Política e Sociedade

7 de setembro: questão de consciência
Alberto Zucchi

O Brasil foi dormir surpreso com as manifestações do dia 7 de setembro e acordou perplexo sem conseguir digerir direito o que havia acontecido.

Os apoiadores da candidatura do Presidente Bolsonaro, é claro, comemoraram e não é de surpreender que exagerassem o número de participantes. Ainda assim, o resultado foi tão positivo que nem mesmo seus opositores, entre eles a esquerda política e a imprensa, tiveram coragem de negar que o número de presentes foi acima de todas as expectativas, mostrando a grande popularidade do Presidente. Então, a mídia tradicional, grande parte dela apoiadora de Lula, procurou analisar se e como esse sucesso impactaria a votação para a presidência.

Para nós, mesmo não tendo qualquer especialização em análise política, a resposta para esta questão parecer ser evidente. É óbvio que as manifestações impactam a votação para a presidência da república e trazem um acréscimo significativo de votos para a reeleição do presidente. Todo candidato a presidente certamente gostaria de ter a seu favor manifestações do mesmo porte, mas não é esta questão que queremos analisar aqui.

Nossa pergunta é outra: qual foi a causa das manifestações terem tomado essa proporção? Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro foram os locais que a imprensa focalizou, mas, com amigos espalhados por todo o Brasil, recebemos informações de que em outras capitais, em cidades médias e até pequenas, as manifestações a favor da reeleição do presidente foram significativas, com participação popular sempre maior que o esperado.

Logo, insistimos: o que ocasionou manifestações com tal presença popular? Como comícios sem a presença dos artistas da esquerda ou de personalidades bajuladas pela imprensa podem atrair tantos populares?

Esta pergunta apareceu muito pouco na mídia e, quando apareceu, foi tratada de forma bastante superficial. Por isso cremos que valerá a pena dedicar alguma reflexão a ela.

Para iniciar esta análise, vamos nos utilizar das teorias de um velho conhecido nosso, um “profeta” que morou em Higienópolis: Plinio Correa de Oliveira.

Plínio foi um profeta fracassado. Todas as suas “profecias” foram totalmente desmentidas, como, por exemplo, a previsão de sua imortalidade, a fundação do “Reino de Maria”, a “bagarre” em todas as suas colorações e tipos - azul, parda, vermelha, de pus, etc - o fim da Missa Nova após a queda do comunismo, e tantas outras.

Entretanto, não se pode negar que Plinio tivesse amigos, especialmente no Vaticano, que lhe davam informações privilegiadas. Assim, Plinio soube antes de todos que Dom Mayer seria nomeado bispo de Campos, e comunicou dias antes da imprensa a morte de Paulo VI. Foi surpreendente ver como João Clá, que ainda não era monsenhor nem mesmo padre, apenas um discípulo fervoroso de Plínio, conseguiu rapidamente criar e aprovar um instituto religioso. Nada de profecias de um santo, apenas bons relacionamentos...

É razoável supor que os amigos de Plinio lhe tenham transmitido alguns ensinamentos, como as estranhas doutrinas que são expostas no livro A Gnose Burlesca da TFP e dos Arautos do Evangelho, de autoria do Professor Orlando Fedeli.

Plinio também foi bem informado sobre o desenvolvimento social e político no Brasil. Ao lado de doutrinas completamente malucas, Plinio comentou com antecedência que a Reforma Agrária se constituiria na causa de um grande conflito no Brasil. Os informantes de Plínio não se restringiam ao Vaticano...

Para combatê-la publicou e divulgou um livro cujo título é Reforma Agrária, uma questão de consciência. Constava na TFP que essa ação foi tão decisiva que, na renúncia de Jango Goulart, este teria afirmado que fora derrotado porque alguns jovens haviam transformado a questão da Reforma Agrária em um problema de consciência. Ou seja, fizeram a população em geral acreditar, com razão, que a Reforma Agrária promovida pelo governo Jango Goulart se constituía em um pecado, uma vez que roubava as terras de seus proprietários.

No livro a questão de consciência, ou seja, que é pecado pegar o que é dos outros, é apresentada e provada por dois Bispos: Dom Mayer e Dom Sigaud. Mas a fama do livro ficou com Plinio.

Uma análise sociológica de autoria de Plinio é exposta no livro Revolução e Contra Revolução - RCR. Neste livro, ele procura explicar como um processo denominado revolução levaria à destruição da civilização cristã erguida na Idade Média.

O Professor Orlando demonstrou que Plinio oculta propositalmente as verdadeiras causas deste processo, que são religiosas e doutrinárias - e por isto mesmo Plínio se recusava a tratar da questão da Missa Nova - para colocá-las principalmente em paixões desordenadas. Ou seja, Plinio pretendeu esconder a questão religiosa e em seu lugar apresentar um processo exclusivamente sociológico. A análise do Professor Orlando pode ser acessada em: https://www.montfort.org.br/conteudo/imagens/livro_rcr_pdf_completo.pdf

Na obra RCR, Plinio expõe aspectos do desenvolvimento do processo, incluindo o que ele chama de velocidades da revolução: uma de alta velocidade e outro de marcha morosa. Os revolucionários de alta velocidade são aqueles que rapidamente tiram as consequências dos princípios. Isso se passou com algumas das primeiras comunidades protestantes que rapidamente chegaram ao comunismo. Por outro lado, os revolucionários de marcha morosa são aqueles que, por alguma resistência psicológica, demoram para tirar as consequências destes mesmos princípios. Tais seriam, no caso, os países protestantes que até hoje permanecem monarquias.  

A partir desta ideia Plinio, em suas reuniões na TFP, afirmava que o processo revolucionário, para ser bem sucedido, teria que achar um meio termo entre esses dois grandes grupos. Por um lado, o processo não poderia ser muito rápido senão haveria uma ruptura entre a vanguarda e a retaguarda; por outro lado, não poderia ser muito lento, pois isto acabaria por desanimar a vanguarda que puxa e conduz todo o resto.

Não se trata de pensamentos originais ou de profunda elaboração mas parece-nos interessante apresentar essas ideias de alguém tão bem relacionado e informado.

O mesmo fenômeno foi observado pelo Papa Francisco em uma apreciação sobre o desenvolvimento do sínodo alemão. O Papa não condenou o caminho liberal da moral pregada pelo sínodo, mas recomenda que as soluções propostas para a adaptação da Igreja ao mundo moderno, como a comunhão para os divorciados, ordenação de homens casados e de mulheres etc., não devam ser determinadas pelo clero, mas sejam fruto de acordo entre todos os católicos.

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/619942-o-sinodo-alemao-contagia-toda-a-igreja-sem-que-o-papa-o-segure

E as manifestações de 7 de setembro, o que têm a ver com isto?

O jornalista Vinicius Torres Freire, secretário da redação da Folha de São Paulo e mestre em administração pública pela Universidade de Harvard comentou a respeito daqueles que estiverem presentes nas manifestações:

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2022/09/bolsonaro-corrompeu-7-de-setembro-mas-quem-leva-tanta-gente-para-a-rua.shtml:

“É um Brasil novo ou com um novo poder, feito de uma gente largada por décadas na periferia”

 Ou seja, os participantes das manifestações são pessoas que não foram consideradas pelo poder tradicional e que foram largadas por décadas. Mas foram abandonadas em que? Certamente o autor não se referia à questão econômica porque, pelo menos para a esquerda, os que lá estavam eram pessoas da classe média, portanto, com uma situação equilibrada no que se refere à renda.

Para esclarecer essa questão nosso jornalista, tão bem formado e informado, continua:

“(...) que inventou uma religião nova, um cristianismo sem novo testamento, que teme drogas; de homens com medo e/ou raiva da diversidade humana... Foi um Brasil que se formou enquanto as elites culturais de São Paulo e do Rio fantasiavam seu país de acordo com a moda intelectual alienada do momento, quando não pura besteira ideológica”.

Portanto, o povo foi abandonado pela corrente ideológica de vanguarda. Mas no que a vanguarda abandonou o povo? O que Bolsonaro prega e defende, que atraiu tanta gente?

Evidentemente nosso especialista formado e informado, da Folha, um jornal muito de vanguarda, tratou da identificação dos manifestantes com o que se chama a plataforma de costumes de Bolsonaro. Os manifestantes participam de uma religião nova, um cristianismo com os mandamentos do antigo testamento, que teme drogas e tem raiva da diversidade humana.

Os intelectuais, os artistas, os políticos, os jornalistas e tantos outros lideres da vanguarda dos costumes há anos parecem ter acreditado que o povo estava pronto para aceitar as propostas mais radicais a este respeito especialmente o que se refere a liberdade moral: o divórcio, o casamento homossexual, o controle da natalidade, a liberação das drogas, a pedofilia, a poligamia, a poliandria e tantas outras pautas ditas progressistas, principalmente a liberação do aborto.

Parecia que a pauta progressista na moral tinha sido assimilada por completo pela população. Bastava ver o sucesso de novelas onde tudo é permitido, o escândalo de programas onde as pessoas expõem suas maiores intimidades e o volume da pornografia da internet, os exemplos de artistas “bem sucedidos” que são apresentados como modelo de comportamento.

Agora, entretanto, se nota, pelas manifestações de 7 de setembro, que a revolução de alta velocidade parece ter andando rápido demais e a marcha morosa parece ter se separado, ficando para trás.

Qual foi a causa de que a marcha morosa tenha ficado tão para trás? Foi a chamada geração João Paulo II/Bento XVI que transformou as questões morais, que eram apresentadas como problemas individuais ao gosto de cada freguês, em problemas de consciência. Foram as críticas de Bento XVI ao liberalismo e ao relativismo moral. Isso equivale a dizer que voltou a se considerar essas liberalidades como pecado. Isto ocorreu especialmente em relação ao aborto, cuja condenação feita pelo Presidente Bolsonaro é a justificativa para se votar nele.

As pessoas desse grupo. Que se manifestaram no 7 de setembro, se sentem acuadas contra a mentalidade liberal moderna. De início, os liberais afirmavam que o modo de vida era uma decisão de cada pessoa, tratava-se apenas de uma opinião pessoal... Todavia, com o passar do tempo, as atitudes da nova moral foram se impondo e hoje qualquer opinião manifestada em contrário é severamente punida. Haja vista o caso de personalidades do esporte que caem em total desgraça na mídia ao fazer a menor crítica às liberdades progressistas.

Então separada, excluída e acuada pela vanguarda liberal, composta por políticos, intelectuais, artistas e jornalistas, a maioria conservadora viu na convocação do presidente Bolsonaro a chance de se manifestar e de se opor a esta verdadeira revolução, que está assumindo um caráter autoritário e violento.

João Paulo II e Bento XVI foram aqueles que apresentaram e comprovaram que os mandamentos não foram abolidos pelo novo testamento, nem muito menos, pelo Concílio Vaticano II, mas a fama ficou com Bolsonaro. Qualquer semelhança com o caso de Plinio não é mera coincidência.

Por que foi com Bolsonaro, alguém que está muito longe de ser um exemplo de moralidade católica, que esta parte da população se identificou? Parece que esse papel deveria ser desempenhado por religiosos, mas não foi isto que ocorreu. Pois bem, esta é uma nova análise que é necessária, mas fica para um próximo artigo.


    Para citar este texto:
"7 de setembro: questão de consciência"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/politica/7desetembro/
Online, 28/03/2024 às 13:37:20h