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A Igreja Católica deve se livrar desse “pesadelo tóxico”
The Spectator
Publicamos a seguir o importantíssimo texto escrito pelo Cardeal Pell, com seu julgamento extremamente crítico sobre o Sínodo da Sinodalidade e especificamente sobre o documento de trabalho 'Amplia o Espaço da Tua Tenda'. O artigo serviu como testamento do Cardeal, que morreu inesperadamente na sequência de uma operação de rotina em Roma.

Publicado em 11.01.2023
Por The Spectator
Tradução Montfort
 
Pouco antes de morrer na terça-feira, o Cardeal George Pell escreveu o seguinte artigo para The Spectator, no qual denunciava os planos do Vaticano para o próximo “Sínodo da Sinodalidade” como um “pesadelo tóxico”. O livreto produzido pelo Sínodo, a ser realizado em duas sessões neste ano e no próximo ano, é “um dos documentos mais incoerentes já enviados de Roma”, diz Pell. Não apenas é “expresso no jargão neomarxista”, mas é “hostil à tradição apostólica” e ignora princípios cristãos fundamentais como a crença no julgamento divino, céu e inferno.

O Cardeal nascido na Austrália, que suportou a terrível provação da prisão em seu país natal sob falsas acusações de abuso sexual, antes de ser absolvido, foi muito corajoso. Ele não sabia que estava prestes a morrer quando escreveu este texto; e estava preparado para enfrentar a fúria do Papa Francisco e dos organizadores do Sínodo quando o artigo fosse publicado. Da forma como aconteceu, sua morte repentina pode adicionar força extra a suas palavras quando o Sínodo se reunir em outubro.

Damian Thompson - The Spactator
A Igreja Católica deve se livrar desse “pesadelo tóxico”
Cardeal George Pell
 

O Sínodo dos Bispos Católicos trata nesse momento de construir o que eles consideram o “sonho de Deus” da sinodalidade. Infelizmente, esse sonho divino se transformou em um pesadelo tóxico, apesar das boas intenções professadas pelos bispos.

Eles produziram um livreto de 45 páginas que apresenta seu relato das discussões da primeira etapa de 'escuta e discernimento', realizada em muitas partes do mundo, que é um dos documentos mais incoerentes já enviados de Roma.

Enquanto damos graças a Deus pelo aumento do número de católicos em todo o mundo, especialmente na África e na Ásia, o quadro é radicalmente diferente na América Latina, com perdas tanto para os protestantes quanto para os secularistas.

Sem ironia, o documento intitula-se 'Amplia o Espaço da Tua Tenda', e o objetivo é acolher não os recém-batizados —aqueles que responderam ao chamado para se arrepender e crer—, mas qualquer um que possa ser interessado o suficiente para ouvir. Os participantes são convidados a serem acolhedores e radicalmente inclusivos: “Ninguém é excluído”.

O documento não exorta os participantes católicos a “fazer discípulos em todas as nações” (Mateus 28:16-20), muito menos a “pregar o Salvador a tempo e fora de tempo” (2 Timóteo 4:2).

A primeira tarefa para todos e especialmente para os mestres é ouvir no Espírito. De acordo com esta recente atualização da Boa Nova, a “sinodalidade”, como modo de ser da Igreja, não deve ser definida, mas apenas vivida. Ela gira em torno de cinco tensões criativas, partindo da “inclusão radical” e caminhando para a “missão em estilo participativo”, praticando a “co-responsabilidade com outros crentes e pessoas de boa vontade”. Dificuldades existem, como a guerra, o genocídio e a distância entre clérigos e leigos, mas todas podem ser resolvidas, dizem os Bispos, por uma espiritualidade viva.

A imagem da Igreja como tenda em expansão, com o Senhor ao centro, vem de Isaías, e o objetivo é enfatizar que essa tenda em expansão é um lugar onde as pessoas são ouvidas, mas não julgadas, não excluídas.

Então lemos que o povo de Deus precisa de novas estratégias; não de brigas e confrontos, mas de um diálogo, onde a distinção entre crentes e incrédulos é rejeitada. O povo de Deus deve realmente escutar, insiste o documento, o clamor dos pobres e da terra.

Por causa das diferenças de opinião sobre aborto, contracepção, ordenação de mulheres ao sacerdócio e atividade homossexual, alguns sentiram que nenhuma posição definitiva sobre essas questões pode ser estabelecida ou proposta. Isso também se aplica à poligamia, ao divórcio e ao novo casamento.

No entanto, o documento é claro sobre o grave problema da posição inferior das mulheres e dos perigos do clericalismo, embora se reconheça a contribuição positiva de muitos padres.

O que fazer com esse pot-pourri, esse derramamento de boa vontade da Nova Era? Não é um resumo da fé católica ou do ensino do Novo Testamento. É incompleto, hostil de maneira significativa à tradição apostólica e em nenhum lugar reconhece o Novo Testamento como a Palavra de Deus, normativa para todo ensino sobre fé e moral. O Antigo Testamento é ignorado, os Patriarcas rejeitados e a Lei Mosaica, incluindo os Dez Mandamentos, não é reconhecida.

Dois pontos podem ser notados inicialmente. Os dois Sínodos finais em Roma, em 2023 e 2024, precisarão esclarecer seus ensinamentos sobre questões morais, já que o Relator (redator e dirigente principal) Cardeal Jean-Claude Hollerich rejeita publicamente os ensinamentos básicos da Igreja sobre sexualidade, afirmando que eles contradizem a ciência moderna. Em tempos normais, isso mostraria que manter seu cargo de Relator era inapropriado, na verdade impossível.

Os Sínodos devem escolher se são servidores e defensores da tradição apostólica na fé e na moral, ou se seu discernimento os obriga a afirmar sua soberania sobre o ensinamento católico. Eles devem decidir se os ensinamentos básicos sobre coisas como sacerdócio e moralidade podem ser estacionados em um limbo pluralista, onde alguns escolhem redefinir para baixo os pecados e a maioria concorda em, respeitosamente, adiar esse assunto.

Fora do sínodo, a disciplina está afrouxando – especialmente no norte da Europa, onde alguns bispos não foram repreendidos, mesmo depois de afirmar o direito do bispo de discordar; um pluralismo de fato já existe mais amplamente em algumas paróquias e ordens religiosas, por exemplo, quanto a abençoar a atividade homossexual.

Os bispos diocesanos são os sucessores dos Apóstolos, o principal mestre da doutrina em cada diocese e o foco da unidade local para seu povo e da unidade universal em torno do Papa, sucessor de Pedro. Desde a época de Santo Irineu de Lyon, o bispo é também considerado a garantia da fidelidade contínua ao ensinamento de Cristo, na Tradição Apostólica. Eles são governantes e muitas vezes juízes, assim como mestres da doutrina e celebrantes dos sacramentos, e não apenas um quadro na parede ou um carimbo nos documentos.

‘Alargar a Tenda’ está atento às falhas dos bispos, que às vezes não escutam, têm tendências autocráticas e podem ser clericalistas e individualistas. Há sinais de esperança, de liderança e cooperação eficazes, mas o documento opina que os modelos piramidais de autoridade devem ser destruídos e a única autoridade genuína venha do amor e do serviço. A dignidade batismal deve ser enfatizada, não a ordenação ministerial, e os estilos de governo devem ser menos hierárquicos e mais circulares e participativos.

Os principais atores em todos os sínodos (e concílios) católicos e em todos os sínodos ortodoxos têm sido os bispos. Isso deve ser afirmado e colocado em prática de maneira cooperativa nos sínodos continentais, para que as iniciativas pastorais permaneçam dentro dos limites da sã doutrina. Os bispos não estão lá simplesmente para validar o devido processo e oferecer um 'nihil obstat' ao que observaram.

Nenhum dos participantes do Sínodo, leigos, religiosos, sacerdotes ou bispos, está satisfeito com a decisão de que a votação não é permitida e as proposições não podem ser apresentadas. Transmitir apenas as opiniões do Comitê Organizador ao Santo Padre para que ele faça o que ele decidir é um abuso da sinodalidade, uma marginalização dos bispos, não justificada pela Escritura ou pela Tradição. Não é um processo legalmente justificável e é passível de manipulação.

Por uma margem enorme, os católicos praticantes do mundo inteiro não endossam as conclusões do presente Sínodo. Também não há muito entusiasmo nos níveis superiores da Igreja. Reuniões contínuas desse tipo aprofundam as divisões e alguns poucos “especialistas” podem explorar a confusão e a boa vontade. Os ex-anglicanos entre nós têm razão em identificar o aprofundamento da confusão, o ataque à moral tradicional e a inserção no diálogo do jargão neomarxista sobre exclusão, alienação, identidade, marginalização, os “sem-voz”, LGBTQ, bem como o deslocamento das noções católicas de perdão, pecado, sacrifício, cura, redenção. Por que o silêncio sobre a vida após a morte, recompensa ou punição, sobre Novíssimos: morte e juízo, inferno e paraíso?

Até agora, o Caminho Sinodal negligenciou, na verdade rebaixou, o Transcendente, encobriu a centralidade de Cristo com apelos ao Espírito Santo e encorajou o ressentimento, especialmente entre os participantes.

Documentos de trabalho não fazem parte do magistério. Eles são uma base para discussão; para serem julgados por todo o povo de Deus e especialmente pelos bispos, com e sob o poder do Papa. Este documento de trabalho necessita de mudanças radicais. Os bispos devem perceber que há trabalho a ser feito, em nome de Deus, mais cedo ou mais tarde.

    Para citar este texto:
"A Igreja Católica deve se livrar desse “pesadelo tóxico”"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/ultimas/pesadelo-toxico/
Online, 29/03/2024 às 06:27:41h