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Nossa Senhora do Ó e dos Ais
Padre Marcelo Tenório
Por esses dias estive em S. Paulo e lá pude assistir uma apresentação natalina dos jovens da Montfort, na bela Igreja de S. Bento. Entre tantas peças executadas, uma chamou-me bastante atenção. Trata-se da canção “ Convidando está la Noche”, de Juan Garcia de Zéspedes, mexicano, falecido em 1678. Uma canção natalina, com uma marcação que soa, a cada instante, como que um convite ao júbilo, à alegria pelo Menino nascido em Belém, mas ao mesmo tempo, um avanço, a cada estrofe em direção à cruz velada pelas luzes da noite santa.
Com rápidos movimentos, numa sonoridade agradabilíssima, inicia-se a canção jubilosa, mas entre um verso e outro aparece sempre um “AY”, imperativo, peremptório.
“ Ay, que me abraso, ay! Divino dueño, ay!
Em la hermosura, ay! de tus ojuelos, iay!
A freqüente repetição do “Ai”, indica a exultação da Virgem Mãe, ao contemplar nas palhinhas o Menino Deus, o Verbo que se fez carne. Fica “pasma” quando da anunciação do Anjo, em sua casa, em Nazaré. Ela que nada desejava a não ser Deus mesmo, recebe a visita do céu e um comunicado solene: “serás Mãe!” e “ o Espírito santo descerá sobre ti”. A criança “chamar-se-á Emanuel, que quer dizer: Deus conosco,” Deus entre nós, Deus para nós. Que suspiros! Que “Ais” não pronunciaram os lábios fecundos da Virgem Mãe? Na casa de Isabel esses “ais” vieram em canto. Diante da mudez daquele que duvidou, canta Aquela que “ acreditou no que da parte do Senhor lhe foi dito” – e um Magnificat fez-se ouvir do alto das montanhas.
Lembrei-me de Nossa Senhora do “Ó”, que aparece no Advento, sobretudo no tempo alto, de 17 a 23, quando se entoam as belas Antífonas do “Oh”. Ela que, acolhendo o Mistério da Encarnação em si mesma, fica “maravilhada” diante do sinkatábasis de um Deus que vem. Silencia e contempla espantada Aquele que a gerou: “ tu quae genuisti, natura mirante, tuum sanctum Genitorem..”
Canta Santo Afonso em sua novena de natal:
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“Recebe, Virgem Maria, no casto seio materno, dos céus o Verbo Divino vindo da boca do Eterno.
Fecunda, a sombra do Espírito do alto céu te ilumina, para gerares um Filho de natureza divina.
A porta santa do templo eternamente fechado, feliz e pronta se abre, somente ao Rei esperado.”
A canção também nos revela um outro “Ai”, aquele predito por Simeão: “ E quanto a vós, Maria.....um gládio transpassará o vosso coração.”(Lc 2 34,45). É a hora do gládio que esses “Ais” indicam...apontam para cruz...O “Ai” da Mãe,..tem o eco do “Ai” da profecia que silenciosamente caminha ao seu lado...E assim Ela contempla a sua criança...., o cordeiro para o sacrifício...Essas mãos que a mãe beija, um dia se abrirão cravadas no madeiro, num abraço eterno e único à toda humanidade. Os pequeninos pés que a Mãe afaga, um dia serão ungidos com os aromas da urna de alabastro. A cabecinha que repousa em seu seio, um dia penderá, sem vida no seu colo. Assim a Virgem observa o pequeno Redentor..Em seu peito um coração humano que pulsa, o lado que lhe será aberto - “pie pelicane” - para Vida do mundo.
“Ay, que su madre, ay! como en su espero, ay!
mira em su lucencia, ay! sus crecimientos, iay! “
E a festa começa. Os pastores chegam! Os magos se apressam! As multidões angélicas cantam....presentes são oferecidos....o Menino é adorado.
“ Ay, que la gloria, ay! del portaiiño, ay!
ya viste rayos, ay! si arroja hielos, iay! “
A cena nos lembra aquela do ícone do Perpétuo Socorro. O menino nos braços da Virgem, docemente confortado ante o susto, que o faz agarra-se mais à sua Mãe. No susto quebra-lhe uma das sandálias. E o que vê a criança? Vê dois anjos que lhe mostram a cruz e os cravos do martírio.
“ Pero el chicote, ay! a um mismo tiempo, ay!
llora y se rie, ay! qué dos extremos, iay..”
Era o querido professor Fedeli que apreciava muito esta canção justamente pela melodia e pelos “ais” . Eles lembram o “Vai”, que a mãe certamente disse ao filho, impulsionando-o à missão. O “ai” com o “vai”- acredito que aqui está toda beleza que nos leva a contemplar Nossa Senhora, nesta noite Santa de Natal. Ela ,por graça, foi isenta das dores do parto, mas não da dor do gládio. E sua maior dor será justamente esta: não descer tanto quanto seu Filho. Ele desce no mistério da Encarnação e continuará descendo até o extremo na cruz. E Ela desce também com Ele.
Na manjedoura Ela está!..Olha para o Filho e no “ai” de sua dor extrema que prevê o porvir, exclama: “Vai, meu filho, vai!”...
Assim acontecerá também quando do encontro, no templo, ao escutar palavras misteriosas “ Não sabíeis que devo ocupar-Me das coisas do meu Pai?”(Lc 2, 49)...A Virgem, silenciada, no coração lhe dizia: “Vai, filho, vai! Á Belém, à Galileia, a Cafarnaum, Vai!...Vai a Jerusalém e lá ofereça o peito para o rasgão bendito!..”
É este o Mistério que celebramos: o Mistério de amor e de dor, do “oh” e dos “ais”.
Entre as luzes de Natal e os “glórias” dos anjos, entre o ouro dos reis e o incenso dos sacerdotes, encontra-se em algum lugar...também a mirra...
E o galo canta. E as velas são acesas. E a missa começa. A criança está pronta! Vai o cordeiro ao sacrifício...
"Mas o Menino, Ai! Ao mesmo tempo, ai!
Chora e rir, ai! Que dois extremos, ai"
Letra da canção:
Convidando esta la noche
Aquí de mucicas varias Al recien nacido infante Canten tiernas alabanzas Ay que me abraso, ay Divino dueño, ay En la hermosura, ay De tus ojuelos, ay Ay como llueven, ay Ciendo luçeros, ay Rayos de gloria, ay Rayos de fuego, ay Ay que la gloria, ay Del Portaliño, ay Ya viste rayos, ay Si arroja yalos, ay Ay que su madre, ay Como en su espero, ay Mira en su lucencia, ay Sus crecimientos, ay Alegres cuando festivas Unas hermosas zagales Con novidad entonaron Juguetes por la guaracha En la guaracha, ay Le festinemos, ay Mientras el niño, ay Se rinde al sueño, ay Toquen y baylen, ay Por que tenemos, ay Fuego en la nieve, ay Nieve en el fuego, ay Pero el chicote, ay A un mismo tiempo, ay Llora y se rie, ay Que dos estremos, ay Paz a los hombres, ay Dan de los delos, ay A Dios las gracias, ay Por que callemos, ay |
Convidando está a noite
Aqui, de músicas diversas À criança recém nascida Cantem doces louvores Ay, que eu ardo, ai Divino mestre, ai Na formosura, ai De teus olhinhos, ai Ai, como que caindo, ai Cem estrelinhas, ai Raios de glória, ai Raios de fogo, ai Ai, que a glória, ai, Do portal de Belém, ai Já vemos a gélida aurora, ai Brilhando ao redor, ai Ai, que sua mãe, ai Com expectativa, ai Olha o brilho, ai Do que gerou, ai Alegres celebrando Umas formosas camponesas Entoarão novas Rimas para a guaracha (dança) Na guaracha, ai Festejemos, ai Enquanto o menino, ai Se rende ao sonho, ai Toquem e dancem, ai Porque temos, ai Fogo na neve, ai Neve no fogo, ai Mas o pequenino, ai A um mesmo tempo, ai Chora e ri, ai Que dois extremos, ai Paz aos homens, ai Vem dos céus, ai Demos graças a Deus, ai Porque passamos, ai |
Para citar este texto:
"Nossa Senhora do Ó e dos Ais"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/nsa_do_o/
Online, 05/12/2024 às 22:33:18h