Religião-Filosofia-História



No evangelho de São Mateus Cristo aprova o que os fariseus ensinavam e ordena ao povo que o ouvia e a seus discípulos que fizessem o que os fariseus diziam desde o alto da cadeira de Moisés.

"Então falou Jesus às turbas e aos seus discípulos, dizendo: Sobre a cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus. Observai, pois, e fazei tudo o que eles vos disserem, mas não imiteis as suas ações, porque dizem e não fazem." (Mt.XXIII,1-3)

Entretanto, se nessa passagem Cristo aprova o que os fariseus diziam, noutra ocasião, porém, Ele previne os Apóstolos para que se guardem da doutrina dos mesmos fariseus:

"Abri os olhos, e guardai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus ( ... ) porque não compreendeis que não foi a respeito do pão que eu vos disse: 'guardai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus'? Então compreenderam que não havia dito que se guardassem do fermento dos pães, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus" (Mt. XVI,6-12).

Os textos são claros. No primeiro, Cristo ordena que se aceite o que os fariseus diziam. No outro, previne contra a doutrina dos fariseus e saduceus.

Como pode Cristo aprovar o que os fariseus diziam e, depois, prevenir contra a sua doutrina? Não há nisso uma contradição?

Em Cristo - Sabedoria de Deus encarnada - não pode haver qualquer contradição. Portanto, a contradição só pode existir entre o que os fariseus diziam e sua doutrina. O que eles diziam e ensinavam publicamente era correto. O que eles acreditavam era condenável.

Ora, se os fariseus não diziam de público o que eles acreditavam, conclui-se, pelo texto do Evangelho, que eles tinham uma doutrina secreta. E foi por isso que Cristo comparou a doutrina deles ao fermento, que atua secretamente na massa.

Que havia doutrinas secretas nos círculos farisaicos é comprovado pela Mishnah. Nós já vimos o que ela diz a respeito das doutrinas do "Ma'assei Bereschit" e do "Ma'assei Merkabah". (cfr. Mishnah , Hagigah,II.1).

Foi principalmente com base neste texto da Mischnah que Gershom Scholem escreveu :

"Sabemos que já no período do Segundo Templo uma doutrina esotérica era ensinada em círculos farisaicos. O primeiro capítulo do Gênesis, a história da Criação (Ma'assei Bereschit) e o primeiro capítulo de Ezequiel, a visão do trono-carruagem de Deus ( Ma'assei Merkabá) eram os temas favoritos de uma discussão e interpretação que aparentemente não convinha tornar pública. Originalmente, tais discussões restringiam-se à elucidação e exposição das respectivas passagens bíblicas" (G.G. Scholem, A Mística Judaica , Perspectiva, São Paulo, 1972, pp. 41-42).

O mesmo Scholem mostra, em várias de suas obras, que tanto o misticismo relacionado com o Bereschit, quanto o misticismo da Merkabah tornaram-se gnósticos.

Se nossa análise é verdadeira - e a lógica, a Mishnah, e o comentário dela por Scholem, parecem comprovar a exatidão do que dissemos - uma luz bem esclarecedora vem iluminar toda a luta que os Evangelhos registram entre Cristo e os fariseus, tornando muitos textos bem mais compreensíveis.

Não há dúvida sobre dois pontos:

1 - Cristo condena os fariseus por terem uma doutrina secreta e condena também essa doutrina.

2 - O maior especialista em estudos judaicos confirma que havia uma doutrina esotérica nos círculos farisaicos, desde o período do segundo Templo.

Pode-se então perguntar: não seria essa doutrina esotérica dos fariseus gnóstica? Tudo indica que sim, pois ela versava especialmente sobre dois pontos: o Bereschit e a Merkabah, exatamente aqueles pontos cujo desenvolvimento gerou, mais tarde, todo o sistema gnóstico judaico, isto é, a Kabbalah.

À passagem de São Mateus que trata do fermento dos fariseus corresponde, em São Lucas, um texto esclarecedor. Diz esse outro evangelista :

"Guardai-vos do fermento dos fariseus que é a hipocrisia. Porque nada há de oculto que não venha a descobrir-se, e nada há de escondido que não venha a saber-se. Por isso as coisas que dissestes nas trevas, serão ditas às claras, e o que falastes ao ouvido no gabinete será apregoado sobre os telhados" (Luc. XII,13).

O texto de S. Mateus tornara claro que por "fermento dos fariseus" deve-se entender a sua doutrina. Aqui, em S. Lucas, lê-se que Cristo chama esse fermento ou doutrina de hipocrisia. Num primeiro sentido, por hipocrisia dos fariseus, Cristo designa sua duplicidade moral, pois eles diziam e não faziam. Cristo os acusava de ter um comportamento moral hipócrita.

Entretanto, como é à própria doutrina dos fariseus que Cristo chama de hipocrisia, pode-se perguntar se essa palavra não tinha aí um outro sentido, além do moral.

O termo grego "hipócrita" designava a máscara que os atores de teatro usavam para assumir, no palco, uma personagem fictícia. A palavra designava então aquele que tinha uma dupla personalidade. Ela foi estendida depois aos que fingem um comportamento e escondem outro. Se Cristo chama à doutrina dos fariseus de hipocrisia é porque - parece-nos possível - Ele quis indicar que essa doutrina era secreta, oculta, tal como o comportamento de um hipócrita. Os fariseus eram então hipócritas por seu comportamento, e hipócritas por sua doutrina oculta, pois ensinavam o certo, em público, e outra coisa secretamente.

Nesse sentido, então, quando Cristo acusava os fariseus de hipocrisia, Ele se referia mais à sua duplicidade doutrinária do que à sua duplicidade moral.

Esta aplicação do termo hipocrisia parece ser confirmada por outro passo de São Mateus :

"Hipócritas, bem profetizou de vós Isaias, dizendo: 'Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim'. É em vão que me honram, ensinando doutrinas e mandamentos dos homens". (Mt.,XV,7-9).

A moral humana, ensinada publicamente pelos fariseus, era a da Mishnah, enquanto a doutrina humana, ensinada secretamente por eles, era muito provavelmente a gnose incipiente a respeito do Bereschit e da Merkabah. Tendo os fariseus uma doutrina e moral humanas, diferentes das divinas, eles tinham então uma outra religião.

Em várias passagens dos Evangelhos Nosso Senhor Jesus Cristo acusa os fariseus e os escribas de pretenderem ter verdades ocultas, que eles ensinavam secretamente, de terem mudado a própria lei de Deus, inventando novos mandamentos humanos, esperando outrossim que, quando viesse o Messias, a Lei seria abolida, o que revela um antinomismo típico das seitas gnósticas e milenaristas.

Vimos que de fato os fariseus ensinavam certas doutrinas só a alguns, de boca a ouvido, nas trevas de um gabinete, já que a Mishnah diz que as doutrinas sobre o Bereschit e sobre a Merkabah só podiam ser ensinadas a uma ou duas pessoas por vez. É extremamente curioso então que Cristo faça referência "ao que é ensinado nas trevas" ou ao "ouvido, no gabinete". Pelo contrário, Cristo afirma que a sua doutrina nada tem de oculto e deve ser proclamada "às claras" e "do alto dos telhados" (cfr.Mt.,X,26-27). Mandou ainda: "Ide e ensinai a todos" (Mt.XXVIII,19). Na Igreja de Cristo, nada deve haver de oculto ou esotérico, nada deve ser dito nas trevas.

É interessante notar ainda que Cristo previne os Apóstolos para que não temam os fariseus. Portanto, eles os temiam. Esse temor não era restrito aos Apóstolos, pois Nicodemos foi falar com Jesus à noite, escondido, por temer os judeus.

"Todavia muitos dos príncipes creram nele, mas, por causa dos fariseus não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga" (Jo.XII,42).

Também os pais do cego de nascença, que Jesus curou no Templo, em dia de sábado, temiam os fariseus, como se pode ver pelo texto de São João:

"Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas, não sabemos como ele agora vê, ou quem lhe abriu os olhos, não sabemos. Perguntai-o a ele mesmo: tem idade, ele mesmo fale de si". "Assim disseram seus pais porque tinham medo dos judeus; porque os judeus tinham combinado que, se alguém confessasse que Jesus era o Cristo, fosse expulso da sinagoga" (Jo. IX,20-23).

Se os Apóstolos, os pais do cego e até os Príncipes do povo temiam os fariseus, era esse então um temor generalizado. O poder dos fariseus não provinha de nenhum órgão institucional: eles não eram sacerdotes e nem eram os mandatários do Sinédrio. O mister que eles se arrogavam era legalístico-moral mas não oficial, e eles toleravam grande liberdade em matérias doutrinárias, mas não legais. Pelos textos dos Evangelhos, se vê que os fariseus infundiam um temor maior que as autoridades judaicas instituídas. Por que?

Parece que seu grande poder vinha de sua organização oculta, que, como vimos, chegava ao ponto de poder expulsar da Sinagoga quem não obedecesse a eles. Aliás, esse poder vai se revelar enorme por ocasião da prisão e julgamento de Cristo, quando eles usarão a coorte romana (seção da legião com 600 soldados) e até seu tribuno para prenderem Jesus: "A coorte e o tribuno e os guardas dos judeus prenderam Jesus" (Jo.XVIII,12). E, como revelam os Atos dos Apóstolos, Saulo ia a Damasco com "cartas do príncipe dos sacerdotes" com o fito de "levar presos a Jerusalém" os que seguiam a doutrina de Cristo (cfr. Atos, IX,1-2 e 13-14). De onde e como os judeus podiam fazer tudo isso, estando sob domínio romano?

Cristo, ao prevenir aos Apóstolos para que não temessem os judeus, disse: "Não os temais, porque nada há de encoberto que não se venha a descobrir, nem de oculto que não se venha a saber" (Mt. X, 26-27).

Insinua esse texto que a causa do temor infundido pelos fariseus vinha do que eles encobriam e ocultavam. Realmente, tudo que se oculta é ameaçador e causa temor...

Como vimos, os fariseus tinham doutrinas esotéricas. Nada mais natural e coerente que uma seita com doutrinas ocultas se estruture secretamente. Era a organização secreta dos fariseus que lhes permitia dominar o Sinédrio, influenciar as autoridades romanas, assim como ter tão grande ascendência sobre o povo, a ponto de causar-lhe temor.

 

Toda gnose é antinomista. Para os gnósticos, a Lei foi dada a Moisés pelo demiurgo criador. A obediência à Lei do demiurgo manteria as partículas divinas em sua prisão da matéria. A libertação dos éons divinos só se faria pela anulação da razão e da lógica, assim como pela abolição da Lei. Nesse sentido, a violação da Lei do demiurgo criador seria a melhor e mais perfeita maneira de honrar a divindade. Daí a doutrina antinomista das seitas gnósticas e sua busca voluntária e proposital de depravação. No Talmud se lê: "A subversão da Torah pode tornar-se sua verdadeira realização" cfr. Talmud, Menahot, 99,b; apud G.G.Scholem, A Mística Judaica, ed. cit. p. 319, nota 65) .

"A Torá, como os sabatianistas radicais gostavam de formular, é a semente da Salvação e, assim como a semente precisa apodrecer na terra a fim de vingar e dar frutos, a Torá deve ser subvertida para aparecer em sua verdadeira glória messiânica" (G.G.Scholem, A Mística Judaica , ed. cit. p.319).

Foi dessas idéias absurdas que nasceu a doutrina da "santidade do pecado", de tanta difusão no final do século XV e na Reforma de Lutero, que afirmou : "Crê firmemente e peca muitas vezes".

Traços desse antinomismo talmúdico já deviam existir entre os fariseus do tempo de Cristo, como transparece pelas acusações que Cristo fez aos escribas e fariseus, seus inimigos. Assim, já no sermão da Montanha, Cristo diz a seus discípulos e ao povo judeu que o ouvia:

"Não julgueis que vim destruir a Lei ou os profetas. Não vim para os destruir, mas sim para cumprir. Porque, em verdade vos digo que enquanto não passar o céu e a terra, não desaparecerá da lei nem um só jota ou um só ápice, sem que tudo seja cumprido" (Mt. V, 17-18).

Seriam os Apóstolos, pescadores rústicos; seria o povinho simples que seguia a Cristo para ouví-Lo, quem esperava a abolição da Lei por aquele que mudara a água em vinho e falava com sabedoria divina? Por que aboliria Ele a Lei e os Profetas, isto é, tudo o que Deus revelara na Sagrada Escritura? Quem era esperado pelos judeus e que devia nascer naqueles tempos senão o Messias? Quem esperava, naquele tempo, que aquele que estava para vir - o Messias - aboliria a Lei e os Profetas? Certamente, não eram os Apóstolos, nem o povinho que esperavam tal coisa, e sim os escribas e fariseus.

Ora, sabemos que os Talmudistas e os Cabalistas, na Idade Média, afirmavam que, quando viesse o Messias, ele aboliria a Lei. As palavras de Cristo, no Sermão da Montanha, indicam que já no seu tempo havia judeus – muito provavelmente os rabinos fariseus - que esperavam do Messias, ao vir, que abolisse os mandamentos. Cristo advertia então os rabinos fariseus e os escribas - que pelos milagres viam que Ele era o Messias - que não esperassem dele a abolição do Decálogo. Mais. Ele explica que se alguma coisa mudava com a sua vinda, era visando uma obediência mais perfeita, profunda e espiritual da lei, da qual nem um jota seria tirado.

Ademais de desiludir as expectativas antinomistas dos escribas e fariseus, Cristo os acusa de não só deixarem de cumprir a Lei, mas também - tal qual fará o Talmud posteriormente - de ensinarem a violar a Lei. O que certamente eles não faziam publicamente. Por isto se lê, no Sermão da Montanha:

"Aquele, pois, que violar um destes mínimos mandamentos e ensinar assim aos homens, será considerado o mínimo no Reino dos céus" (Mt. V,19).

E que Ele visava atacar aos fariseus fica evidente pelo que diz imediatamente depois: "Porque Eu vos digo que, se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus" (Mt., V, 20).

Em geral, se julga que os fariseus eram homens de moral rigorosa e que seu erro capital era apenas o de darem mais valor às minúcias da lei do que ao seu âmago. Ora, a acusação que Cristo lhes faz é bem mais radical:

"Por ventura não vos deu Moisés a Lei ? E, contudo, nenhum de vós observa a lei" ( Jo. VII, 19).

Repare-se o radicalismo e a generalidade da acusação: nenhum dos fariseus praticava a Lei. E não a praticavam porque, secretamente ensinavam a violá-la.

Esse antinomismo dos fariseus devia ser secreto porque, caso o alardeassem, eles perderiam todo o seu prestígio junto ao povo. Pelo contrário, publicamente eles se apresentavam como os grandes guardiães e rigorosos cumpridores da lei. Eles eram obrigados, pois, a ensinar seu antinomismo, só para alguns, em segredo. Eram exatamente hipócritas. Deviam pois asseverar que possuíam verdades misteriosas que não podiam ser reveladas a todos. Diziam ter luzes, que não deviam ser expostas a todos, nem colocadas em candelabros, mas que deveriam ser ocultas sob o alqueire. Daí Cristo condená-los por esconderem uma sabedoria ou ciência, que, se fosse verdadeira, deveria ser publicada, e que só mantinham secreta porque era condenável.

"Vós sois a luz do mundo. Não pode esconder-se uma cidade situada sobre um monte, nem acendem uma lucerna e a põe debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, a fim de que ela dê a luz a todos os que estão na casa. Assim brilhe vossa luz diante dos homens, para que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus." ( Mt. V, 15-16).

A luz de que fala Cristo é a verdade. A casa é a Igreja de Deus, e, naquele tempo, era a Sinagoga. A luz da verdade, na Sinagoga e na Igreja, deve ser posta de tal modo no alto de um candelabro que ilumine a todos. Isto é, a verdade tem que ser ensinada a todos. Por isso, Cristo ordenou: "Ide e ensinai a todos" (Mt. XXVIII,19). Jesus ordena que se faça o contrário dos fariseus, que pretendiam ensinar "verdades" só para alguns, escondendo o que diziam saber, loucamente, sob o alqueire. A Sinagoga foi transformada pelos fariseus e escribas em um alqueire que escondia impedia que a luz da verdade iluminasse a todos os homens e que mantinha secreta uma doutrina que chamavam de Tradição dos Antigos. Se a Sinagoga é o alqueire, a cidade posta no alto do monte é Roma, e o candelabro sobre o qual os Apóstolos deviam colocar a luz do Evangelho é a Igreja Católica. É assim que Santo Ambrósio explica esta passagem (cfr.Cornélio a Lapide, Commentaria in Quatuor Evangelia, Commentaria in Mathaeum, Augustae Taurinorum, Marietti,1896, vol. I , pp 211-212).

Os escribas e fariseus inimigos de Nosso Senhor eram antinomistas e, portanto, gnósticos. Eles se arrogavam ter a verdadeira sabedoria de Deus, mas recusavam dá-la a todos. Por isso Cristo os acusa de terem usurpado a chave da ciência de Deus e de nem entrarem no Reino de Deus, nem deixarem outros entrar.

"Ái de vós, doutores da Lei, que usurpastes as chaves da ciência, e nem entrais vós, nem deixastes entrar os que vinham para entrar" (Lc. XI,52).

Na primeira das oito maldições que Cristo lançou contra os fariseus, Ele os acusa desse mesmo crime de impedir a salvação dos outros:

"Mas ái de vós, escribas e fariseus hipócritas! Porque fechais o reino de Deus diante dos homens, pois nem vós entrais, nem deixais que entrem os que estão para entrar." (Mt. XXV,13).

O Reino dos Céus, em certo sentido, é a Sagrada Escritura da qual os fariseus tinham se arrogado a chave. Noutro sentido, é a Igreja. Porta da Sagrada Escritura e da Igreja é Cristo. A chave dessa porta é a verdade, chave que Cristo entregou a Pedro. A chave do Reino dos Céus é portanto o ensinamento infalível da verdade revelada na Sagrada Escritura. Os fariseus pretendiam ter essa chave que Deus não lhes dera e que ia ser entregue a Pedro. A chave deles era falsa. Nem eles entravam pela porta que é Cristo. Eles penetravam na Sagrada Escritura como o ladrão, não pela porta do sentido legítimo, mas pela janela oculta do esoterismo. Os fariseus fechavam as portas do Céu por meio de suas tradições humanas, que colocavam inúmeras cargas e obrigações sobre os ombros dos homens, dificultando-lhes a prática da religião e a salvação.

 

O ponto central da polêmica entre Cristo e os fariseus foi a questão da "Tradição dos Antigos", isto é, a questão da Torah Oral que estava então em pleno processo de elaboração e que veio, depois, a redundar na Mishnah. (cfr. Frederico Dattler, S.V.D. A mixná no Novo Testamento, in Atualidades Bíblicas, Vozes Petrópolis, Rio, São Paulo, 1971, pp.395-402).

No Evangelho de São Marcos trata-se insistentemente da "Tradição dos Antigos":

"E reuniram-se em volta de Jesus os fariseus e alguns dos escribas vindos de Jerusalém. E, tendo visto alguns dos seus discípulos comer o pão com as mãos impuras, isto é, por lavar, censuraram-nos. Porque os fariseus e todos os judeus em observância da tradição dos antigos, não comem sem lavar as mãos muitas vezes; e, quando vêm da praça pública, não comem sem se purificarem; e praticam muitas outras observâncias tradicionais, como lavar os copos e os jarros, e os vasos de metal e os leitos. Ora, os fariseus e os escribas interrogaram-no: 'Por que não andam os teus discípulos segundo a tradição dos antigos, mas comem as refeições sem lavar as mãos ? '

"E Ele, respondendo, disse-lhes: 'Com razão Isaías profetizou de vós, hipócritas, como está escrito: 'Este povo honra-me com os lábios, mas seu coração está longe de mim'. E em vão me adoram, ensinando doutrinas e preceitos dos homens. Porque, deixando o mandamento de Deus, observais cuidadosamente a tradição dos homens, lavando os jarros e os copos, e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas." (Mc. VII1-9)

A Mishnah vai tratar expressamente desses casos de purificação de vasos no tratado Kelim (vasos) da seção Tohoroth (purificações) e no tratado Yadaim (mãos). Nessa mesma seção se trata de como as mãos devem ser lavadas para serem purificadas, com que água, como derramá-la, etc.

Cristo tomou posição frontalmente contrária às purificações meramente físicas e exteriores dos fariseus ao sublinhar que a verdadeira pureza não é física, mas moral.

"Ouví-me todos, e entendei. Não há coisa fora do homem que, entrando nele, o possa manchar, mas as que saem do homem, essas são as que tornam o homem impuro. Se há alguém que tenha ouvidos para ouvir, ouça" (Mc.VII,14-16).

"E dizia-lhes: 'Vós bem fazeis por destruir o mandamento de Deus, para observar a vossa tradição. Porque Moisés disse: 'Honra teu pai e tua mãe. E todo o que amaldiçoar seu pai ou sua mãe, seja punido de morte'. Porém, vós dizeis: 'Qualquer pessoa poderá dizer a seu pai ou a sua mãe: 'É oferta (a Deus, é Korban) qualquer coisa minha que te possa ser útil; e não lhe deixais fazer nada em favor de seu pai ou de sua mãe, violando a palavra de Deus pela tradição, inventada por vós; e fazeis muitas coisas semelhantes a esta" (Mc. VII,10-13).

É interessante notar que o próprio termo "korban" aparece na Mishnah, nos tratados Nedarim(votos) (I, n* 2-3-4; II, n* 1-25-; III, n* 2-5; XI, n*5; Nazir ( voto de nazarita) ( II, n*1-2).

Em São Mateus, o texto paralelo diz: "E assim, por causa de vossa tradição , tornastes nulo o mandamento de Deus" (Mt. XV,6).

Ora, que tradição farisaica era essa que provocava a anulação dos mandamentos de Deus?

É certo que a Kabbalah, termo que significa tradição, foi plenamente elaborada, escrita e conhecida por esse nome, só na Idade Média (séc. XII e XIII). Não cabe, pois, afirmar que a tradição farisaica, atacada por Cristo nos Evangelhos, seja, enquanto sistema, a própria Kabbalah medieval. Entretanto, é dessa mesma tradição farisaica - esotérica e gnóstica - que vai nascer o misticismo gnóstico da Kabbalah. Se a tradição farisaica, atacada por Cristo, ainda não era a Kabbalah, nela já existia a gnose que ia gerá-la. Já havia nela o princípio de que a Tradição dos Antigos valia mais que a revelação e podia mesmo contrariá-la, de tal modo que se deveria preferir a Tradição dos Antigos à própria Lei de Deus. O antinomismo fariseu, denunciado por Cristo, já era o princípio do futuro antinomismo da Kabbalah.

Sem nenhuma dúvida, nesse texto citado de São Marcos fica patente a oposição de Cristo à Tradição dos Antigos, isto é, à Torah Oral, tal qual estava sendo elaborada pelos escribas e fariseus, e que iria ser codificada na Mishnah, uma das fontes originais do esoterismo gnóstico judaico.

Depois que Cristo atacou a Tradição dos Antigos defendida pelos fariseus, os Apóstolos disseram-lhe: "Sabes que os fariseus, ouvindo estas palavras se escandalizaram? Mas Ele respondendo disse: Toda a planta que meu Pai celeste não plantou, será arrancada pela raiz. Deixai-os ir. São cegos e guias de cegos; e, se um cego guia outro cego, ambos caem na fossa" (Mt. XV, 12-15).

Bem curiosa é essa alusão a uma "planta" que não foi plantada por Deus. Que planta é essa senão a doutrina secreta dos fariseus? Era essa "planta" que produzia as doutrinas e mandamentos dos homens. Essa planta era a Torah Oral que os fariseus cultivavam e regavam secretamente e que Cristo dizia que seria arrancada pela raiz. Curiosa comparação da doutrina e moral farisaicas a uma planta que pretende vir do céu, mas que vem da terra, isto é, do homem. Curiosa, porque da gnose secreta, existente nos círculos farisaicos, iria desabrochar, séculos depois, a Kabbalah, cuja doutrina das emanações divinas era esquematizada na árvore sefirótica, que, segundo os cabalistas, tinha raiz no céu e crescia em direção à terra...

Outro ponto de profunda divergência entre Cristo e os fariseus foi a questão do descanso sabático. Os fariseus acusavam Jesus de violar a Lai por curar paralíticos e cegos no sábado. Ou ainda reclamavam porque os discípulos de Cristo colhiam espigas nesse dia. Ora, o rigorismo dos fariseus quanto ao sábado tinha origem nos preceitos dos Antigos que, depois, foram codificados na Mishnah, nos tratados Shabbath e Erubin, nos quais se trata com minúcias o que podia e não podia ser feito no dia de sábado.

Noutra passagem, Cristo amaldiçoa os fariseus dizendo: "Ái de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e desprezastes os pontos mais graves da Lei, a justiça e a misericórdia e a fé. São essas coisas que era preciso praticar, sem omitir as outras. Condutores de cegos, que filtrais um mosquito e engulís um camelo." (Mt.XXIII,23).

Ora, de onde os fariseus tinham tirado essas obrigações que não constam na Escritura? No Deuteronômio se diz: "Porás à parte cada ano o dízimo de todos os teus frutos que nascem na terra(...) o dízimo de teu trigo e do teu vinho, e do azeite, e os primogênitos de tuas vacas e ovelhas" (Det.XIV,22-23). Aí não se fala expressamente nem da hortelã, nem do endro, nem do cominho, simples temperos. Também a passagem do Levítico que trata dos dízimos fala genericamente deles: "Todos os dízimos da terra, ou seja de grãos ou de frutas das árvores são do Senhor" (Lev. XXVII,30).

Na parábola do Fariseu e do publicano Cristo faz o fariseu dizer : "Jejuo duas vezes na semana, e pago o dízimo de tudo o que possuo" (Lc.XVIII,12), mostrando que já naquele tempo os fariseus obedeciam rigorosamente às determinações que, mais tarde serão codificadas na Mishnah, na Seção I, Zeraim (sementes), tratado Masseroth (dízimos), enquanto o tratado Taanith (Dias de jejum) versará sobre o jejum para obter chuva, ou para comemorar certas festas.

Outra passagem dos Evangelhos faz alusão aos costumes dos fariseus que serão codificados pela Mishnah. É aquela em que Nosso Senhor prevene seus discípulos: "Hão de vos entregar aos tribunais e sereis açoitados nas sinagogas" (Mc.XIII,9).

Ora, na Mishnah, o tratado Makkoth (açoites) da seção Nezikin (penas) trata dos crimes que merecem o castigo do açoite e do número dos açoites (quarenta) (Makkoth, III, 10); da matéria de que o açoite deve ser feito, e como o culpado deve ser açoitado pelo ministro da sinagoga (Makkoth, ,III, 12-13).

Em conclusão, consideramos não haver dúvida de que Cristo atacou as doutrinas e a moral farisaicas que, em seu tempo, estavam sendo elaboradas pelos rabinos e que iam ser codificadas na Mishnah, fonte do esoterismo gnóstico gerador da Kabbalah. É da Tradição dos Antigos que vai nascer a Kabbalah, palavra que – repita-se - significa tradição...

 

Com a morte de Cristo não se encerrou a luta entre os fariseus e o Cristianismo. Essa era uma luta que transcendia o tempo. Cristo acusara os fariseus de não serem realmente filhos de Abraão e sim do demônio. Evidentemente, os fariseus descendiam de Abraão pela carne. Mas recusavam a filiação de Abraão pela Fé.

"Por que não podeis ouvir a minha palavra? Vós sois filhos do demônio, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai (...) Ele é mentiroso e o pai da mentira (...) O que é de Deus ouve as palavras de Deus. Por isso vós não as ouvís, porque não sois de Deus" (Jo. VIII,43-48).

É claro que o demônio, sendo um anjo, não pode ter filhos em sentido próprio e natural. Os fariseus eram filhos do demônio porque queriam serví-lo. Assim com os batizados são filhos de Deus, de modo análogo, se daria uma filiação demoníaca. Na História, há uma luta entre os Filhos de Deus e os filhos do demônio, entre a raça da mulher e a raça do diabo, conforme o próprio Deus anunciou, ao amaldiçoar a serpente:

"Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua raça e a dela" (Gn, III,15).

A luta entre Cristo e os fariseus foi o episódio central dessa luta prevista por Deus. Cristo, posteridade da Mulher, foi odiado pelos filhos do demônio que não suportavam a sua palavra.

Essa luta evidentemente devia prosseguir entre os discípulos de Cristo e os fariseus. É o que se constata nos Atos dos Apóstolos, nas Epístolas e no Apocalipse. Neste último livro, Cristo diz aos primeiros cristãos, na carta à Igreja de Esmirna :

"Conheço a tua tribulação e a tua pobreza, mas és rico (em graça e santidade), e és caluniado por aqueles que se dizem judeus, e não o são, antes são uma sinagoga de Satanás" (Apoc,II,9).

Cristo anuncia aos primeiros cristãos que eles seriam perseguidos por judeus, descendentes carnais de Abraão, mas que haviam constituído uma Anti Igreja, a Sinagoga de Satanás, já que eles eram filhos do demônio.

É dessa luta entre os fariseus e os Apóstolos que há inúmeros registros nos textos neo-testamentários, indicando terem os judeus aderido a uma doutrina gnóstica. Analisemos algumas dessas passagens.

São Paulo - que tinha sido fariseu e que por isso devia conhecer bem o que eles ensinavam - diz, na Epístola aos Colossenses:

"Digo-vos isto para que ninguém vos engane com discursos sutis" (Ep.Col.II,1)."Vede que ninguém vos engane por meio da filosofia inútil e enganadora, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo e não seguindo Cristo" (Col. II, 8).

Que "tradição dos homens" era essa contra a qual o Apóstolo previne os cristãos de Colossos? Evidentemente era a "Tradição Oral" dos fariseus, a "planta" que não fora plantada por Deus, a árvore má que não pode dar bons frutos.

E pouco depois, aos mesmos Colossenses, São Paulo diz: "Ninguém pois vos condene pelo comer e pelo beber, ou por causa dum dia de festa, ou duma lua nova, ou dum sábado, coisas que são sombras das vindouras; mas o corpo (ou a realidade delas) está em Cristo. Ninguém vos seduza afetando humildade e culto dos anjos, divagando por coisas que nunca viu" (Col., II , 16-18).

Quem condenava os cristãos "pelo comer e pelo beber", senão os fariseus que já haviam condenado os discípulos de Cristo por esse mesmo motivo, por violarem as proibições da Tradição dos Antigos?

Quem, senão os fariseus, poderia condenar os cristãos por causa de "um dia de festa", "lua nova" ou "sábado"? Evidentemente quem isso fazia eram os ciosos guardiães da Tradição dos Antigos , os fariseus e seus discípulos.

E quem falava, naquele tempo, em "culto aos anjos", e quem dizia ter visões extraordinárias e falsas? Não eram os fariseus que falavam desse culto a anjos e que descreviam as visões da Merkabah ? Não eram eles que falavam do anjo Uriel e que, logo mais , falarão do anjo Metraton e do anjo Melquisedec?

E a Timóteo, o mesmo São Paulo previne: "Rejeita as fábulas ridículas e de velhas" (I,Tim.IV,7). Novamente, na segunda epístola a Timóteo, o Apóstolo prevenirá contra as "fábulas": "Porque virá tempo em que (muitos) não suportarão a sã doutrina, mas multiplicarão para si mestres conforme os seus desejos,(levados) pelo prurido de ouvir. E afastarão os ouvidos da verdade, e os aplicarão às fábulas" (II, Tim. IV,3-4).

Que fábulas seriam essas ?

Também a Tito, São Paulo dá o mesmo aviso contra as "fábulas":

"Portanto repreende-os ásperamente, para que sejam sãos na fé, não dêem ouvidos a fábulas judaicas nem a mandamentos de homens que se afastam da verdade" (Ti., I, 13-14)

Dessa vez o texto de São Paulo nos dá um detalhe importante: as "fábulas", contra as quais ele constantemente prevenia, eram judaicas. Que tipo de fábulas os judeus difundiam então sobre anjos e visões, senão as do esoterismo gnóstico da Merkabah ?

E um segundo detalhe confirma a suspeita de que São Paulo visava prevenir os cristãos contra as doutrinas correntes entre os fariseus: ele fala, como Cristo, contra certos "mandamentos de homens" .

Ainda a Tito, o Apóstolo diz:

"Foge, porém, de questões loucas e de genealogias, e de disputas, e de contestações sobre a Lei, porque são inúteis e vãs. Foge do homem herege..." (Ti. III, 9-10)

Na primeira epístola a Timóteo, o Apóstolo disse:

"Como te roguei que ficasses em Éfeso, quando parti para a Macedônia, para que admoestasses alguns que não ensinassem doutrina diversa (da que tem sido ensinada por nós), nem se ocupassem em fábulas e genealogias intermináveis, as quais servem mais para questões do que para aquela edificação de Deus que se funda na fé" (I Tim. I,3-4)

Novamente fica claro, pela carta a Tito, que São Paulo está visando judeus fiéis à Tradição Oral. O curioso é ele falar em "genealogias". Em que sentido poderiam ser perigosas as genealogias familiares dos judeus? Estas não podiam ser más, pois que estão na Escritura. São pois outras genealogias a que São Paulo faz referência. Muito provavelmente por genealogias o Apóstolo quis significar as emanações ou "genealogias" que os gnósticos atribuíam à divindade.

De passagem convém sublinhar que, nessa mesma epístola a Tito, São Paulo manda que não se permita ao herege falar:

"Porque há ainda muitos desobedientes, vãos faladores e sedutores, principalmente entre os da circuncisão [os judeus] aos quais é preciso fechar a boca, a eles que transtornam casas inteiras, ensinando o que não convém, por amor de um vil interesse" (Ti., I , 10-11).

Os sedutores eram pois da "circuncisão", isto é, eram judeus, e o Apóstolo manda que "é preciso fechar a boca" deles. Portanto, São Paulo se mostra favorável à censura religiosa! Mostra-se contrário à liberdade de religião. Favorável, em última análise, até mesmo ao uso da força contra a propaganda dos hereges! São Paulo inquisidor! São Paulo anti-liberal e anti-ecumênico! Que surpresa para os seguidores do Vaticano II ! É impossível conciliar essas afirmações de São Paulo com a liberdade de religião defendida pelo Vaticano II e propugnada por palavras e atos, insistentemente, pelas mais altas autoridades eclesiásticas, hoje em dia.

Que as doutrinas contra as quais Paulo previne os cristãos eram gnósticas fica patente na seguinte passagem: "Que o Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, dando ouvido a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios, que com hipocrisia propagam a mentira, e têm cauterizada a sua consciência, que proíbem o matrimônio, e o uso dos alimentos que Deus criou para que com ação de graças, participem deles os fiéis e aqueles que conheceram a verdade. Porque tudo o que Deus fez é bom(...)" ( I Tim. IV, 1-5).

Desse texto do Apóstolo se deduz que os que ele ataca:

a) condenavam o matrimônio;

b) proibiam comer certos alimentos;

c) negavam a bondade das obras do Criador.

Ora, todas estas idéias são tipicamente gnósticas, e é curioso que São Paulo chame a heresia de mentira, no singular, e que lembre ser ela ensinada com hipocrisia, tal como Nosso Senhor havia dito aos fariseus. E não se alegue que o Apóstolo se referia a heresias dos fins dos tempos, visto que ele pinta os hereges do final da História com as cores dos hereges de seu tempo, porque a heresia -a mentira- é a mesma: a gnose. Por fim, convém notar que as proibições de comer certos alimentos apontam, de novo, para os fariseus e para as proibições alimentares da sua Tradição dos Antigos .

Na mesma carta a Timóteo, São Paulo chama às fábulas e à mentira contra a qual preveniu de "ciência de falso nome":

"Ó Timóteo, guarda o depósito (da fé), evitando as novidades profanas de palavras e as contradições de uma ciência de falso nome, professando a qual alguns se desviaram da fé" (I Tim. VI, 20-21). Ora, a grande heresia daqueles tempos se apresentava com o nome de Conhecimento, isto é, Gnosis.

Aos Gálatas, o mesmo São Paulo diz que "há alguns que vos perturbam e querem inverter o Evangelho de Cristo". (Gal. I, 7). E nesse texto frisamos a palavra inverter porque a gnose faz mais que deturpar a verdade. Pela dialética, ela inverte, perverte, a verdade e a moral, chamando o bem de mal, a luz de treva, o doce de amargo, e vice-versa.

Por sua vez, São João, na sua primeira Epístola, ensinou que "Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne, é de Deus; e todo espírito que divide Jesus, não é de Deus; mas este é um Anticristo(...)" (I Jo, IV,2-3). Ora, era a gnose que dividia Cristo, ou negando que Ele fosse Deus, ou negando que Ele fosse realmente homem.

Que São Paulo e os demais apóstolos tivessem visado a gnose em seus ataques é tese comumente aceita pelos estudiosos do assunto. Já vimos que Santo Irineu afirma isso, e ele estava bem situado para afirmá-lo.

Robert M. Grant escreveu :

"Les épitres pastorales attaquent les "mythes et généalogies" (I Tim. I,4) ou les "mythes juifs" (Tit.I,14) qui pourraient bien être des exposés gnostiques de l'origine de l'univers: elles exhortent le lecteur à "garde(r) le dépot, (à) évite(r) les discours creux et impies, les objections d'une pseudo-science" (I Tim.VI,20). Et elles s'élèvent contre une gnose qui interdit le mariage et prescrit de s'abstenir de viande( I Tim.4,4). "Tout ce que Dieu a crée est bon" (I Tim.4,4). Ils avaient certainement raison, ceux des pères de l'Église qui soutenaient que, dans ces épitres, ce sont les systèmes gnostiques de la fin du premier siècle et du début du second siècle qui étaient visés" (R.M.Grant, La gnose et les origines chrétiennes, Seuil, Paris 1964, p. 140).

 

Que concluir deste estudo sucinto e despretensioso? Julgamos ter deixado claro que :

1- Desde o século VI A.C. os judeus tinham se corrompido doutrinariamente, aderindo à idolatria e às doutrinas que a justificavam;

2- Que após o retorno do cativeiro de Babilônia desenvolveu-se, em círculos rabínicos, um esoterismo possivelmente gnóstico que perverteu a religião judaica;

3- Que nos círculos farisaicos, o esoterismo do Bereschit e da Merkabah deu origem, posteriormente, à gnose judaica, isto é, à Kabbalah, na Idade Média;

4- Que a chamada Tradição dos Antigos deturpou a religião judaica, dando origem à elaboração da Mishnah;

5- Que da Mischnah veio uma religião puramente formal sem nenhuma espiritualidade real;

6- Que os escribas, fariseus e doutores da Lei tão opostos a Cristo, e que o Redentor amaldiçoou, eram defensores de um religião gnóstica e esotérica;

7- Que foi a oposição de Cristo aos rabinos fariseus, elaboradores da Mishnah, que provocou o ódio dos judeus que os levou ao deicídio;

8- Que após a difusão do cristianismo pela pregação dos Apóstolos, os judeus procuraram destruí-lo com perseguições materiais e com a difusão de heresias gnósticas, que negavam principalmente a encarnação do Verbo e a divindade de Cristo.

9 - Que desse combate entre Cristo e os fariseus, assim como do combate entre os Apóstolos e os gnósticos judeus há inúmeras provas nos Evangelhos e nas Epístolas;

10- Que a gnose foi, é até hoje e sempre será a mentira que se opõe ao Catolicismo. Ainda hoje, nós católicos temos que enfrentar os mesmos adversários que se opuseram a Cristo Nosso Senhor.

 

Na festa de São Pedro e São Paulo, no ano de 1994
Orlando Fedeli

 

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MONTFORT Associação Cultural
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Online, 26/04/2024 às 23:50:34h