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É correto criticar a missa nova?
PERGUNTA
Nome:
Bryan
Enviada em:
19/12/2020

 

Olá!

Gostaria de saber se as criticas ao missal de Paulo VI, como a alegação de sua ilicitidade, falta de piedade e afins ocorreria em anátema de acordo com o que diz o concílio de Trento:

 

"Se alguém disser que as cerimonias, as vestimentas e os sinais exteriores, que a Igreja Católica usa na celebração de missas, são incentivos a impiedade, e não a serviço da piedade: seja anátema."

 

Seria interessante também caso possivel, extender esse assunto.

 

Aguardo resposta, grato desde já.

RESPOSTA
 "O que aconteceu depois do Concílio foi muito diferente: em lugar de uma liturgia fruto de um desenvolvimento contínuo, surgiu uma liturgia fabricada. Saímos do processo vivo de crescimento e de devir para entrar na fabricação. Não quisemos prosseguir o devir e o amadurecimento orgânico do que vive através dos séculos, e o substituímos - como na produção técnica - por uma fabricação, um produto banal do instante" (RATZINGER, J. A Missa Degenerada em Show. In K. GAMBER, La Reforme Liturgique En Question, Paru: Sainte-Madeleine, 1992).

 

Muito prezado Bryan, salve Maria!

Veja, Bryan, pelo parágrafo-epigrafe com o qual começo essa missiva-resposta, que a crítica contundente ao Novus Ordo não é exclusividade dos tradicionalistas, o então cardeal Joseph Ratzinger, em seu famoso prefácio à obra do Gamber sobre a Reforma Litúrgica promovida pelo concílio do Vaticano II, crítica e ataca esta Reforma de forma contundente com expressões que asseveram bem todo o peso de seus ataques: “liturgia fabricada”, “produto banal do instante”.

De fato, não saberia definir com precisão que tipo de peso podemos atribuir hoje a esses anátemas referentes a liturgia do Concílio de Trento (especifico “anátemas referentes à liturgia” pois os anátemas relativos aos Dogmas continuam a ter o mesmo peso imutável de sempre, o peso próprio das condenações de heresias). Parece-me que o peso delas seria o de uma condenação disciplinar de sua época. Veremos abaixo que nem mesmo o próprio Concílio do Vaticano II não respeitou essas evocações disciplinares:

“956. Cân. 9. Se alguém disser que o rito da Igreja Romana que prescreve que parte do Cânon e as palavras da consagração se profiram em voz submissa, se deve condenar, ou que a Missa se deve celebrar somente em língua vulgar, ou que não se deve lançar água no cálice ao oferecê-lo, por ser contra a instituição de Cristo — seja excomungado [cfr. n° 943, 945 s]”.

O cânone acima estabelece com veemência restrições que foram totalmente ignoradas pelo Concílio do Vaticano II, tais como: as palavras da consagração da Missa pronunciadas com voz audível; e a Missa celebrada somente em língua vulgar. Vê-se, hoje em dia, que as mudanças litúrgicas tenderam ao oposto do que queria o Concílio de Trento.

Muitas outras testemunhas de grande autoridade na hierarquia eclesiástica criticaram com a mesma veemência a Reforma Litúrgica, você pode conferir isso num famoso artigo do Padre francês Paul Aulagnier que tinha como título: “« Déprécier » le Novus Ordo Missae, est-ce possible?” (“Depreciar" o Novus Ordo Missae, é possível?) (1), nesse artigo o Padre Aulagnier cita várias autoridades que fazem fortes críticas à Reforma litúrgica e seu principal fruto: a missa nova. Cito, por exemplo, a contundente crítica do então cardeal, chefe do Santo Ofício (ou seja, chefe da grande sentinela doutrinária da hierarquia eclesiástica de sua época, temida dos mais audaciosos hereges: o Santo Ofício), Cardeal Alfredo Ottaviani:

"a Novus Ordo Missae – considerando-se os novos elementos amplamente suscetíveis a muitas interpretações diferentes que estão nela implícitos ou são tomados como certos -- representa, tanto em seu todo como nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal qual formulada na sessão 22 do Concílio de Trento. Os “cânones” do rito definitivamente fixado naquele tempo constituíam uma barreira intransponível contra qualquer tipo de heresia que pudesse atacar a integridade do Mistério". (...) As reformas recentes demonstraram amplamente que novas alterações na liturgia não podem ser efetuadas sem levar à completa confusão por parte dos fiéis, os quais já demonstram sinais de relutância e um indubitável afrouxamento da fé. Entre os melhores clérigos, o resultado é uma agonizante crise de consciência, da qual um sem número de exemplos chega a nós diariamente" (Carta dos Cardeais Ottaviani e Bacci, Roma, 25 de setembro de 1969 – grifos meus).

Expressões tais como: “surpreendente afastamento da teologia católica”, “confusão por parte dos fiéis”, “indubitável afrouxamento da fé” e “agonizante crise de consciência”, definem bem a preocupação do Cardeal com a Reforma promovida em sua época.

Enfim, prezado Bryan, penso ter dado argumentos suficientes que demonstram que as criticas à Missa Nova não são condenáveis em absoluto, são mesmo louváveis, sobretudo se as mudanças realizadas são fruto de uma “liturgia fabricada”, ou de um “produto banal do instante”. É claro que não devemos por isso relativizar toda critica grosseira ou despropositada contra a liturgia da Igreja, mas se a crítica é fundada sobre os alicerces inabaláveis da tradição e da teologia imutável da Igreja, tais críticas devem ser consideradas e mesmo louvadas:

“Foi assim que nós perdemos o profundo sentido teológico dado pelo Concílio de Trento”. “Por essas mesmas razões, o cânon 9 do Concílio (de Trento) estabelece a excomunhão para aqueles que afirmam que o rito da Igreja Romana no qual parte do Cânon e as palavras da Consagração são pronunciadas em voz baixa, deve ser condenado". "O emprego do vernáculo acarretou sérias incompreensões e erros doutrinais, ele produziu a "desunião": Esta Babel de cultos públicos tem por resultado a perda da unidade externa no seio da Igreja Católica (...). Devemos admitir que, em poucos decênios, depois da reforma da língua litúrgica, nós perdemos esta oportunidade de rezar e de cantar juntos". "Em terceiro lugar, a reforma que se seguiu ao Vaticano II destruiu ou transformou a riqueza de numerosos símbolos litúrgicos" (2).

Esperando tê-lo respondido, aconselho a sempre que possível, se for pelo bem das almas e caridade assim o exigir, critique com bons fundamentos a Missa Nova e seus erros que afastam da verdadeira fé e, por misericórdia, reze por nós, pelo nosso apostolado, para que juntos, como pequenas formiguinhas nesse imenso rebanho de Cristo Nosso Senhor, possamos combater fielmente pela liturgia imutável da Santa Igreja.

In báculo Cruce et in virga Virgine,

Francis Mauro Rocha.

 

(1)      conferir em: http://www.revue-item.com/8209/deprecier-le-novus-ordo-missae-est-ce-possible/

(2)      Declarações do Cardeal Stickler sobre a Missa de S. Pio V, Prefeito emérito dos Arquivos do Vaticano (revista The Latin Mass, 1995): http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/stickler/