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O novo Código da Vinci e o velho Código Voltaire
Victor Peregrino
Foi Voltaire quem lançou a moda, há mais de 250 anos. Como adquirir fama instantânea, o aplauso unânime das rodas mundanas e ainda boas patacas, além de uma aura de grande artista, ou pensador dotado de espírito agudo e destemido, com pouco ou nenhum esforço? É muito fácil. Basta atirar lama à Igreja Católica. A fórmula nunca falha, embora já repetida milhares de vezes, com entediante monotonia, em todos os países do Ocidente, precisamente aqueles que devem sua fundação cultural à mesma Igreja Católica.
Não trataremos da teoria que explica esse fenômeno, mas é incontestável que qualquer micróbio intelectual galga instantaneamente os pináculos da glória e do reconhecimento universal se atacar a Religião Católica, por nulo que seja o mérito intrínseco de sua obra, assim como qualquer bêbado de sarjeta ganhará as primeiras páginas dos jornais se atirar com um ovo ao Presidente da República. O agressor, portanto, rouba para si a honra do agredido, apropriando-se do que de modo algum lhe pertence.
No entanto, se não há como negar ao prolífico escritor libertário e traficante de escravos François-Marie Arouet (vulgo Voltaire) talento e vivacidade mental, o mesmo não se pode dizer de suas legiões de imitadores. Ao contrário, segundo uma espécie de “lei do desbotamento intelectual”, cada vez que a fórmula é repetida, parece que a verve, a cultura e a inteligência do detrator diminuem em progressão geométrica. É como se o sucesso obtido estivesse na razão inversa do talento do autor.
Em contrapartida, para compensar a vacuidade sempre mais gritante dos novos adversários da Fé Católica, faz-se necessário um correspondente aumento do alarido da mídia, sempre unânime e ensurdecedor, enaltecendo os modernos gênios da “arte”, da “ciência” e da “cultura”.
Para garantir-lhes visibilidade ainda maior, multiplicam-se as louvaminhas de “críticos” e “especialistas”, realizam-se simpósios e seminários para debater a nova “obra-prima”, e, last but not least, galordoa-se-os com o prêmio Nobel de Literatura e troféus em festivais cinematográficos, uma vez que tais obras são sempre filmadas, para que nem os analfabetos sejam poupados.
Após o ilegível porno-estalinista José Saramago, recente ganhador dos euros do inventor da dinamite, poderíamos esperar ver o Nobel nas mãos do mais novo usuário da fórmula infalível de Voltaire, o há pouco desconhecido e atual celebridade universal Dan Brown, autor do notório best-seller milionário, “O Código Da Vinci”. O anti-mérito necessário para tanto não lhe falta, e o Nobel de Literatura seria o primeiro passo para um merecido esquecimento, destino inexorável de praticamente todos os últimos agraciados com aquela láurea.
No entanto, minha aposta é mais para um futuro Oscar da “Academia de Hollywood”, o mais cobiçado prêmio de marketing áudio-visual. Após isso, a versão cinematográfica de “O Código Da Vinci”, repetindo o faturamento editorial, será um estrondoso sucesso de bilheteria.
Explico meu ponto de vista. A comissão do Prêmio Nobel dá precedência – pelo menos nestes últimos tempos “politicamente corretos” - a pobretões sub-desenvolvidos, preferentemente os que escrevem em línguas desconhecidas do terceiro mundo, para evitar, como dizem os franceses, l’embaras du choix. É que são tantos a atacar a religião católica nas línguas cultas da Europa, que seria quase injusto preferir um deles.
Não há, é claro, contradição na premiação de Saramago. A “última flor do Lácio”, embora língua européia e culta, além de figurar entre as cinco ou seis mais faladas da terra, continua a ser “o túmulo do saber humano”. Tanto assim que praticamente ninguém, no primeiro mundo, sabe que se fala português no Brasil; ainda mais, poucos sabem que se fala português em Portugal.
Daí a escolha de Saramago, que, além de preencher os requisitos ideológicos de rigor – militante marxista e anti-católico - não corre o menor risco de ser lido no original, fora do Brasil, onde é item obrigatório dos programas de emburrecimento da escola secundária. Além disso, Saramago, pelo grau elevação de suas idéias, fez retroceder o idioma luso a uma sombria pré-história, equiparando-se, assim, a porta-voz de uma minoria étnica e cultural. Maior correção política impossível. Vê-se, assim, que o Nobel de Literatura era quase inevitável.
Já o mesmo não se dá com Dan Brown. Britânico de Exeter, embora residente na Nova Inglaterra, EUA, escreve em inglês, e assim as asneiras presentes nas suas obras não poderão ser atribuídas a erros de tradução. Também a sua incultura geral sobre o Cristianismo e a História da Idade Média, bem como seu estilo de roteirista de policiais de TV, que parecem mais aclimatados aos ares da Califórnia que aos de Exeter, ou mesmo da Nova Inglaterra, não recomendariam colocá-lo ao lado de Russel, Yeats e Shaw. Estes, tão execráveis quanto Brown em conteúdo, servem-se de um idioma elegante, e costumam ser lidos por gente que pensa. É preciso manter a fachada elitista do Prêmio Nobel.
O Oscar, por outro lado, é para o povão, que adora festas glamurosas. Aí “O Código da Vinci” estará no seu ambiente, uma vez que o filme é muito mais compatível que o livro com a paralisia do pensamento. Além disso, a história é um thriller, com seus indefectíveis assassinatos e correrias por seca e Meca, e portanto muito mais propícia a insuflar a sua mensagem ideológica, nas mentes desarmadas dos espectadores, por meio das cenas de ação do cinema, do que pelos relatos pseudo-históricos do livro.
De resto, o cinema presta-se à maravilha para explorar o “Código Voltaire”, isto é, a conspiração informal da “cultura” contra o Cristianismo. Quem se lembraria ainda do sub-mental Jean-Luc Goddard e de seus placards ideológicos filmados, sem o blasfemo “Je Vous Salue Marie”? Que seria do delirante Buñuel, e do sórdido Almodóvar, e do crasso Kazantzakis de “A Última Tentação de Cristo”, e desse facinoroso Luc Bresson, com a sua Joana D´Arc de hospício, sem o chamado “cinema de arte” e sua guerra de emboscadas contra Deus e a Igreja ? Quem daria um real por essas “obras de arte”, despojadas de seu conteúdo de mentira, escândalo e calúnia, devidamente louvado como o ”non plus ultra” da inteligência pela ensurdecedora barragem de propaganda que as cerca ?
Mas o povo, com a sua inata sanidade mental básica, não assiste a “cinema de arte”. Daí porque fatalmente o “Código Da Vinci” chegará aos cinemas populares, e depois a todas as casas por meio da “telinha”. E o que era um alinhavado de falsidades inverossímeis, à custa de ser reiterado e repetido, será aceito por milhões como verdade histórica, como vem seguidamente acontecendo.
Basta lembrar – agora na vertente teatral – os escroques intelectuais Bertolt Brecht e Rolf Hochhuth, cujas falsificações históricas “Galileo Galilei” e “O Vigário”, à custa de renovadas encenações, acabaram penetrando no consenso coletivo e até nos livros de História como fatos incontrastáveis.
“A mentira, mil vezes repetida, torna-se verdade”. A frase é de Goebbels, mas a idéia é muito mais antiga, remontando provavelmente ao próprio “Pai da Mentira”.
Ao iniciar este texto, meu intento era fazer uma resenha do livro, mas acabei enveredando para a previsão de seu inevitável destino cinematográfico. Aliás, a história já está nas telas, cercada de invencível bombardeio de propaganda publicitária, que oferece até prêmios de viagem à Europa a quem assistir à película, cujo consumo já se tornou praticamente obrigatório.
Lancei-me às quase 500 páginas do romance, em 105 capítulos, prólogo e epílogo, com certo otimismo, imaginando que – blasfêmias e heresias à parte – tratava-se, no fundo, de um policial inglês, à maneira, quem sabe, de Sherlock Holmes e o Padre Brown, ou, quando menos, de Miss Marple e Poirot.
Todavia, o estilo tosco, a simbologia primária e forçada, a cosmovisão neo-pagã estritamente convencional da New Age, e a trama inteiramente previsível, mero enfeite para a mensagem anti-cristã do livro, acabaram por entediar-me rapidamente. Pular trechos e páginas inteiras, deixando a mente vagar, constituiu inevitável derivativo de uma leitura maçadora. Na verdade, Robert Langdon, o herói do livro, doublé de professor de simbologia e detetive, passa tão longe do Padre Brown quanto Dan Brown de G. K. Chesterton.
O livro revela-se um poderoso argumento contra a alfabetização compulsória: quem fosse analfabeto ao menos pouparia as horas perdidas ao lê-lo; e o autor, se não lhe tivessem enfiado no crânio à força o ABC, não o teria escrito, poupando inúmeras árvores da injusta sorte de ser transformadas em milhões de exemplares desse best-seller, e assim contribuir para o aquecimento global.
Realmente, ainda que o enredo valesse a leitura, estaria a obra irremediavelmente contaminada por desinformações como estas:
-“As pessoas consideradas “bruxas” pela Igreja incluíam todas as professoras, sacerdotisas, ciganas, místicas, amantes da natureza, coletoras de ervas e qualquer mulher “que fosse suspeita de sintonizar-se com o mundo natural”. As parteiras também eram perseguidas e mortas por sua prática herética do uso do conhecimento médico para evitar as dores do parto .... Durante 300 anos de caça às bruxas, a Igreja queimou na fogueira a quantidade impressionante de cinco milhões de mulheres” (pág. 135).
Pronto, mais uma vez essa famigerada inquisição, de larguíssimas costas e eterno bode expiatório de todas as violências, bate um novo recorde, agora matando mais mulheres do que a peste negra, e quase o dobro do que as câmaras de gás de Hitler. É incrível que a raça humana não tenha acabado na Europa, sob o tacão misógino e homicida da Igreja Católica.
É incrível também que qualquer escritor, por mais descarada que seja a sua parcialidade, não se envergonhe de pôr no papel, não digo uma simples mentira sem sombra de fundamento, mas uma inteira coleção de mentiras inacreditáveis, por quem quer que não seja um débil mental. Pior, ainda mais impressionante é a mobilização dos meios de comunicação para divulgar tais mentiras como fatos incontestes.
O autor tira esse dado do bolso do colete como um prestidigitador tira uma carta de baralho, pouco lhe importando a informação, recentemente veiculada na imprensa, de que os tribunais da tão denegrida Inquisição espanhola não condenaram à morte, ao longo de três séculos de existência, mais de 2.500 réus (em média 8 por ano), muitos dos quais apenas foram executados em efígie. Em comparação, os regimes marxistas do século XX exterminaram em conjunto, sem julgamento nem defesa, cerca de 100.000.000 de pessoas – em média mais de 3.000 por dia (cf. o site www.hawaii.edu/powerkills), sem que isto impressione minimamente a esquerda chique e a mídia em geral, que tremem indignadas ante a palavra “inquisição”. Tampouco aparece Dan Brown algum para denunciar, em nenhum romance, este fato comprovado. Claro, a verdade não dá lucro, muito menos contra a ideologia dominante.
Pouco lhe importa, também, que a “caça às bruxas” seja antes um fenômeno da Idade Moderna e da Reforma do que da Idade Média e do Catolicismo, e que mais mulheres tenham sido queimadas como bruxas (as famosas “Bruxas de Salem”), pelos puritanos, na sua Nova Inglaterra adotiva, às vésperas do século XVIII (o chamado “Século das Luzes”), do que em toda a América Espanhola, nos trezentos anos em que esta viveu sob as “trevas da Inquisição” . Mas e daí ? “Calomniez, calomniez, toujours y restera quelque chose.”
-“... a Igreja primitiva precisou convencer o mundo de que o profeta mortal Jesus era um ser divino. Portanto, quaisquer evangelhos que descrevessem aspectos terrenos da vida de Jesus precisavam ser omitidos da Bíblia. Infelizmente, para os primeiros editores, um tema terreno particularmente perigoso vivia aparecendo nos Evangelhos, Maria Madalena..... Mais especificamente, o casamento dela com Jesus Cristo” (pág. 261).
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-“O Evangelho de Felipe é sempre um bom ponto de partida. Sophie leu o trecho: ´E a companheira do Salvador é Maria Madalena. Cristo amava-a mais do que todos os discípulos e costumava beijá-la com freqüência na boca. O restante dos discípulos ofendia-se com isso e expressava sua desaprovação. Diziam a Ele: ´Por que tu a amas mais do que a nós todos?” (pág. 263).
Bem, eis aí o núcleo da história. Jesus era casado com Maria Madalena. Todo mundo saberia disso, mas os discípulos, curiosamente, estranhavam que Ele a preferisse a eles todos. Mas não acaba por aí. A Igreja, desde os seus primeiros dias, como odiava as mulheres, teria banido a esposa de Jesus dos Evangelhos, falsificando-os e mentindo durante 2000 anos. Chega, ou querem mais ?
Há mais. Jesus não morreu na cruz, mas fugiu com Maria Madalena para a Gália, onde gerou progênie que deu origem à “linhagem sagrada”, da qual descenderia a primeira família real francesa, a dinastia merovíngia. A isso tudo, a Igreja, sempre na dela, perpetuando a mentira do cristianismo.
Ao mesmo tempo, uma seita secreta, denominada “Priorado de Sião”, conectada aos Templários, aos rosacruzes e à maçonaria, à qual pertenceram o alquimista Nicolas Flamel, Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Victor Hugo, Claude Debussy, Jean Cocteau, et caterva, com a possível exceção de Batman, conhecia e transmitia o segredo e protegia a “linhagem divina”, à espera da oportunidade de desmascarar e destruir a Igreja, preparando a segunda vinda do Messias. Chega, ou querem mais ?
O mais é o entrecho do romance policial. Um curador do Museu do Louvre é assassinado. O herói e sua preciosa auxiliar Sophie Neveu, criptógrafa, passam a seguir as pistas deixadas pelo próprio morto, que os levam, de charada em charada, a descobrir toda a conspiração católica, urdida pela Igreja desde o Concílio de Nicéia, para apresentar Cristo como Deus e oprimir o sexo feminino.
Papel fundamental na decifração do mistério representam as obras do “irmão” Leonardo Da Vinci, em especial a sua conhecida “Santa Ceia”, que apresenta claramente Madalena como esposa do Senhor. Ela é, no quadro, a figura confundida com São João Evangelista, sugestivamente feminina, e que representa o “Graal” da Ceia, ausente da mesa. Sua condição de esposa do Mestre é denunciada pelas cores complementares das vestes de ambos, e pela letra “M” (de “Madalena”, ou “matrimonio”), formada pelo posicionamento do casal no quadro. Só resta assinalar que o inegável simbolismo cabalístico de Da Vinci bem que merecia intérprete mais qualificado que o sr. Brown.
Há ainda mais, em especial um fanático representante da “sinistra” Opus Dei, entidade que, no modesto (modestíssimo, aliás) entendimento de Brown, representa a epítome do reacionarismo eclesiástico, e cujos membros, segundo o romance, deliciam-se com a autoflagelação, o consumo de mescalina e o voyeurismo sexual. Certamente ele tem algo a ver com o assassinato, mas esse é um mistério que deixarei por resolver, já que isto é o que menos importa no livro.
Em suma, para concluir a resenha, “O Código da Vinci” não passa de um “O Nome da Rosa” para o nível intelectual dos leitores de Harry Potter. O paralelo com este último não é meu, mas do próprio editor brasileiro da obra.
No mais, tenho apenas um conselho a dar. Adira à Campanha Ecológica da Montfort: Se você ainda não comprou “O Código da Vinci”, não compre: o papel das futuras edições será muito mais útil em forma de árvore; se já comprou, doe-o para reciclagem: não pode haver destino mais nobre para a literatura de Dan Brown do que a polpa de celulose. Poupe sua mente e a atmosfera do danoso “efeito estufa”.
Por fim, não esperem de mim uma resenha do filme. Também a minha mente merece ser poupada.
Para citar este texto:
"O novo Código da Vinci e o velho Código Voltaire"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/codigovoltaire/
Online, 05/12/2024 às 22:33:59h