templo de Deus”, como afirmou e reconheceu o próprio Paulo VI.
Quais as causas de tanta perturbação e de tanta divisão na Igreja, durante estes 40 anos de tragédia pastoral conciliar.
 
1 - Sem dúvida, foi a ambigüidade dos textos conciliares.
2 - Sem dúvida, foi a obscuridade das expressões adotadas pelo Vaticano II.
3 - Sem dúvida, foi o caráter pastoral do Concílio.
 
Ambigüidade, obscuridade, pastoralidade... Foram essas notas do Vaticano II que causaram, e causam, perplexidade nos católicos, e não os meus comentários sobre o Vaticano II.
Dom Estevão erra – já de início – sobre o causador da perplexidade.
Ele devia criticar essas três notas do Concílio, cujos textos, depois de 40 anos, ninguém sabe ao certo o que quiseram dizer. Nem os Cardeais da Cúria estão de acordo na leitura desses textos. Não se venha então acusar a minha recusa de certas teses do Vaticano II de causar uma perplexidade que é universal. Aquele que assinou os textos contra o Concílio Vaticano II no site Montfort é bem pequeno para causar uma perturbação universal.
 
III.1 Ambigüidade
 
No famoso livro de Romano Amerio, Jota Unum, foi citada uma frase atribuída ao perito do Concílio, Padre Schillebeecks, que anunciava a futura causa de tantas divergências provocadas por um Concilio que queria enterrar toda polêmica:
 
Nós o expressaremos em modo diplomático, mas, depois do Concílio, tiraremos as conclusões implícitas” (Declaração do Padre Schillebeecks na revista holandesa “De Bazuine”, N0 16, 1965, tradução francesa em Itinéraires, N0 155, p. 40, in Romano Amerio, Jota Unum, Riccardo Ricciardi editore, Milano-Napoli, 1985, p. 93 , nota 8).
 
Portanto, os redatores do Vaticano II, de propósito, elaboraram textos ambíguos, para que pudessem ser interpretados num sentido modernista mais radical, depois do Concílio.
Toda a polêmica entre “espírito” e “letra” do Concílio veio dessa ambigüidade. Ninguém sabe ao certo o que quis ensinar o Vaticano II.
Nem Dom Estevão.
E o que é inicialmente condenável no Vaticano II é exatamente essa ambigüidade, que permite tirar dos textos conciliares as conclusões mais descabeladas e as mais contraditórias.
E o que é ambíguo não pode ser infalível.
 
 
III.2 Obscuridades, Neologismos, Anfibologias...
 
Além da ambigüidade, o Vaticano II procurou ser obscuro, usando termos inusitados, vocábulos não teológicos, neologismos, termos que permitissem anfibologias, e formulações vagas que tornam muitas vezes obscuro o que ele quer dizer, num estilo impróprio para documentos do Magistério Eclesiástico.
No período pós-conciliar, esse novo estilo obscuro fez carreira...
Escreveu Romano Amerio sobre isso:
 
Também a transposição semântica é um grande veículo de novidade. Assim, por exemplo, chamar operador pastoral o pároco, Ceia a Missa, serviço a autoridade e toda outra função, autenticidade a natureza mesmo desonesta, sugere novidade nas coisas antes  significadas naqueles segundos vocábulos”.
“O neologismo, o mais das vezes filologicamente monstruoso, por vezes é destinado a significar novas idéias (por exemplo, conscientizar), porém mais freqüentemente nasce do desejo do novo, como se vê no dizer presbítero em vez de padre, ou diaconia em vez de serviço, ou Eucaristia em vez de Missa. Também nessa substituição por neologismos de termos antigos se esconde porém, sempre, uma variação de conceitos, ou pelo menos uma conotação diferente” (Romano Amerio, Jota Unum, Riccardo Ricciardi editore, Milano-Napoli, 1985,  p. 89).
 
III.3 Pastoral
 
Talvez tenha sido o termo pastoral aquele que mais confusão trouxe.
O Concílio Vaticano II se disse pastoral. João XXIII introduziu esse termo vago, nada claro, e Paulo VI confirmou a pastoralidade nebulosa do Vaticano II, declarando que ele, em vista desse caráter, não pretendeu ensinar nada dogmaticamente.
 
« João XXIII propôs esta idéia – [da pastoralidade do Vaticano II] – como uma chave, desde 1959. Para ele, graças a esse Concílio, poder-se-ia «distinguir exatamente o que é um princípio sagrado, o que é o Evangelho eterno, e o que muda conforme os climas, os temperamentos, as contingências locais...» Em 1962, o mesmo Papa insistiu na mesma linha: «A vida do cristão não é uma coleção de antiguidades. Não se trata de visitar um museu ou uma academia do passado, é preciso levar em conta as circunstâncias e as novas necessidades para indicar uma rota segura» ...
Um concílio cujo projeto único consiste em distinguir e a determinar o que pode e deve mudar não é um concílio no sentido ordinário desse termo. Um concílio católico faz o inverso disso: ele distingue o que não pode mudar. Ele deixa livre o que pode mudar ».
Dizendo isso, não me pronuncio ainda sobre o fundo, mas unicamente sobre a forma do Concílio: em sua intenção, em seu projeto, em seu objetivo, o Concílio Vaticano II não foi concebido sobre o modelo de um concílio católico. Esta é a razão pela qual os temas de que ele trata, assim como lembrava o Papa Paulo VI não estão submetidos à infalibilidade da Igreja. Portanto é lícito discuti-los. Eles não são de ordem dogmática; eles não tratam também daquilo que é necessário fazer para possuir a vida eterna. Seu caráter puramente pastoral nos exonera de toda obrigação formal a seu respeito”.(Abbé Guillaume de Tanoüarn, Vatican II et l' Évangile, cap. I. Os destaques são meus).  
 
Monsenhor Walter Brandmüller, presidente da Pontifícia Comissão de Ciências Históricas, --( que não é um cargo sem relevo)--escreveu um artigo sobre o Vaticano II, tratando de seu caráter pastoral, não dogmático, que foi publicado no “Avvenire” em 29 de Novembro de 2005, e no qual diz:
 
O Vaticano II, em vez, não julgou, e nem produziu leis, e nem mesmo deliberou de modo definitivo sobre questões de Fé, mas antes realizou um novo tipo de Concílio, considerando-se um Concílio pastoral, portanto espiritual, que desejava aproximar a doutrina do Evangelho de modo atraente a fim de que fosse guia para o mundo de hoje. Em particular, ele não exprimiu condenações doutrinais(Mons. Walter Brandmüller, "Concilio, passi dentro la storia http://www.db.avvenire.it/avvenire/edizione_2005_11_29/articolo_598899.html).
 
E citando o Cardeal Ratzinger, escreveu Mons. Brandmüller
 
 "O Cardeal Joseph Ratzinger (...) disse: «Algumas descrições suscitam a impressão que, depois do Vaticano II, tudo tinha se tornado diferente e que tudo o que acontecera antes não podia mais ser considerado ou poderia sê-lo somente á luz do Vaticano II. O Vaticano II não foi tratado como uma parte da tradição viva da Igreja, mas como um início totalmente novo. Se bem que ele não tenha emitido nenhum dogma e que tenha desejado considera-se mais modestamente ao nível de Concílio pastoral, alguns o apresentam como se fosse, por assim dizer, como o super dogma, que torna todo o resto irrelevante», enquanto «podemos tornar o Vaticano II verdadeiramente digno de fé, se o apresentamos muito claramente assim como ele é: um pedaço da tradição única e total da Igreja e da sua fé”. (destaque nosso).
 
Portanto, o Vaticano II não foi nem dogmático e nem infalível.
E Monsenhor Brandmüller afirma ainda:
 
“é preciso reafirmar com clareza que uma interpretação do Vaticano II fora da tradição contrastaria com a essência da Fé”.
 
  Portanto, Monsenhor Brandmüller considera que os que interpretam os textos do Vaticano II de acordo com o seu “espírito” são hereges, pois propõem uma doutrina que é contrastante “com a essência da Fé”. Ora, um texto que admite uma interpretação contrária à essência da Fé, e do qual é preciso fazer um esforço hermenêutico para harmonizá-lo com a Fé, é um texto que tem sabor de heresia, e, por isso mesmo, é condenável.
E o que tem se feito, e muito, — e também no Brasil — é negar tudo o que se ensinava na Igreja antes do Vaticano II, para afirmar o oposto em nome do Concílio pastoral.
Isso é que tem produzido perplexidade e estranheza entre os católicos, e que tem levado a uma auto demolição da Igreja e tudo o que é católico no Brasil, sem que Pergunte e Responderemos estranhe ou proteste muito contra essa auto demolição, mas até, em alguns pontos, a apoie e até aplauda a conciliação contra os piores inimigos da Igreja e da Fé. (E é o que veremos mais adiante).
Mas, contra quem luta contra os demolidores, Pergunte e Responderemos se manifesta fazendo críticas impertinentes.
Mas há mais do que o mostrar que o caráter pastoral do Vaticano II não o fez infalível. Há pior: foi através do caráter “pastoral” do Vaticano II que foi possível introduzir erros doutrinários graves na Igreja.
Quem disse isso foi o famoso teólogo modernista Padre René Laurentin. Esse teólogo insuspeito, nesse caso, tratou do significado do termo pastoral, dizendo que essa palavra foi o Cavalo de Tróia que introduziu na Igreja uma teologia e uma doutrina novas e diferentes da antiga ortodoxia:
 
Elucidar o papel do sucessor de Pedro na ordem da certeza e da verdade, eis um problema ‘pastoral’... [nota: Não é aqui o lugar para discutir a palavra ‘pastoral’ que foi o título-programa de nossa contribuição: ‘Reflexão pastoral’. Mantemo-nos distantes com relação às ambigüidades desta palavra. Ela foi, no Concílio, uma espécie de Cavalo de Tróia. Os líderes das duas tendências, majoritária e minoritária, fizeram de conta que a pastoral era um domínio adequadamente distinto da doutrina. Assim, os primeiros fizeram passar, sob a cobertura desta palavra inocente, toda uma renovação teológica, infelizmente muito mal ajustada a um sistema doutrinal que em aparência permanecia intacto. Estamos longe, ainda hoje, de sair desta ambigüidade inerente aos textos do Vaticano II. Toda teologia é pastoral; e toda pastoral autêntica é teológica”.  (R. Laurentin, O Fundamento de Pedro na Incerteza Atual in ConciliumRevista Internacional de Teologia, n. 83, 1973/3: Dogma, p. 354. Os destaques são meus).
 
Portanto, o Cavalo de Tróia que introduziu na Igreja uma Nova Teologia, deixando a doutrina de sempre intacta apenas na aparência, foi o termo pastoral.
O estilo “pastoral” escrevia fórmulas que os ingênuos pensavam interpretar de modo tradicional, enquanto os modernistas os interpretavam de modo herético, “aggiornato”. 
Alguém enganou a muitos no Concílio Vaticano II.
Dom Estevão Bettencourt continua prisioneiro dessa ambigüidade conciliar em razão de sua formação na Nova Teologia modernista, já que ele é um seguidor dos modernistas Congar e Dom Odo Casel. É essa ambigüidade de terminologia que permite a Pergunte e Responderemos variar tanto, no decorrer de sua história, nas doutrinas que defende. Dom Estevão procura acalmar as perplexidades dos que se assustam ao compreender o que está escondido no bojo pastoral do Cavalo de Tróia conciliar...
Sem causar tanta perplexidade nos internautas...
Cria fama e deita-te na cama.
Dom Estevão em Pergunte e Responderemos fica acalmando e adormecendo os internautas perplexos por terem visto o Cavalo de Tróia dentro da fortaleza.
Dom Estevão em Pergunte e Responderemos fica acariciando o pescoço do Cavalo de Tróia, ao invés de denunciá-lo, de combater os erros que escorrem de seu bojo... pastoral.
Isso, sim, é que causa perplexidade.
Que pena!...
Agora que os ventos estão mudando em Roma, estaria na hora de Pergunte e Responderemos – que já mudou tantas vezes em sua história – de começar a mudar também. Mas, desta vez, para o lado correto.
Relho no Cavalo de Tróia, Dom Estevão!
 
 
IV – Análise da crítica de Dom Estevão
 
Por razões de clareza para o leitor, vamos analisar os pontos de divergência entre nós e Dom Estevão em ordem inversa a que eles foram tratados por Pergunte e Responderemos.
 
 
IV.1 - A semente divina no homem 
 
A Constituição Gaudium et Spes diz – “pastoralmente” – em seu número 3:
 
“Por isso, proclamando a vocação altíssima do homem e afirmando existir nele uma semente divina, o Sacrossanto Concílio oferece ao gênero humano a colaboração sincera da Igreja para o estabelecimento de uma fraternidade universal que corresponda a essa vocação”. (Vaticano II, Gaudium et Spes, N0 3. Os destaques são nossos).
 
Quando escrevemos nosso artigo sobre a Eclesiologia do Vaticano II do qual Dom Estevão não cita os argumentos – dissemos que o erro fundamental do Vaticano II consistiu em ter uma visão gnóstica do homem, pois afirma, com a Gnose, que há uma semente divina no homem, o que faz absurdamente dele um deus em potencial.
Havíamos dito que, se alguma semente existe no homem, é a do pecado. Pois está dito nos Salmos:
 
“Eis que fui concebido em iniqüidade, e minha mãe me concebeu no pecado” (Sl. L, 7).
 
Além disto, lembramos o que o mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou:

            “Ouvi-me todos e entendei: Não há coisa  fora do homem que, entrando nele, o possa manchar, mas são as que saem do homem, essas são as que tornam o homem impuro. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc., VII, 15).
Portanto, o mal provém do interior do homem. Logo, não há nele semente divina, coisa nenhuma.
Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça. Dom Estevão não ouviu.
Essa semente divina no homem seria o Cristo pneumático, distinto de Jesus Cristo histórico. Jesus teria sido apenas um homem extraordinário, que teria tido uma experiência interior com a semente divina existente nele – o Cristo –, como em qualquer outro homem. Ele teria sido apenas um primeiro homem a alcançar a auto-divinização pelo conhecimento da divindade imanente nele. Noutras confissões religiosas  essa semente divina poderia ser denominada Buda, Allah, Brahman, ou qualquer outro nome que seja.
Claro que disso nascem o ecumenismo e o indiferentismo religioso.
O Vaticano II afirma que o homem, naturalmente tomado, tem a semente de Deus. O que identifica a ordem natural e a ordem sobrenatural, o que era um dos erros da gnose Modernista, condenada por São Pio X na Pascendi.
Ora, Dom Estevão em sua crítica a nosso trabalho contra a Eclesiologia do Vaticano II, acaba por dizer:
 
1 -– “todos foram criados à imagem e semelhança de Deus, pois todos têm a mesma natureza intelectiva capaz de atingir o Absoluto; cf. Gn 1, 27;” 
2- – todos foram remidos pelo sangue de Cristo e custam o mesmo preço; cf. 1Cor 6, 20;”.
 
Em primeiro lugar, é falso que os homens, só por terem natureza intelectiva, sejam capazes de atingir o absoluto. Se pela razão o homem pode compreender que Deus existe, os homens só podem salvar-se por meio da graça. Sem Deus, nada podemos fazer. O que diz Dom Estevão reflete uma concepção naturalista do homem. Mas é claro que, se ele admite que a alma humana é uma semente divina, então é compreensível que ele admita que o homem, por sua própria força natural, chegue à divinização, ao Absoluto.
É certo que “todos os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus”.  Mas é preciso completar essa afirmativa. A imagem de Deus em nós nos vem de nossa alma racional, dotada de inteligência e vontade. Mas a semelhança com Deus, como bem salienta São Boaventura nos vem da graça santificante que recebemos no Batismo. Portanto, nem todos os homens têm essa semelhança com Deus, porque nem todos são batizados.
E a afirmação de que “todos os homens foram remidos pelo sangue de Cristo” precisa ser precisada por uma distinção.
É claro que os merecimentos infinitos são suficientes para a redenção de todos os homens. Objetivamente, a Redenção de Cristo é universal. Entretanto, nem todos os homens aproveitam desse tesouro infinito da Redenção. Muitos homens recusam a graça do Batismo, e outros há que morrem em pecado, e não aproveitam os méritos infinitos de Cristo-Deus. Diz-se então que subjetivamente, nem todos são redimidos, no sentido que não lhes aproveitam os méritos infinitos de Cristo.
Infelizmente, Dom Estevão não faz essa distinção importante entre Redenção objetiva e Redenção subjetiva.
Em nosso trabalho, colocamos ainda outros argumentos sobre a questão da semente divina no homem.
Contra tudo o que dissemos, Dom Estevão se limita a dizer, como correndo sobre brasas:
 
Quanto à semente divina existente em todo homem conforme a Constituição Gaudium et Spes n° 3, não é senão a alma humana espiritual, capaz de se elevar até o Infinito que é Deus”.
 
Que fácil, não Dom Estevão?  
Segundo Pergunte e Responderemos, quando alguém definir o homem poderá dizer, seguindo Dom Estevão Bettencourt, que o homem é um ser composto de corpo animal e de semente divina.
Que absurdo! Seria falta de respeito de minha parte exclamar: que loucura!?
Se uma criança dissesse isso, qualquer professor de Catecismo a corrigiria dizendo que está errado, e que isso é uma loucura. Certo é dizer que o homem é uma criatura composta de corpo animal e alma racional.
Mas um teólogo dizer isso, para salvar o Vaticano II, é prova de que quer esconder o Cavalo de Tróia, afagando-o, e ocultando um erro grosseiro por meio de sofismas descabelados, por meio de ambigüidades acrobáticas que somente teólogos modernistas ousam fazer com a maior seriedade possível.
Que fácil, não, Dom Estevão? Assim se provaria até que o triângulo é um círculo!
           Para Dom Estevão, seguindo o Vaticano II, o homem seria um ser composto de corpo e semente divina e, quando ele fosse batizado, o homem receberia então a graça santificante -- que é a participação da vida divina, -- dada para a semente divina.  
Meu caro Dom Estevão, sua interpretação da semente divina como sendo a alma humana tornaria inútil o Batismo.
Sem querer fazer qualquer desrespeito ao santo Sacramento do Batismo, e aplicando o mesmo método simplista usado por Pergunte e Responderemos,- só como argumento ad hominem, quase se poderia perguntar: para que serviria o Batismo, então? Para regar a semente divina?
Se isso fosse assim, tornar-se-ia desnecessária e inútil a Redenção de Cristo Desnecessários a Igreja, os sacramentos, a moral, as boas obras e a Fé, pois todo homem, sendo substancialmente composto por corpo material e semente divina, seria substancialmente divino, e não poderia jamais ser condenado.
Então todo homem, tendo em sua natureza uma semente divina, poderia se elevar naturalmente até Deus!
Fácil, não?
E como fica, Dom Estevão, a afirmação de Cristo de que sem Ele nada podemos fazer? Se já temos uma alma que é semente divina substancial em nós, Cristo se tornaria dispensável para o homem. Um budista, um ateu, um assassino estaria já naturalmente salvo.
Se Dom Estevão estivesse certo ao dizer isso, o Modernismo estaria certo, pois era o Modernismo que colocava o natural e o sobrenatural no mesmo plano.
Na ânsia de defender o Vaticano II, Dom Estevão confessou – sem querer – que o Concílio é Modernista.
Pior ainda.
Na ânsia de afagar o cavalo pastoral de Tróia, Dom Estevão foi mais longe e escorregou: fez o natural capaz de se tornar divino.
Dom Estevão, sem querer, declarou que a Gaudium et Spes afirmou ou panteísmo, ou a Gnose.
Então, para Pergunte e Responderemos, a alma humana é capaz de se elevar até o infinito, por ser ela a semente divina no homem de que fala a Gaudium et Spes.
Será que ninguém ficou perplexo com essa enormidade teológica afirmada pela revista de Dom Estevão?
Como poderia o infinito ser dividido em bilhões de sementes?
Isso é um absurdo!
E essas sementes divinas teriam potência de se tornarem Deus em ato?
Se elas têm essa potência, elas não são divinas, porque em Deus não há potência passiva. Deus é ato puro. É infinito. E o infinito não é divisível em sementinhas.
A afirmação da Gaudium et Spes, assim como a sua defesa por Dom Estevão, não têm a menor base teológica e racional.
Se a alma humana é a semente divina no homem, porque em dois mil anos a Igreja sempre condenou a Gnose, e por que a Igreja jamais chamou a alma humana de semente divina?
É certo que S. Pio X, na Acerbo Nimis, diz que a fé é uma “semente divina” na alma. E S. Agostinho diz que o Batismo é uma semente divina na alma. Mas nem a Fé e nem o Batismo são a alma do homem, parte substancial dele. Dizer que a alma é uma semente divina é considerar que uma parte substancial do homem é divina, e isso é absurdo.
Por isso, nem a Gaudium et Spes e nem Dom Estevão distinguem católico de não católico. A Gaudium et Spes afirma que há uma semente divina no homem. Portanto, em todo homem, seja ele batizado ou não, tenha ele Fé, ou não.
E além da Gnose, também a Cabala — que é a Gnose judaica – afirma que há no homem uma centelha ou uma semente divina. Veja-se como uma espécie de “Pergunte e Responderemos” judeu-cabalista responde como a alma humana seria a centelha divina no homem.
Até parece que Dom Estevão colou da Cabala a sua resposta:
 
"(...) Você apresenta a pergunta como se fosse teórica: Se você pudesse ser D'us, o que faria? Mas segundo o pensamento judaico, isso não é hipotético: é a realidade! D'us dotou cada um de nós com uma centelha Divina, um pedaço de Si Mesmo, ao qual geralmente nos referimos como "a alma". Esta centelha Divina é nossa verdadeira identidade; nosso corpo e a "personalidade" que vem com ele são meramente os veículos por meio dos quais nossa alma se expressa.(...)" (http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/fosse_deus/home.html)
 
 De fato, segundo a Cabala, que é a Gnose judaica, no homem haveria três almas ou espíritos: 
 
1.   Nephesh, ou alma vital, unida ao corpo;
2.   Rouah, ou alma intelectual;
3.   E finalmente a Neshamá, ou centelha divina no homem, proveniente da sephrirá Binah, uma centelha do próprio intelecto divino.
 
(Cfr. Zohar,I, 62ª- 62 b); Zohar , I , 287 b; Zohar, II, 95 a e 95b;  Gerschom Scholem, As Grandes Correntes da Mística Judaica, tradução de Major Trends on Jewish Mistycism, ed. Perfspectiva, São Paulo, 1972,  pp. 241- 242). 
 
Portanto, Dom Estevão não está sozinho ao dizer que a semente divina que Deus colocou no homem, segundo a Gaudium et Spes, é a alma humana: Dom Estevão repetiu o que disse a Cabala.
O senhor não está em boa companhia, Dom Estevão.
O Concílio Vaticano II fundamentou nessa doutrina falsa a idéia da salvação universal, já que, se o homem tem uma semente divina, nenhum homem pode ser condenado ao inferno. Também é dessa idéia de uma semente ou centelha divina existente em cada homem, é que vem a idéia de a que revelação é universal, e, portanto, de que é possível salvar-se em qualquer religião.
Daí, o ecumenismo e o seu conseqüente indiferentismo religioso.
Daí, a Igreja Conciliar — como dizem os novos teólogos — querer oferecer seus préstimos ao “Gênero Humano”, para realizar, enfim, a Fraternidade Universal, com a Igualdade, Liberdade e Fraternidade. 
Fraternidade. Fraternidade sem Pai, é claro.
E isso nos leva a um pequeno parêntese maçônico, pois Dom Estevão colocou, no título do artigo que escreveu contra mim, uma pergunta: “Modernismo maçônico ?”
 
 
IV.2 - Pequeno Parêntese Maçônico
 
 
Sim, Modernismo maçônico.
Da idéia humanista de que cada homem tem uma semente divina, trazida para dentro da Igreja, pelo pastoral Cavalo de Tróia do Vaticano II, veio todo o “serviço” para a Humanidade, da qual, conforme Paulo VI a Igreja como que se fez escrava no Concílio:
 
 “Neste Concílio [Vaticano II] a Igreja quase se fez escrava da humanidade” (Paulo VI, Discurso de Encerramento do Concílio Vaticano II, em 7 de Dezembro de 1965).
 
E Dom Estevão nos elucida que é a Maçonaria quem faz isso:
 
Assim, a Maçonaria cultua, em última análise, a Humanidade, apresentando-a como um grande Todo” (Dom Estevão Bettencourt in Pergunte e Responderemos, N0 9- Setembro de 1958, pp. 386).
 
E Paulo VI, como num eco, disse:
 
“Humanistas do século XX, reconhecei que também Nós temos o culto do Homem”. (Paulo VI, Discurso de Encerramento do Concílio Vaticano II, em 7 de Dezembro de 1965).
 
O Humanismo...
Aceitando a chamada civilização moderna antropocêntrica, o Vaticano II colocou o Homem no lugar de Deus. Daí ter renunciado à paz dada por Cristo para buscar uma falsa paz arquitetada pelo Homem, isto é, pelas sociedades secretas que cultuam o Homem. 
 
 
Mesmo que seja difícil, é indispensável fazer-se uma concepção autêntica da paz... A paz é uma coisa humaníssima. Se procurarmos de onde vem verdadeiramente a paz, descobriremos que ela aprofunda suas raízes no sentido leal do homem. Uma paz que não resulte do culto verdadeiro do Homem, essa não é paz (Paulo VI, Alocução para a Jornada da Paz, 16 – XII- 1974). 
 
Ora, o certo seria ter dito: Uma paz que não resulte do culto verdadeiro de Cristo Deus, essa não é paz .
Compreendendo bem o que disse Paulo VI – que a paz resulta do culto do Homem – compreende-se facilmente que esse Papa não acreditava que a paz viesse de Cristo através da Igreja, mas sim da ONU:
 
Nossa Mensagem quer ser, principalmente, uma ratificação moral e solene desta instituição-- [a ONU] – (...) Nós estamos convencidos que esta Organização representa o caminho obrigatório da civilização moderna e da paz mundial (...) Os povos se voltam para as Nações Unidas como para a última esperança da concórdia e da paz. Nós ousamos trazer-lhe, aqui, junto com o Nosso, o seu tributo de honra e de esperança” (Paulo VI, Discurso na ONU – 4 de Outubro de 1968).
 
Ora, não é segredo para ninguém quais sejam as relações da ONU com as sociedades secretas que cultuam o Homem, e que buscam a Fraternidade Universal.
Que mistério envolve a vida de Paulo VI e em que acreditava ele?
E como esse mistério se introduziu no Concílio?
É uma pergunta.
 
“A paz anunciada pelo Concílio é a maior que o mundo possa oferecer, a da humanidade reunida em torno de valores que se dá a si mesma, a dignidade do homem e seu serviço incondicional. Neste ponto se é obrigado constatar uma convergência entre o projeto teológico da Igreja conciliar e o projeto maçônico” (Abbé de Tanoüarn, op. cit.,  Cap III, pp. 40-41).
 
Como não dar razão, neste ponto, ao Abbé de Tanoüarn, quando se considera o que declarou o Papa João Paulo II, em seu derradeiro livro Memória e Identidade:
 
Nos documentos do Vaticano II, pode-se encontrar uma sugestiva síntese da relação entre o cristianismo e o iluminismo (João Paulo II, Memória e Identidade, Edit. Objetiva, Rio de Janeiro, 2.005, p. 126).
 
Ora, o Iluminismo é maçônico, e de seu racionalismo derivou o indiferentismo do qual Bento XVI acusa, agora, a tirania.
 
No mês anterior à morte de Pio XII, podia-se ler a seguinte frase, num artigo sobre a Maçonaria, publicado numa revista católica brasileira:
 
Contudo, finda a guerra mundial de 1914-18 – [quando São Pio X falecera e fora sucedido por Bento XV, Papa que seguiu política oposta a de São Pio X face ao Modernismo] – alguns maçons trouxeram de novo à baila o plano de uma aproximação em relação ao Catolicismo. O líder André Lebey, muito popular nas Lojas convidava “os que sentiam necessidade de um culto” a irem “ao ninho comum: a religião católica”. René Guénon tachava de “degenerada” a organização maçônica de seu tempo e preconizava u’a Maçonaria restaurada de acordo com as suas origens católicas. Por fim, Albert Lantoine, membro do Supremo Conselho do Rito Escocês, no ano de 1937 entrou em diálogo com o Padre Berthelot S. J., num opúsculo intitulado “Lettre au Souverain Pontife” propunha à Igreja como que uma “trégua” para  se constituir uma frente comum contra os perigos do totalitarismo e do marxismo, que, conforme Lantoine, ameaçavam ”os dois cultos”. As idéias deste autor, embora tenham despertado simpatia entre vários de seus correligionários, não encontraram apoio por parte das autoridades das Lojas, de sorte que Lantoine, antes de morrer, abandonou toda atividade maçônica. A Igreja, do seu lado, declarou, por um decreto do Santo Ofício, datado de Abril de 1949, que as disposições (condenatórias) do Código de Direito canônico referentes à Maçonaria não haviam sofrido mudança” (Dom Estevão Bettencourt in Pergunte e Responderemos, N0 9- Setembro de 1958, pp. 388-389).
 
Não fui eu quem afirmou que após a morte de São Pio X, com a eleição de Bento XV — Papa amigo dos modernistas — a Maçonaria começou uma aproximação, um “namoro” com a Igreja, que durou até 1949, quando essa aproximação foi repelida pelo Papa Pio XII.
Quem afirmou isso foi Dom Estevão Bettencourt, em Setembro de 1958, pouco antes de morrer Pio XII, e pouco tempo antes de João XXIII ser eleito Papa João XXIII, ele que foi o amigo do Grão Mestre da Maçonaria, Barão Yves de Marsaudon.
Que mistério envolve a vida de João XXIII e em que medida esse mistério se envolveu com o Vaticano II?
De onde Dom Estevão retirou essas informações sobre a aproximação da Maçonaria com respeito à Igreja?
Muito possivelmente da revista Ecclesia, cujo diretor era o modernita moderado Daniel-Rops, e que no Número 175 de Outubro de 1963,--- durante o Vaticano II – num artigo de  Serge Hutin noticiava que:
 
“(Albert) Lantoine tinha muita razão em mostrar que a Franco Maçonaria, tendo se tornado anti-clerical pelo jogo das circunstâncias históricas, não o era por essência. O Cardeal Verdier, o reverendo Padre  Gillet, Superior Geral dos Dominicanos, o Cardeal Beaudrillart escrevem ao ilustre maçon em termos simpáticos. O próprio Papa --[Pio XI] – julga a Carta [au Souverain Pontife] cheia de boa vontade. De um lado e de outro, se permanecerá, entretanto, em suas próprias posições” (Serge Hutin, Les Rapports Orageux entre  l´Église et la Maçonnerie, in Ecclesia, Número 175 de Outubro de 1963, p.92. O destaque é meu, para indicar uma idéia do maçon Albert Lantoine que Dom Estevão Bettencurt irá repetir mais adiante).
 
            É outra pergunta.
João XXIII convocou o Concílio através da Constituição Humanae Salutis, divulgada no Natal de 1961, na qual afirmava que ”O Concílio será um acontecimento a serviço do mundo” (Peter Hebblethwaite, Giovanni XXIII- Il Papa Del Concilio, Rusconi, Milano, 1989, p.559).
Foi predito por João XXIII que o Vaticano II estaria “a serviço do Mundo”, e, no discurso de seu encerramento, Paulo VI declarou que o Vaticano II esteve “a serviço da Humanidade”...
Concordância muito interessante..
 
Durante o Concílio Vaticano II, o Bispo D. Méndez Arceo, de Cuernavaca, famoso por suas posições avançadas, pediu, por duas vezes, fosse estudada em assembléia conciliar a questão das relações entre a Igreja Católica e a Maçonaria. Todavia, o momento ainda não era oportuno” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  V, N0 171- Março de 1974, p.25).
 
 
Para Dom Estevão Bettencourt, o tempo então “ainda não era oportuno”... 
Viria um tempo “oportuno”? Ou veio?
Ainda durante o Concílio Vaticano II, “A Grande Loja do Haiti aos 26 de Junho de 1962 enviou uma carta ao Papa João XXIII, em que manifestava discreta simpatia para com a Igreja e formulava votos para que, conseqüentemente, a Santa Sé retirasse a pena de excomunhão que pesa sobre os membros das lojas maçônicas” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  V, N0 171- Março de 1974, p.26).
 
Em seu leito de morte, disse João XXIII:
 
Agora mais do que nunca, certamente mais do que nos séculos passados, estamos de acordo em servir o homem enquanto tal e não só os católicos, a defender antes de tudo e em toda a parte os direitos da pessoa humana e não somente os direitos da Igreja Católica. As circunstâncias hodiernas, as exigências dos últimos 50 anos, o aprofundamento doutrinário nos conduziram diante de uma realidade nova, como disse no discurso de abertura do Concílio. Não é o Evangelho que muda somos nós que começamos a compreendê-lo melhor” (Peter Hebblethwaite, Giovanni XXIII- Il Papa Del Concilio, Rusconi, Milano, 1989, p.701).
 
 “Passemos agora ao exame da nova situação que se criou entre a Igreja e a Maçonaria a partir do Vaticano II” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  V, N0 171- Março de 1974, p. 24).
 
Será que o Concílio Vaticano II teria aceitado a proposta da Maçonaria de uma reconciliação com a Igreja com base na defesa da Liberdade, Igualdade e Fraternidade? De uma reconciliação, para juntas trabalharem harmonicamente para o bem da Humanidade?
Será que as autoridades da Igreja aceitaram, depois do Vaticano II dialogar com a Maçonaria?
Dom Estevão nos esclarece que sim:
 
Após o Concílio, o diálogo entre as autoridades da Igreja e teólogos, de um lado, e líderes maçons, de outro lado, tem se tornado cada vez mais assíduo. Em conseqüência dessa aproximação, verifica-se sempre mais que não se pode encarar a Maçonaria como um bloco monolítico, mas, sim, como um conjunto de lojas e federações independentes umas das outras, e inspiradas por diversos modos de pensar frente ao Cristianismo e à Igreja). (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos, artigo Maçonaria e Igreja Católica se Reconciliarão? Ano  V, N0 171- Março de 1974, p. 25).
 
E ainda:
 
Após o Concílio do Vaticano II, esta condenação [da Maçonaria] vai sendo submetida a reexame. Verifica-se que as invectivas da Maçonaria contra a Igreja Católica não foram inspiradas pelos princípios fundamentais da Maçonaria, mas por fatores que sobrevieram a esses princípios no decorrer da história. Não obstante, a imagem da maçonaria agressiva à Igreja foi a que mais caracterizou a Maçonaria na opinião pública até hoje. Visto que em nossos tempos as Lojas Maçônicas parecem já não ser o que foram nos séculos passados, julga-se que a legislação da igreja mudará frente a elas; apontam-se vários fatos recentes que indicam tendências de aproximação entre a Igreja e a maçonaria. Por enquanto, porém em sã consciência, é preciso dizer que perdura a pena de excomunhão prevista pelo Código de Direito canônico para os membros da maçonaria. A excomunhão, contudo só afeta as pessoas conscientes de que tal censura está anexa inscrição na Maçonaria” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos, artigo Maçonaria e Igreja Católica se Reconciliarão?  Síntese inicial do artigo. Ano  V, N0 171- Março de 1974, p. 16. O destaque é nosso).
 
A frase que sublinhamos nessa citação de Dom Estevão repete o que havia afirmado o Maçon Albert Lantoine na sua Carta Ao Soberano Pontífice Pio XI, em 1937.
E Dom Estevão passou a defender o levantamento da excomunhão dos maçons...
 
Em virtude de tais pronunciamentos-- [da maçonaria] –e fatos, pode-se dizer que a Igreja está pensando em mudar oficialmente sua atitude para com a Maçonaria regular: uma vez verificado que esta nada tem daquelas notas que a tornavam anti cristã e anti clerical, mas é, uma sociedade de aperfeiçoamento moral, auxílio mútuo e prática de humanitarismo, não haverá motivo para que se mantenha a respectiva condenação das lojas maçônicas regulares, com a excomunhão para os membros inscritos em tais lojas” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  V, N0 171- Março de 1974, p.29).
Muitos católicos então começaram a perceber algo estranho no Responderemos aos Pergunte que faziam a Dom Estevão...
Tanto que Dom Estevão teve que escrever:
 
“De vez em quando ouvem-se comentários no sentido de que a nossa revista Pergunte e Responderemos estaria sendo simpática à Maçonaria” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  VII, N0 195, Março de 1976, p.29).
 
Dom Estevão respondeu a essa suspeita, ou acusação, lembrando que, segundo documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé de 19 de Julho de 1974, a excomunhão aos maçons que tramassem contra a Igreja continuava em vigor, mas já se interpretava a condenação, porque muitos eclesiásticos e leigos afirmavam que os maçons já não tramavam contra a Igreja. (Cfr Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos, Ano VII, N0 195- Março de 1976, p.40).
Com base nisso, então, Dom Estevão diz:
 
Quanto aos católicos que ainda não pertencem à Maçonaria e nela desejam entrar, para que o possam fazer de consciência tranqüila, procurem previamente certificar-se dos rumos filosóficos adotados pela loja a que se candidatam. Procurem chegar à possível clareza, usando de sinceridade para consigo mesmos, para com a Igreja e para com Deus. Se se torna evidente que em tal Loja não há intenções anticatólicas, entrem...” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  VII , N0 195 - Março de 1976, p.41).
 
Vejam que “bom” conselho Dom Estevão dá aos católicos: perguntem a uma sociedade secreta: “Aqui se conspira conta a Igreja?”
Caso o Venerável da loja maçônica responda: “Nããão””, então os católicos ingênuos podem entrar na loja...
Perguntar a uma sociedade secreta se ela tem intenções malévolas é uma piada.
E Dom Estevão fazia votos que o acordo entre a igreja e a Maçonaria pudesse chegar a cabo:
 
 
 “Possa em breve este processo de revisão terminar, de modo a facilitar o relacionamento entre a Igreja e a Maçonaria” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos,  Ano  V, N0 171- Março de 1974, p.37).
 
 Mais ainda. Dom Estevão, analisando uma Declaração maçônica, publicada em Novembro de 1970, na revista The Northern Light, órgão oficial do supremo Conselho do 330 Grau da jurisdição maçônica do Norte dos Estados Unidos da América, escreveu; 
 
O teor desta Declaração, quanto à substância, em nada difere de um documento genuinamente cristão” (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos, artigo Maçonaria e Igreja católica se conciliarão? Ano V, N0 171- 1974, p.16).
 
Para Dom Estevão Bettencourt, o que escrevo no site Montfort é infundado, causando perplexidade e surpresa nos internautas. Mas ele, que é um teólogo perito do Concílio Vaticano II, beneditino, afirmar que uma Declaração maçônica, em sua substância é genuinamente cristã, isso não é nem infundado, nem causa perplexidade, ou surpresa.
Causa escândalo!
Enquanto que as reviravoltas de pensamento de Dom Estevão causam... rubor.
Veja-se uma prova das reviravoltas teológicas de Dom Estevão Bettencourt no seu Pergunte e nos Viraremos.
Em 1986, tendo o Vaticano voltado a condenar a Maçonaria, Dom Estevão, atento para onde sopravam os ventos, recuou, e mudou sua posição sobre a genuidade do pensamento cristão da Maçonaria, escrevendo:
 
A Igreja Católica tem se manifestado repetidamente contrária à Maçonaria – [Mas isso sim é que é atrevimento, para não dizer outra expressão. Como se Dom Estevão não tivesse dito, desejado e aconselhado o oposto!] – “Fê-lo ainda em 1983, pouco depois de promulgar o novo Código de Direito canônico. Esta última declaração da Santa Sé surpreendeu estudiosos que julgavam ter chegado o momento de conciliação entre o catolicismo e a Maçonaria. [O estudioso era ele mesmo: Dom Estevão Bettencourt] (Dom Estevão Bettencourt, in Pergunte e Responderemos, N0 284- 1986, p.20).
 
Agora, o Papa Bento XVI tornou a falar em uma luta na História entre a Igreja e seus inimigos, da luta entre os filhos da Virgem e os da serpente:
 
“A segunda imagem é muito mais difícil e obscura. Esta metáfora tirada do Livro do Gênesis nos fala de uma grande distância histórica, e só com dificuldade pode ser esclarecida; somente no curso da História foi possível desenvolver uma compreensão mais profunda daquilo que aí é relatado. Aí é predito que durante toda a História continuará a luta entre o homem e a serpente, isto é, entre o homem e as potências do mal e da morte. Porém é profetizado também que "a estirpe" da Mulher  um dia vencerá e esmagará a cabeça da serpente, até a morte; é pré anunciado que a estirpe da Mulher – e nela a Mulher e a própria Mãe – vencerá e que assim, mediante o homem, Deus  vencerá”. (Bento XVI, Homilia na Comemoração do 400 aniversário do encerramento do Vaticano II, no dia 8 de Dezembro, de 2.005 , festa da Imaculada Conceição).
 
Há quanto tempo, creio que há 40 anos, isto é, desde o Vaticano II, não se ouvia um Papa falar da luta entre os filhos da Virgem e os filhos da serpente, na História.
Isto faz compreender porque Bento XVI não é tão popular na mídia. É possível que...Dom Estevão vá mudar, de novo...Será?
 
 
IV.3 - A definição de Igreja como Sacramento
 
Denunciei como um erro do Vaticano II a estranha definição de Igreja exposta na Constituição dogmática Lumen Gentium:
 
“A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus, na unidade de todo o gênero humano”
(Lumen Gentium, n0 1).
 
Nessa definição fiz observações sobre três pontos:
 
 a) A Igreja seria “como que”sacramento”.
b) A “união íntima [do homem] com Deus...
c) A “unidade do gênero humano”.
 
O problema chave aí é a noção de Igreja como sacramento.
 
“Enquanto sinal, ela é um meio (Lumen Gentium, n°l) a serviço do advento do verdadeiro Reino de Deus, o qual é estendido às dimensões do universo (Lumen Gentium, n°5). A doutrina da Igreja-sacramento, clássica desde o Concílio, sintetiza essa temática. Ela nos afasta da realidade da Igreja, sociedade visível à qual se pertence pelo Batismo, a profissão da fé católica e a submissão aos legítimos pastores” (Abbé Guillaume de Tanoüarn, Vatican II e l´Évangile).
 
Quanto à definição da Igreja como “sacramento”, o próprio Dom Estevão reconhece-lhe a novidade, apesar de apressar-se em garantir seu “fundamento tradicional” evangélico:
 
“Reconheçamos que a expressão "Igreja-sacramento" é nova no linguajar teológico, mas tem fundamento tradicional que repousa nos escritos do Novo Testamento. Sim, "Igreja-sacramento" corresponde aos dois aspectos da Igreja (o jurídico, visível e o transcendental, místico), de que falam os Evangelhos e São Paulo. (...) Tal expressão portanto não proclama nova doutrina, mas formula em linguagem nova o ensinamento bíblico.” (Pergunte e Responderemos, Outubro de 2.005, p. 469).
 
Graças a Deus, esse “fundamento” que Dom Estevão considerou “tradicional” para essa definição inovadora de Igreja não pareceu tão claro assim nem a mim – que nenhuma importância possuo – mas também a muitos teólogos de peso, da direita e da esquerda teológicas.
Na própria aula conciliar, objetava o Cardeal Ruffini contra a obscuridade dessa conceituação de Igreja, e ia além, assinalando a filiação herética modernista e condenada dessa expressão:
 
“[No pós-concílio,] as palavras continuam a ser usadas de modo elástico [off base], de modo que se passa a chamar a Igreja de "sacramento". O Cardeal Ruffini, conservador, durante os debates do Concílio Vaticano II, manifestou-se contra essa mudança: "Essa referência [à Igreja como sacramento] é obscura e exige longas explicações". (Mary Martinez, Mary Martinez writes from Rome, The Angelus, junho de 1979, vol. II, n.º 6, <http://www.sspx.ca/Angelus/1979_June/Mary_Martinez.htm>; Cf. )
 
E nem só na chamada “direita” houve críticas à definição da Igreja como “sacramento”. Também na esquerda teológica houve estranheza com essa definição vaga e nova: o teólogo Jérome Hamer, futuro Cardeal, em seu livro L’Église est une communion (Paris, 1962), concordou com o Cardeal Ruffini quanto à inadequação dessa inovação terminológica:
 
“Hamer critica também a definição de Igreja como sacramento, proposta por Semmelroth e outros, por tratar-se de uma definição ambígua...” (Battista Mondin, As novas eclesiologias, São Paulo: Paulinas, 1984, p. 77). 
 
Mas há coisa bem mais grave que os católicos “internautas perplexos” devem conhecer, pois Dom Estevão se guarda bem de alertá-los.
Qual é a origem próxima dessa idéia de Igreja-sacramento?
Qual é o “fundamento tradicional” de que fala Dom Estevão dessa definição nova de Igreja?
O que a revista de Dom Estevão considera o “fundamento tradicional” dessa definição é a heresia modernista
A origem próxima dessa conceituação de Igreja–Sacramento é modernista.
Foi o modernista excomungado por São Pio X—Georges Tyrrel—que definiu que a Igreja era Sacramento.
De fato, a expressão “sacramento” foi usada por Tyrrell para definir a Igreja, em conexão com sua doutrina modernista da “imanência vital” (condenada pela Pascendi), por exemplo, em: Georges Tyrrell, Lex Credendi, London, 1906, pp. 74-86 (Cf. E. E. Y. Hales. The Catholic Church in the Modern World: a survey from the French Revolution to the present, New York: Image, 1960, p. 183).
E isso foi denunciado no Concílio pelo Cardeal Ruffini na intervenção que já citamos e que agora completamos:
 
“Ele observou que George Tyrrell, padre apóstata e líder dos modernistas, usara precisamente essa expressão e isso foi censurado como herético [used precisely that expression and that it was censored as heretical]. (Mary Martinez, Mary Martinez writes from Rome, The Angelus, junho de 1979, vol. II, n.º 6, <http://www.sspx.ca/Angelus/1979_June/Mary_Martinez.htm> )
 
E agora? 
Responderá o Pergunte e Responderemos?
Sendo assim reconhecidamente obscura, ambígua e consagrada por um heresiarca – Georges Tyrrell -- condenado justamente nesse ponto, é de pasmar que essa definição da Igreja como “sacramento” ainda tenha sido aprovada pelo Concílio Vaticano II!
Dom Estevão, para justificar a definição de Igreja-sacramento do Vaticano II, distingue sacramento em sentido estrito e sacramento em sentido amplo, dizendo:
 
o "como que" significa que ela – [a Igreja] -- não é sacramento em sentido estrito, mas em sentido amplo, como aliás o é também a santíssima humanidade de Cristo na qualidade de sacramento primordial”.
 
Assim funciona a elástica pastoralidade do Cavalo de Tróia conciliar:
 
a) Distinguem-se vários sentidos de uma mesma palavra;
b) Passa-se, depois, conforme for conveniente, de um sentido estrito para um sentido amplo, e vice-versa.
 
Com esse modo elástico de usar as palavras se pode ir desde um modernismo “light”, ou “diet”, para católicos conservadores, como o que é ensinado por Dom Estevão para os leitores perplexos de Pergunte e Responderemos, até o modernismo radical da Teologia da Libertação do ex frei Boff e do semi frei-Betto. 
Dom Estevão Bettencourt, acariciando o pastoral Cavalo de Tróia do Vaticano II e procurando justificar seus erros, distinguindo sentidos estritos e amplos na ambígua e obscura terminologia do Vaticano II, lentamente prepara os seus leitores para aceitarem, se eles forem lógicos, a interpretação mais ampla da Teologia da Libertação de Frei Boff.
Por que, afinal, dever-se-ia aceitar a interpretação estrita ou a interpretação ampla dos termos ambíguos do Vaticano II? Quando valeria um sentido ou o outro? Quando vale a letra, e quando vale o espírito do Vaticano II?
Eis a confusão pós-conciliar montada.
Exemplo de emprego elástico do termo sacramento do qual abusou o Vaticano II foi dado pelo próprio Paulo VI ao discursar em Bogotá para camponeses em manifestação com faixas revolucionárias:
 
Vós sois um sinal. Vós sois uma imagem. Vós sois um mistério da presença do Cristo. O sacramento da Eucaristia nos oferece a Sua presença escondida, viva e real; mas vós também sois um sacramento, isto é, uma imagem sagrada do Senhor entre nós” (Paulo VI, Discurso em Manifestação Camponesa, em Bogotá no dia 27 de Janeiro de 1974),
 
Está aí. O Papa passa de sinal, para imagem, e depois para sacramento. E camponeses comunistóides acabam comparados à Eucaristia.
Tendo isso em vista esse deslizamento anfibológico, como surpreender-se então, quando, depois, outros teólogos foram pastoralmente alargando cada vez mais o sentido amplo da palavra sacramento, aproveitando-se da brecha pastoral aberta pelo Cavalo de Tróia conciliar,  interpretando a definição obscura e ambígua de Igreja em sentido modernista afim ao consagrado por Tyrrell?
Pois foi exatamente o que fez o ex-frei Leonardo Boff:
 
“Para dar somente alguns exemplos dos erros de Leonardo Boff (elevado em 1982 pela CNBB à categoria de teólogo da Comissão Episcopal de Doutrina): (...) Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos, p. 9-80, em que [Boff] afirma que os sacramentos instituídos por Jesus Cristo não são sete, como ensina a Igreja, mas que existem sacramentos naturais, que toda religião cristã ou pagã possui também uma estrutura sacramental; que o dia-a-dia é cheio de sacramentos, como o "sacramento da caneca" (p. 16) e o "sacramento do toco de cigarro" (p. 21)...” (Paulo Rodrigues, Igreja e Anti-Igreja: Teologia da Libertação. São Paulo: T.A. Queiroz, 1985, p. 36, nota 16). 
 
 O ex frei Boff  escreveu:
 
O dia-a-dia está cheio de sacramentos(...) é a caneca amassada de minha família; a polenta da mamãe; o último toco de cigarro de palha deixado por meu pai e guardado com todo o carinho;(...) essas coisas deixaram de ser coisas. Elas ficaram gente(...) tornaram-se sacramentos” (Frei Leonardo Boff,  Mínima Sacramental. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos, Vozes, Petrópolis, 1975,  pp. 17-18 Apud Frei Betto, Catecismo Popular, II- A Comunidade de Fé, Editora Ática, São Paulo , 1989, p. 32)
 
Seguiu esse mesmo “caminho amplo da perdição” o semi-frei Betto, que em seu Catecismo Popular dá os seguintes exemplos, para explicar o que são os sacramentos (“em sentido amplo”, no dizer de Dom Estevão):
 
Os sacramentos não dependem de um discurso repleto de argumentos convincentes. Antes de falar à cabeça, eles falam ao coração, à vida. Um olhar, um livro, um abraço, um lugar trazem recordações e emoções – realidades mais profundas que se escondem atrás de tais gestos e objetos. Exemplo disso é o fato acima, da moça que guardava o papel do primeiro saquinho de pipoca que o namorado lhe ofereceu. Era um papel amassado e engordurado, que a mão jogou fora ao arrumar o quarto. Aos olhos da mãe, tratava-se de um pedaço de papel sem importância, como tantos outros que se destinam ao lixo. Aos olhos da filha, aquele papel era o sinal, o sacramento, do início de um namoro que a encantava” (Frei Betto, Catecismo Popular, II- A Comunidade de Fé, Editora Ática, São Paulo , 1989, pp. 30-31).
 
Está aí a conseqüência bruta de usar termos ambíguos praticada pelo Vaticano II: facilmente se escorrega de um sentido estrito de Igreja-Sacramento para o saquinho de pipoca-sacramento. Eis aí o mal de acariciar o Cavalo de Tróia – como o faz Dom Estevão Bettencourt em Pergunte e Responderemos, -- em vez de denunciá-lo. 
Denuncio isso. Previno os católicos contra o Cavalo de Tróia do Vaticano II.
Pergunte e Responderemos acaricia o Cavalo de Tróia e afirma que as idéias que ele carregou para dentro da Civitas Dei nada têm de mal.
Por que será que Pergunte e Responderemos acaricia o pastoral Cavalo de Tróia em vez de denunciá-lo?
De fato, esse posicionamento de Pergunte e Responderemos, sob a responsabilidade do ex perito conciliar Dom Estevão Bettencourt é que deve deixar os católicos, nautas e internautas, perplexos.
 
                                                            *****
Conviria dizer ainda uma palavra sobre a finalidade da Igreja, segundo esta definição dela dada pela Lumen Gentium:
 
“A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus, na unidade de todo o gênero humano” (Lumen Gentium, n0 1).
 
Conforme esta definição, a finalidade da Igreja seria ser um instrumento — e não o único —para realizar “na unidade de todo o gênero humano” a união íntima do homem com Deus. Daí o Vaticano II considerar a Igreja como “Povo de Deus”, e um povo que se identificaria com toda a humanidade e não só com os fiéis católicos batizados e subordinados ao Papa.
Pondera o Abbé de Tanoüarn que segundo o Vaticano II: 
 
 A Igreja Católica não é mais o lugar de salvação, como o afirmou solenemente o IV Concílio de Latrão, mas simplesmente o instrumento, ou mais precisamente ainda, um instrumento entre outros para a salvação da humanidade. Quanto ao homem, doravante ele aparece como o objetivo deste “modesto” instrumento que é a Igreja. (...) a Igreja está a seu serviço.
“Eis não só o fundamento do ecumenismo, mas também do diálogo inter-religioso(...) Todas as religiões são meios ordinários de salvação, (...) Os diferentes meios não fazem sombra um ao outro. Eles são absolutamente compatíveis uns com os outros.(...) Cada religião por seu lado serve á salvação da humanidade(..) Eis como isso foi expressa alguns lustros [depois do Concílio] a intuição do Papa Montini: “Entre as religiões não há divisões, mas distinção” (Abbé de Tanoüarn, op. cit.,  Cap III, pp. 40-41).
 
 
                                                IV.4- A questão do “subsistit” 
 
Diz Dom Estevão em Pergunte e Responderemos:
 
“4. O sr. Orlando Fedeli se mostra descontente também com a fórmula "subsiste na" do texto abaixo:
 
 
"Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele, embora fora de sua visível estrutura se encontrem vários elementos de santificação e verdade" (Lumen Gentium nº 8).  
 
Pergunta-se: que significa isto?
 
“Eis a resposta: o Concílio reconhece que, fora da Igreja Católica, existem elementos da Igreja (a leitura da Bíblia, a oração, o jejum, o martírio...). Por isto não diz simplesmente que a Igreja de Cristo é a Católica, como se fora desta, confiada a Pedro e seus sucessores, nada houvesse de eclesial ou como se todas as práticas religiosas e todos os artigos de Credo professados por cristãos não-católicos fossem estranhos à Igreja de Cristo. Ora a fim de respeitar tais valores, os padres conciliares escolheram a expressão: "A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica". O que quer dizer: a Igreja de Cristo está integralmente presente com todos os elementos da verdade revelada e vivenciada na Igreja Católica. O verbo subsiste, no caso, é novidade, mas novidade sadia, que, sem cair no relativismo, reconhece a verdade: as confissões cristãs não católicas professam heresias, sim (era isto que mais se dizia nos tempos anteriores ao Vaticano II), mas também professam artigos de autêntica fé e praticam as virtudes inspiradas por essa fé (piedade, zelo pela causa de Deus, amor ao próximo...).
 
Por conseguinte, se também neste ponto a linguagem do Concílio inovou, ela só fez para melhor, sem trair a Verdade e o Bem.
 
“São, pois, infundadas as restrições ao Vaticano II pretensamente baseadas na Lumen Gentium”. (Pergunte e Responderemos, Ano XLVI, Outubro de 2005, Nº 520, pp. 470-471).
 
Até aqui Dom Estevão.
Também o modernista Schillibeekxs repetiu essa mesma interpretação ecumênica de uma igreja espiritual, fundamentando-se no subsistit in da Lumen Gentium:
 
 
“Após laboriosas revisões dum texto, em que o mistério bíblico da ‘comunidade de Cristo’ era, inicialmente, identificado com a ‘Ecclesia Catholica’ sem atenuação alguma, o Vaticano II, na redação definitiva, declarou com mais sensibilidade e suavidade: ‘Haec ecclesia... subsistit in Ecclesia Catholica [nota: Lumen Gentium, n. 8]. Este ‘subsistere in’ não tem a significação especificamente escolástica; pelo contrário, pelas Atos do Concílio se vê que a expressão foi propositalmente escolhida para atenuar a primeira, mais forte, que declarava uma identidade mais radical e exclusiva: ‘Haec ecclesia... est Ecclesia Catholica’.”   (Edward Schillebeeckx, O Problema da Infalibilidade do Ministério in Concilium – Revista Internacional de Teologia, n. 83, 1973/3: Dogma. p. 336. O destaque é meu). 
 
            O Professor Georg May, em um livro sobre o ecumenismo do Vaticano II, afirmou que a introdução da palavra subsistit foi uma desgraça. Depois do Concílio, cavalgou-se essa palavra pastoral de todo jeito, causando um verdadeiro caos.  
Interprete-se como se quiser essa palavra usada pelo pastoral Vaticano II, ela sempre será usada para dar a entender que, de algum modo, a Igreja de Cristo não existe só na Igreja Católica. 
O subsistit in pastoralmente sabota a verdade de que a Igreja Católica é a única Igreja de Cristo. Por isso mesmo é preciso abandoná-la, usando só o “est e não o subsistit in.
Claro que os hereges se alegraram com a introdução do subsistit in na conceituação de Igreja de Cristo. Os hereges e sectários o interpretaram exatamente como os modernistas ecumênicos queriam que eles o interpretassem, isto é, de acordo com o “espírito do Vaticano II”: que a Igreja Católica aceitava não ser só ela a Igreja de Cristo.
Portanto, não sou apenas eu, Orlando Fedeli, que estou “descontente” – (e não estou apenas “descontente”)-- com o subsistit do Vaticano II. Em toda parte, esse subsistit suscitou polêmicas que repercutem até hoje.
 
“O significado de «subsistit in» ainda hoje, deu pé a apaixonados debates teológicos”. Ainda hoje, sim. Pois estou escrevendo no dia 7 de Dezembro de 2.005, e acaba de chegar a notícia de que no Osservatore Romano, hoje, véspera da festa da Imaculada Conceição, foi publicado, nos dias 5 e 6, um artigo muito importante do teólogo Karl Josef Becker, S.I., que discute exatamente o Subsistit in, e a polêmica que essa fórmula suscitou, nestes 40 anos do Pós-Concílio. (Cfr. Padre Karl Joseph Becker, S. J., No Clima da Imaculada --- Os 40 Anos do Concílio--“Subsistit In “ - Lumen Gentium, n0 8).
 
Eis a notícia, segundo a Zenit — agência que normalmente apresenta as notícias de modo... modernista:
 
CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 6 de dezembro de 2005 (ZENIT.org).- Segundo o Concílio Vaticano II, «a Igreja de Cristo é a Igreja católica, e permanece nela para sempre em sua plenitude», afirma um estudo publicado pelo jornal da Santa Sé.

O longo artigo, anunciado na capa da edição italiana de «L’Osservatore Romano» (5-6 de dezembro), esclarece interpretações surgidas após aquela histórica reunião dos bispos do mundo, que atenuam a identificação entre a Igreja de Cristo e a Igreja católica.

Deste modo, segundo algumas interpretações pós-conciliares, não haveria uma diferença substancial entre a Igreja católica e outras comunidades cristãs.

O artigo é publicado nas vésperas do quadragésimo aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II, este 8 de dezembro.

O estudo, firmado pelo teólogo Karl Josef Becker, S.I., concentra-se no número 8 da constituição dogmática «Lumen gentium», em que se afirma que «a única Igreja de Cristo» «subsiste na [“subsistit in”] Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele».

O significado de «subsistit in» --título do artigo-- deu pé a apaixonados debates teológicos.

Fazendo uma longa e técnica análise do caminho que o Concílio seguiu através dos documentos preparatórios para chegar a esta afirmação, e tendo em conta também o que afirma o decreto conciliar sobre o ecumenismo, «Unitatis redintegratio», o padre Becker tira duas conclusões.

Em primeiro lugar, afirma, «a Igreja de Cristo é a Igreja católica e permanece nela sempre e em plenitude. Antes, durante e depois do Concílio, a doutrina da Igreja católica foi, é e será esta».

Em segundo lugar, declara, «nas demais comunidades cristãs existem elementos eclesiais de verdade e de santificação que são próprios da Igreja católica e impulsionam para a unidade com ela».

Por que são chamados «eclesiais» estes «elementos»?, pergunta o teólogo. Esclarece que «são “eclesiais” pois são próprios da Igreja católica».

Em um sentido amplo, explica, pode-se dizer que «a Igreja de Cristo atua nas comunidades cristãs, pois Cristo, enquanto cabeça (não corpo) dela, atua nestas comunidades. Cristo e o Espírito Santo atuam nelas reforçando os elementos que impulsionam para a unidade dos cristãos na única Igreja».

«Quem defende com o Concílio Vaticano II a perpétua permanência de todos os elementos salvíficos instituídos por Cristo na Igreja católica está totalmente disposto a tomar em consideração os problemas abertos pelo Concílio Vaticano II. E mais, encontra em sua doutrina claras diretivas sobre como enfrentá-los e resolvê-los», conclui o artigo.

O artigo deverá ser publicado integralmente nas diferentes edições lingüísticas de «L’Osservatore Romano».ZP05120605.
 
Estávamos redigindo esta resposta quando nos chegou o próprio artigo do Padre Becker, no Osservatore Romano, do qual traduzimos algumas partes que queremos citar:
 
Destes impulsos nasceu um debate vivaz que, ao trazer um notável enriquecimento ao pensamento católico, entretanto não foi isento de mal entendidos sobretudo quanto ao sentido do “subsistit in” (4). Hoje, é opinião amplamente difundida que a expressão “subsistit in” foi introduzida em consideração dos “elementa veritatis et sanctificationis” presentes nas outras comunidades cristãs, e, portanto, com o fim de atenuar a identificação entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica. Para avaliar essa posição, é preciso estudar atentamente qual era a intenção do Concílio (5). 
 
 
“A – A Doutrina da Lumen Gentium 8.  
 
1 - Análise da Lumen Gentium 8
 
 
Os três parágrafos desse número (6) mostram sobre diversos aspectos a relação entre Cristo e a Igreja. O seu nexo recíproco é indicado pelos incipit do primeiro e do segundo parágrafo. O primeiro parágrafo começa com a expressão Unicum mediator Christus; e no início do segundo parágrafo há a expressão única Christi Ecclesia. O nexo entre as duas unicidades se manifesta na frase do primeiro parágrafo onde se diz que Cristo através de sua Igreja veritatem et gartiam omnes diffundit.
O Concílio ilustra a constituição (interna), a fundamentação e a perpetuidade da Igreja. Cristo constituiu a sua Igreja como uma realitas complexa com dois aspectos, um, visível, e outro espiritual (7) dotando-a de órgãos hierárquicos. Esta Igreja foi fundada sobre Pedro e os apóstolos, aos quais foi confiada a difusão e a guia. É a Igreja que nos confessamos no símbolo dos apóstolos como “una, santa, católica e apostólica”. Esta Igreja existe perpetuamente (8) e subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos... se bem que também fora do conjunto da Igreja existam vários elementos de santificação e de verdade, os quais como dons próprios da Igreja de Cristo impelem à unidade católica (Lumen Gentium, 8).
A unidade de realização expressa nessa descrição da Igreja de Cristo é manifestada pela homogeneidade das três expressões que falam sempre do mesmo aspecto: organis hierarchicis instructa (em forma genérica); Petro... ac coeteris apostolis (na forma inicial); suvcessor Petri et Episcopis in eius communione gubernata (na forma perpetua)  A unidade de tal realidade emerge também na  expressão Haec Ecclesia, que se encontra duas vezes no segundo parágrafo. É sempre a Igreja do primeiro parágrafo, é aquela que confessamos no símbolo apostólico.
Para cada uma das descrições resulta, pois, que se trata da igreja fundada por Cristo, da Igreja governada pelo Papa e pelos Bispos, da Igreja que difunde a garça e a verdade a todos, da única Igreja de Cristo que é a Católica. A frase subordinada que começa com licet. Afirma simplesmente que o fato da presença de elementos de santificação e de verdade fora dos limites visíveis da Igreja Católica não invalida as afirmações feitas até agora (9).
Como se vê, é evidente que para a Lumen Gentium 8 a única Igreja de Cristo é a Igreja Católica. O subsistit in deve encontra a sua interpretação neste quadro.
Como então é preciso entendê-lo?
“Consideremos agora os atos do Concílio.(...)
 
 
“Epílogo
 
 
“O “subisistit in” quer não somente re-confirmar o sentido do “est”, isto é, a identidade entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica, mas quer sobretudo recalcar que a Igreja de Cristo, com a plenitude de todos os meios instituídos por Cristo, perdura (continua, permanece) para sempre na Igreja Católica.
 
Infelizmente, durante esses quarenta anos depois do Concílio, um grande número de publicações propôs uma interpretação do “subisistit in” que não corresponde à doutrina no Concílio. Entre os muitos motivos que conduziram a isto, parece que o mais relevante tenha sido um problema deixado aberto pelo Concílio:trata-se de conciliar duas afirmações que o Concílio fez com a mesma clareza:
 
1 – A Igreja de Cristo é a Igreja Católica e permanece nela para sempre em sua plenitude. Antes, durante e depois do Concílio a doutrina católica foi, e será essa.
 
2 – Nas outras comunidades cristãs existem elementos eclesiais de verdade e de santificação, que são próprios da Igreja Católica e impelem para a união com ela”
 
(Padre Karl Joseph Becker, S. J., No Clima da Imaculada --- Os 40 Anos do Concílio “Subsistit In “ - Lúmen Gentium, n0 8, in Osservatore Romano – 5-6 de Dezembro de 2005).
 
           Embora haja que discutir ainda a questão da “plenitude da Igreja”, graças a Deus, voltou a ser afirmada explicitamente – e defendida – a verdade de que a Igreja de Cristo É a Igreja Católica.
 
 
E só a Igreja Católica é a Igreja de Cristo.
Desta citação queremos destacar a seguinte frase:
 
  “Infelizmente, durante esses quarenta anos depois do Concílio, um grande número de publicações propôs uma interpretação do “subisistit in” que não corresponde à doutrina no Concílio”.
 
E aos dois motivos causadores da controvérsia citados por Padre Becker, queremos acrescentar o intuito dos modernistas do Vaticano II de usarem termos pouco claros, enganando ingênuos, para depois deduzirem as doutrinas implícitas nos termos equívocos ou ambíguos. E a fórmula subsistit in cai exatamente nesse caso.
Se a Lumen Gentium tivesse escrito “a Igreja de Cristo é a Igreja Católica”, em vez de “A Igreja de Cristo subsiste na Igreja católica” não teria havido tanta confusão, e nem o Padre Becker teria tido tanto trabalho para explicar que o Vaticano II quis manter a doutrina de sempre, isto é, que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, e só ela é a Igreja de Cristo.
O fato de ser preciso tanta explicação para harmonizar o subsistit in com a doutrina ortodoxa de sempre, e o fato de tantos terem interpretado erradamente o subsistit in, comprovam que o texto com o subsistit in em lugar do est, se não é rotundamente errado, tem forte sabor de heresia, pois tem sabor de heresia a frase que, em seu primeiro sentido significa algo contra um dogma, e que tem necessidade de grande esforço para se tirar dela o sentido ortodoxo.
Se muitos deram uma interpretação ”ecumênica” à expressão Igreja de Cristo, tendo por base o subsistit in, falando em Igreja de Cristo plenamente subsistente na Igreja Católica e parcialmente subsistente nas seitas, e por isso deixam de usar sistematicamente a fórmula “A Igreja de Cristo é a Igreja Católica”, esses são bem suspeitos de modernismo.
Pode-se, então, distinguir três posições distintas com relação a esse problema posto pelo subsistit in da Lumen Gentium.
 
1-     A posição Católica  que é de completa oposição ao susbsistit in. A doutrina católica exige que se afirme que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, que só ela é a Igreja de Cristo,e que só ela é a única Igreja de Cristo
 
2-     A posição Modernista- defende a tese de que a Igreja de Cristo não é só a Igreja Católica, mas que a Igreja de Cristo, subsistiria em outras religiões e seitas.
 
3-     A posição da Dominus Jesus e do Padre Becker—enquanto procura harmonizar o texto da Lumen Gentium, e o famoso subsistit in, com a doutrina de sempre, voltando a afirmar que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, mas admitindo que há subsistências não plenas da Igreja de Cristo nas seitas é uma posição intermédia, que se distingue parcialmente da primeira posição.
 
 Entretanto é preciso salientar que já na Dominus Jesus se afirmou que Igreja de Cristo é única, e que ela é a Igreja Católica:
 
Assim, e em relação com a unicidade da mediação salvífica de Jesus Cristo, deve-se crer firmemente como verdade de Fé católica a unicidade da Igreja por Ele fundada. Assim como existe um só Cristo, também existe uma só sua esposa; “uma só Igreja Católica e Apostólica” (Declaração Dominus Jesus, N0 16. Os destaques são meus).
 
Esta terceira posição -- conciliadora – admitindo que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica já é um passo atrás com relação ao ecumenismo do Vaticano II, e permite discutir agora um outro ponto: se é verdade de Fé que só a Igreja Católica é a única Igreja de Cristo, conforme ensina a Dominus Jesus, então não se pode afirmar que haja subsistências parciais da Igreja em igrejas cismáticas ou em seitas, embora algumas delas tenham o Batismo e até a Eucaristia 
Dom Estevão defende a posição modernista, enquanto se recusa a usar a fórmula que a Igreja de Cristo é a Igreja católica, mantendo a fórmula A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica.
No texto publicado por ele em Pergunte e Responderemos não se diz que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica.
Dom Estevão insiste apenas no famoso subsistit, insiste na interpretação modernista desse subsistit, na medida em que recusa usar o est.
E essa insistência é tanto mais lamentável quanto já na Declaração Dominus Jesus se havia declarado que “a Igreja de Cristo é a Igreja Católica”:
 
 
Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica radicada na missão apostólica – entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica: “Esta é a única Igreja de Cristo [...] que o nosso Salvador, depois de sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar” (Declaração Dominus Jesus, N0 16).
 
Assim, e em relação com a unicidade da mediação salvífica de Jesus Cristo, deve-se crer firmemente como verdade de Fé católica a unicidade da Igreja por Ele fundada. Assim como existe um só Cristo, também existe uma só sua esposa; “uma só Igreja Católica e Apostólica” (Declaração Dominus Jesus, N0 16. Os destaques são meus).
 
 
Portanto, a Igreja Católica é a única Igreja de Cristo. 
Na Lumen Gentium, substituiu-se o verbo ser pelo verbo subsistir, para abrir as portas ao ecumenismo, insinuando que, se a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, ela subsistiria também em outras igrejas e seitas que não a Católica.
Foi o que fizeram o ex-frei Leonardo Boff e o padre Jacques Dupuis que procuraram fazer crer que a Igreja de Cristo seria o conjunto de todas as religiões, e não só a Igreja Católica.
Até o insuspeito John Allen escreveu:
 
“Embora tudo isso possa parecer uma poeirenta disputa histórica, a diferença entre subsistit in e est estando no coração de muitas das mais recentes high-stakes controvérsias, incluindo dois emblemáticos crackdowns da década de 80 e de 90: Leonardo Boff, o símbolo do movimento da Teologia da Libertação, e o jesuíta Pe. Jacques Dupuis, identificado com o push para um tratamento teológico mais positive para com as outras religiões. Ambos invocaram o subsistit in para argüir em favor de uma doutrina mais expansiva dos papéis de Cristo e do Espírito Santo fora da Igreja Católica, conduzindo para aquilo que a Congregação para a Doutrina Da Fé no caso Boff, chamou de “relativismo eclesiológico” (The subsistit in-est debate By JOHN L. ALLEN JR. http://www.nationalcatholicreporter.org/word/word120905.htm#one
 
De fato, o Cardeal Ratzinger, na apreciação que fizera de um livro do ex-frei Boff, condenou a interpretação modernista do subsistit in, dizendo:
 
 
“É, portanto, contrária ao significado autêntico do Concílio a interpretação que leva a deduzir da fórmula subsistit in a tese segundo a qual a única Igreja de Cristo poderia também subsistir em igrejas e Comunidades eclesiais não católicas. O Concílio, em vez, adotou a palavra “subsistit” precisamente para esclarecer que existe uma só “subsistência” da verdadeira Igreja, ao passo que fora da sua composição visível existem “elementa ecclesiae”, que – por serem elementos da própria Igreja – tendem e conduzem para a Igreja Católica” (Congregação para a Doutrina da Fé, Notificação sobre o volume “Igreja Carisma e Poder” do P. Leonardo Boff. AAS 77 – 1985- pp, 756- 762).
 
É a mesma posição do artigo do padre Becker.
Desse modo, se procurou retirar o veneno ecumênico do famigerado subsistit, operação que foi mais aperfeiçoada na própria Dominus Jesus, ao distinguir as comunidades provenientes da reforma protestante, às quais não se reconheceu como igrejas, das igrejas cismáticas orientais, porque possuem sacramentos válidos (Dominus Jesus , N 0 17).
Infelizmente, Dom Estevão, como Leonardo Boff e o padre Dupuis, insiste no uso do subsistit in, sem dizer que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica.
A Dominus Jesus, e agora o artigo do Padre Becker usam o est, fazendo um recuo, para voltar a uma formulação mais ortodoxa. Dom Estevão não usa o est, recusando recuar, mantendo a formulação com sabor de heresia do susbisitit.
Na crítica que me dirigiu, Dom Estevão não usou a fórmula ortodoxa dizendo que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica.
Ficou no subsistit...
A Dominus Jesus afirmou ainda
 
“Os fiéis não podem, por conseguinte, imaginar a Igreja como se fosse a soma – diferenciada e, de certo modo, também unitária – das igrejas e comunidades eclesiais, nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje já não existe em parte alguma, tornando-se assim, um mero objeto de procura por parte de todas as igrejas e comunidades” (Dominus Jesus, N0 17).
 
Agora, o artigo do Padre Becker repete esta mesma doutrina de que a Igreja de Cristo É a Igreja Católica, o que contraria a tese defendida pelos modernistas baseados no subsistit in 
Essa identificação da Igreja de Cristo com a Igreja Católica é excelente.
Ela é um golpe bem fundo no “subsistit in”, que abriu as portas para um relativismo teológico e eclesiológico, a fim de fazer triunfar o ecumenismo.
Dom Estevão não pode negar a doutrina expressa nestas três frases:
 
1) A Igreja de Cristo é a Igreja Católica.
2) Só na Igreja Católica subsiste a Igreja de Cristo.
3) A Igreja Católica é a única Igreja de Cristo.
 
Não existe nenhuma subsistência da Igreja de Cristo nas seitas e comunidades que, caindo em heresia por negação pertinaz de um dogma, ou recusando obedecer ao Papa, sucessor de São Pedro e Vigário de Cristo na terra, se separam da Igreja Católica.
Não há uma subsistência relativa, ou parcial, da Igreja de Cristo nas seitas heréticas ou cismáticas. Assim como Deus não é divisível em partes, a Igreja, ou é aceita toda inteira, ou se a recusa totalmente. Quando alguém ou um grupo recusa algo da Fé da Igreja Católica, se separa totalmente dela. O que uma seita pode guardar da Igreja Católica são vestígios de sua verdade, e vestígios de sua santidade, mas não propriamente ser parcialmente Igreja.
A Igreja de Cristo, (isto é, a Igreja Católica), ou é aceita integralmente, ou é recusada  inteiramente, e quem faz isso deixa de ser in totum da Igreja.
Ou a Igreja é aceita in totum, ou é recusada in totum.
A Fé, como a virgindade, ou é integra, ou não existe.
Assim como não se rasgou a túnica de Cristo, não se pode rasgar a unidade da Igreja. Os que a abandonam se separam totalmente dela.
É o que foi ensinado sempre pelos Padres da Igreja e pelos Papas.
É o que Dom Estevão Bettencourt nega, como se fosse possível ser ortodoxo pela metade, ao dizer-me:
 
"as confissões cristãs não católicas professam heresias, sim (era isto que mais se dizia nos tempos anteriores ao Vaticano II), mas também professam artigos de autêntica fé e praticam as virtudes inspiradas por essa fé (piedade, zelo pela causa de Deus, amor ao próximo...)." (p. 471).
  
 
Quem professa uma única heresia, embora possa defender verdades, é herege completo.
            Bento XV ensinou contra o que diz Dom Estevão Bettencourt:
 
"Ou a professamos inteiramente [a Fé], ou não a professamos de maneira nenhuma". (Bento XV, encíclica  Ad Beatorum Apostolorum Principio).
 
Também  Leão XIII, na Satis Cognitum, ensinou essa mesma doutrina:
 
"Tal é a natureza da fé, que é impossível acreditar numa coisa e rejeitar a outra."
 
"Aquele que recusa mesmo uma única verdade divinamente revelada, na realidade abandona totalmente a Fé, visto que recusa submeter-se a Deus, que é própria Verdade Soberana e é o motivo de nosso ato de fé."
 
"Os arianos e montanistas certamente não abandonaram a doutrina Católica totalmente, mas apenas uma parte dela, e todos sabemos que, como resultado, eles foram declarados hereges e, assim, excluídos do seio da Igreja."
 
Na mesma encíclica Satis Cognitum, Leão XIII cita Santo Agostinho sobre essa questão da necessidade da Fé ser íntegra:
 
 
"Em muitos pontos eles concordam comigo. Eles discordam de mim somente nalguns poucos pontos. Porém, como eles permanecem longe de mim nesses poucos pontos, é inútil para eles ficar ao meu lado em todos os outros." (Comentário ao Salmo 54, 19).
 
E o Papa Leão XIII explicou então:
 
 
"Isso é justo [que eles tenham sido declarados hereges e excluídos da Igreja], pois aqueles que tiram da doutrina Cristão aquilo que querem, confiam em seu próprio julgamento ao invés de confiarem na Fé. Assim, por essa recusa de 'submeter todo entendimento à obediência de Cristo', eles na realidade são mais obedientes a si mesmos do que a Deus." (Leão XIII, encíclica Satis Cognitum).
 
 Santo Agostinho, atacando os contra os maniqueus, escreveu:
 
"Se vós só acreditardes naquelas partes do Evangelho que agradam e rejeitarem aquelas partes que lhes desagradam, então vós credes mais em vós mesmos do que no Evangelho." (Santo Agostinho, Contra Fausto , tomo 17, capítulo 3)
 
Finalmente, a Dominus Iesus, fez uma distinção importante entre a Fé, virtude teologal exclusiva dos católicos, e a mera crença dos hereges:
 
"Deve, portanto, manter-se firmemente a distinção entre a fé teologal e a crença nas outras religiões" (Dominus Iesus, n. 7).
 
Portanto, os membros das seitas não têm fé. 
Por que Dom Estevão, que faz questão de defender o Vaticano II, concílio pastoral que não obriga ninguém, por que, de outro lado, ele não respeita os limites impostos pelo Magistério em documentos definitórios e não meramente pastorais?
 
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Cremos então que Respondemos mais uma vez, aos injustos ataques de Dom Estevão Bettencourt, esse perito defensor do Vaticano II e bem suspeito acariciador de seu pastoral Cavalo de Tróia...
Em sua homilia na Missa da Imaculada Conceição, Sua Santidade, o Papa Bento XVI, lembrou que, ao amaldiçoar a serpente, Deus previu que na História haveria uma batalha contínua entre os filhos da Mulher e os filhos da Serpente.
E há quantos anos não se falava mais dessa luta. Desde o Concílio Vaticano II não mais se falou em lobos, e não mais se lembrou dos filhos da serpente. Todos passaram a ser incluídos entre os homens de boa Vontade dos quais falou Julles Romain...
Bento XVI voltou a falar em lobos que ele quer combater. E agora voltou a lembrar que os filhos da serpente existem, e combatem os filhos da Virgem... O que é bem diverso da pretensão de realizar a Fraternidade Universal preconizada pelo Vaticano II e pelo Iluminismo.
Rezemos e aguardemos, então, que Deus, por meio de Sua Mãe Santíssima que esmagou a cabeça da serpente, assim como toda heresia, expulse da fortaleza da Igreja esse pastoral e enganador Cavalo de Tróia, infiltrador de tantos erros arruinadores da Civitas Dei.
            São Paulo, 26 de Dezembro de 2.005
 Orlando Fedeli

    Para citar este texto:
"Ataque e nos defenderemos"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/destevao/
Online, 29/03/2024 às 14:36:14h