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Dois Bispos: Talleyrand e Dom Tomás Balduíno: A expoliação dos bens da Igreja em 1789 e o MST em 2003
Orlando Fedeli
Em todos os grandes movimentos revolucionários, como a Reforma, a Revolução Francesa e a Revolução Russa, fizeram-se reformas agrárias. Isso porque:
1. Essa é uma medida que está de acordo com a filosofia igualitária e anticatólica das revoluções;
2. Essa é uma tática de divisão da sociedade, lançando pobres contra ricos, trabalhadores agrícolas contra proprietários, súditos contra governantes etc.
3. A redistribuição das terras é uma tentação de cobiça para muitos. Quantos não se têm deixado seduzir dando apoio à Revolução e trocando a alma por um prato de lentilhas?
A Igreja era, nas vésperas da Revolução de 1789, a instituição mais rica da França. No decorrer dos séculos, as esmolas, as doações, os legados testamentários tinham carreado para a ordem eclesiástica, patrimônios e tesouros enormes, como sinal ínfimo de gratidão dos fiéis pelo bem infinito que a Igreja realizava.
Esta situação não era bem vista pelos precursores da Revolução. Em 1749, já um edito proibia testar em favor da Igreja.
Ao mesmo tempo corria uma propaganda de boatos e semi verdades que exageravam o montante dos bens eclesiásticos, increpavam como errada a administração deles, ou então punham sob a lente de aumento da demagogia certos abusos ou escândalos que, às vezes, realmente ocorriam por parte dos detentores desses bens.
Até o chamado Baixo-Clero, em certos lugares, acabara por formar idéias mais ou menos subversivas sobre o assunto:
“Na esfera eclesiástica, ele distinguia a pequena propriedade, isto é, a sua, que reputava sacratíssima, e a grande, isto é, a dos beneficiários de gordos dízimos, pela qual ele usaria um luto muito aliviado” (Pierre de La Gorce – Histoire Réligieuse de la Révolution Française, vol. I, p. 134). Julgavam esses curas que certas leis que começavam a propor só atingiriam os grandes “latifundiários” do Clero, só atingiriam a grande propriedade eclesiástica e não a pequena, esquecendo que a lei, antes de golpear os grandes ou pequenos proprietários, golpearia a propriedade.
Por outro lado, os Estados Gerais, que inaugurariam a Revolução ao se erigirem em Assembléia Nacional Constituinte, tinham sido convocados por Luis XVI para dar solução à crise financeira do Estado. Muito se exagerou então essa crise que, segundo o próprio Mirabeau, se poderia resolver facilmente em apenas oito dias (P. de La Gorce, op. cit., p. 135).
A tática era, pois, muito simples: com uma das mãos agitava-se o espantalho da bancarrota, da fome e de toda a desgraça, e, com a outra, apontavam-se as arcas bojudas e abarrotadas da Igreja.
Em agosto de 1789, o futuro girondino Buzot sustentou da tribuna da Assembléia que os bens eclesiásticos pertenciam à Nação.
A tese de Buzot era extremada e foi com certo alívio que alguns representantes do Clero na Assembléia vira em setembro outro deputado pedir apenas os objetos de ouro e prata das igrejas, para atender as necessidades públicas. O arcebispo de Paris, Monsenhor Juigné, subiu à tribuna para, em seu próprio nome e em nome de um grande número de seus colegas, ceder toda a prataria e alfaias não indispensáveis ao decoro do culto.
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“O golpe era esperado. O que ninguém podia prever foi a mão que o deu. A Assembléia contava muitos incrédulos, muitos ímpios: incrédulos ou ímpios inicialmente guardam silêncio; ela possuía legistas, economistas, filósofos: uns e outros, no primeiro momento, calaram-se; ela se tinha dividido em comissões e tinha particularmente um “comitê eclesiástico”: este não tinha esboçado nenhum plano. A abolição da propriedade eclesiástica promoveu-a um bispo.
“Esse bispo foi Talleyrand” (id. Ibid., p.140).
No dia 15 de outubro, ele tomou a palavra na Assembléia. Seu discurso foi muito moderado na forma. Falou “com uma curiosa dosagem de audácia, de união, de matizes, com um tom de indiferença e quase de desprendimento” (Fliche et Martin – Histoire de l’Église, v. XX, p. 48). “Foi com uma voz suave e quase acariciante, dizem as testemunhas do tempo, foi com um gesto simples e desembaraçado, admirável de bom tom, que o Prelado-gentilhomem veio dar à Igreja, da qual era um dos altos dignatários, esse golpe fatal” (Mourret – Histoire Générale de l’Église, v. VIII, p. 89).
Como se vê, era o beijo de Judas em estilo de Corte.
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Talleyrand discorreu sobre a necessidade do Estado, sobre a ineficácia dos meios preconizados para solucionar a crise, enumerou as riquezas existentes no reino, e daí passou muito naturalmente a falar de uma “operação sobre os bens eclesiásticos”. Declarou depois que esta operação era inevitável, que devia ser extensa, e acabou por afirmar o direito do Estado sobre os bens da Igreja, mediante certas condições: uma delas era que o governo cuidasse da subsistência do clero. O que sobrasse serviria para aliviar as necessidades do tesouro.
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Um bispo destoou do coro de Pastorais, escritas por essa época, a propósito da agitação que os acontecimentos políticos iam espalhando pela França. Em geral, pediam elas a pacificação dos espíritos, mas o Bispo de Tréguier falou das desgraças que estavam se abatendo sobre o país, e fez votos pela restauração do Antigo Regime. Sua Pastoral foi denunciada como contra-revolucionária, e o Bispo foi, posteriormente, processado.
Enquanto isso, religiosos, de vez em quando, iam à Assembléia para oferecer os bens de seus conventos, dos quais não poderiam ter disposto, criando assim um clima de “apoio geral” às medidas preconizadas por Talleyrand.
Na Assembléia Constituinte, poucas vozes se levantaram em defesa da Igreja, apesar de haver mais de duzentos deputados do Clero. Uma delas foi a do Abbé Maury, denunciando a moderação falaz de seus adversários: “Pretendem expropriar-nos sem expoliar-nos: mas não há morte violenta sem homicídio, nem expropriação sem usurpação” (P. de La Gorce – op. cit., p. 148).
Quando se discutira na Constituinte a questão dos dízimos, Maury dissera com muita verve aos deputados: “Fizestes notáveis progressos na conquista dos bens alheios” (Fliche et Martin – op. cit., p. 47). Talleyrand provava, com sua moção, que os progressos eram ainda maiores do que julgava o fogoso Abbé Maury.
“Tudo o que era intransigente em Maury se transformava em seus colegas eclesiásticos em apelos conciliatórios. Era com palavras muito comedidas que eles proclamavam a legitimidade do seu domínio, duplamente consagrado pelo tempo e pelos serviços prestados (...). Essa linguagem revelava um grande desejo de acomodação” (P. de La Gorce – op. cit., p. 149) Muito característico foi o discurso do Arcebispo de Aix: “O Clero – disse o Prelado – nunca recusou, nas épocas difíceis, ajudar a coisa pública. Decida a Assembléia o que ele -- o clero -- deve dar; ele se submeterá” (Pierre de La Gorce, op. cit., p. 150).
Assim, a “propriedade eclesiástica teve duas espécies de campeões (na Assembléia): Maury, que a defendeu em bloco, e os outros deputados do Clero, que não a sustentaram senão com a idéia conformada de sacrificá-la, em parte” (Pierre de La Gorce, op. cit., p. 148).
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A Revolução gosta de usar a tática do conta-gotas, nunca pedindo tudo, e sempre pedindo mais um pouco. E inoculando em suas vítimas a tola ilusão de que cedendo muito, não perderão tudo. Por isto, o decreto aprovado no dia dos mortos de 1789, não expoliava formalmente a Igreja, mas rezava que os bens eclesiásticos ficavam “à disposição da nação”.
Essa fórmula vaga dava esperanças aos tímidos, abafava o grito das consciências. Afinal, pedia-se tão pouco... E, se não cedesse agora por bem, depois talvez se perdesse tudo, diante da violência, pelo decreto, o Estado provia às necessidades do culto, à manutenção dos ministros de Deus, ao socorro dos pobres...
Ah!... Os pobres...
Quantos roubos e iniqüidades, quantas traições covardes se cometem com a desculpa hipócrita de ajudar os pobres
A lei, dizia-se para desculpar a falta de coragem de defender a Igreja, era uma simples lei de princípio, que só seria aplicada muito mais tarde, ou talvez nunca seria aplicada.
Enfim, mil escusas, mil atenuantes eram invocadas para ocultar a trágica verdade: o decreto que atentava contra a propriedade, contra a justiça, contra a Igreja, não fora devidamente combatido pelos que deviam combatê-lo. Cedia-se tão pouco...
Mas cedia-se!
E a quem?
À Revolução! Tendo-se cedido por bem, para não perder tudo de modo violento, acabar-se-ia por perder tudo, por ceder a todas as violências.
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“Viu-se então aparecer pela primeira vez uma prática política que se repetiria durante toda a Revolução. Consistia ela em obter da Assembléia votos de princípio que, parecendo destinados a uma aplicação remota, parecendo mesmo bastante inofensivos, seriam aceitos pelos elementos moderados do centro; depois, utilizar-se-ia o princípio proclamado para tirar dele, peça por peça, todas as conseqüências” (Pierre de La Gorce, op. cit., p. 152).
Foi exatamente o que se deu. Reduziu-se a Igreja ao desnudamento total, e então, nada mais havendo a roubar, pediu-se a vida dos Padres, monges e freiras. Mas tudo isso, repetimos, a conta-gotas. Cada novo decreto, isolado, parecia nada significar; somadas, porém as conseqüências de todos, resultou o efeito catastrófico que a História registra.
No dia 7 de novembro de 1789, Talleyrand pediu que o governo procedesse ao inventário dos bens da Igreja. Não logrou êxito, mas, pouco depois, outro deputado obteve um decreto que obrigou as comunidades eclesiásticas a declararem, elas mesmas, os seus bens.
No mês seguinte, puseram-se à venda, imóveis do Clero e da Coroa até atingir a soma de 400 milhões. Em janeiro de 1790, foram seqüestradas as propriedades dos titulares de benefícios eclesiásticos que residissem no Exterior.
Em fevereiro, todo beneficiado ficou obrigado a declarar seus benefícios dentro de um mês. Ao mesmo tempo, facilitou-se a renúncia dos votos religiosos solenes, e proibiram-se novas profissões. Ninguém mais poderia fazer votos religiosos perpétuos: era a condenação à morte dos conventos. Em março de 1790, mandou-se inventariar o patrimônio dos conventos masculinos.
Por fim, em abril de 1790, transferiu-se para a autoridade civil a administração dos bens da Igreja. Ao passar esta lei, declarou Tomás Lindet, o futuro bispo constitucional: “Senhores, o último golpe acaba de ser dado no clero”.
O Episcopado ergueu então sua voz, grave e entristecida, contra essa medida extrema. Era tarde demais.
Ainda em 1790, dois decretos autorizaram, e depois impuseram, a alienação geral dos bens eclesiásticos.
As exceções previstas foram pouco a pouco violadas: assim, venderam-se as propriedades das Ordens militares, os bens dos hospitais e estabelecimentos de caridade, e até os palácios episcopais...
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Que diriam, diante disso, os que, para não perder tudo, apoiaram ou não combateram, na Assembléia Constituinte, o simples decreto de princípio, nascido da moção do corrupto Bispo de Autun (Talleyrand)?
Se depusessem com lealdade ante o tribunal da História, seriam forçados a reconhecer que, sem suas capitulações, não se teria feito a Revolução.
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Hoje, diante dos avanços comunistas do MST, que fazem os Bispos da Pastoral da Terra?
Em vez de defender o direito de propriedade, abençoam as invasões de terras.
Como declarou Dom Tomás Balduíno, exige-se a expoliação das propriedades produtivas, nas áreas mais ricas, para a instalação dos chamados "Sem Terra", porque eles não aceitam terras devolutas localizadas longe dos centros mais ricos do país.
Será que Dom Tomás Balduíno conhece o décimo mandamento da Lei de Deus que declara ser pecado cobiçar as coisas alheias?
Para citar este texto:
"Dois Bispos: Talleyrand e Dom Tomás Balduíno: A expoliação dos bens da Igreja em 1789 e o MST em 2003"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/historia/talleyrand/
Online, 04/10/2024 às 18:03:58h