Crônicas

"Aggiornamento urbano" em Roma
Marcelo Fedeli


Poucos dias após retornar de Roma, onde fora assistir à celebração do Santo Sacrifício da Missa na Basílica de Santa Maria Maggiore, conforme o rito tridentino, tive mais um curioso sonho que resolvi registrar.

Evidentemente, o que sonhei estava ligado aos esplêndidos dias primaveris que passara na Cidade Eterna, visitando igrejas, monumentos e ruínas, passando por pontes, vias, vielas e piazzetas, sempre com suas borbulhantes fontes refrescando a vista e acariciando o ouvido.

Pois bem! Voltei!... E dias após, sonhei!

Sonhei que um Prefeito de Roma, recém eleito, concebeu um grande e revolucionário projeto: adaptar a cidade Eterna à modernidade! ... Para isso, pensou em convocar todos os administradores regionais da grande Roma em reunião magna e, através dela, impor seu objetivo final: “dar a Roma um novo e moderno visual!”.

A tarefa, porém, não era simples. Roma estabelecera seus fundamentos no profundo solo da Antigüidade, arejado desde tempos imemoriais pelos canais subterrâneos das catacumbas. Depois, Roma abriu agradáveis e acolhedoras praças e “piazzetas”, ergueu igrejas e basílicas, ao lado das ruínas de antigos monumentos pagãos. E tudo isso em meio a ruelas nada cartesianas, ladeadas de majestosos edifícios, cujo equilíbrio de linhas encanta a razão, e cujo ocre descansa a vista do peregrino. Sem contar com seus pequenos e acolhedores restaurantes, que permeiam em suas intrincadas vielas, não só alimentando o corpo, mas alegrando, e muito, a alma do romeiro, que por lá passa e observa, pensa e repousa. Tudo isso faz de Roma a Cidade Eterna: uma grande e perene unidade envolvendo tão explêndida variedade, que um escritor estrangeiro, fixado em Roma, assim escreveu a um amigo no longínquo 1838: “A novidade não tem lugar em Roma, mas aqui ninguém consegue entediar-se!” Assim, o projeto do novo Prefeito de Roma era, sob todas os aspectos, incrivelmente ousado.

Além disso, havia o “Juramento”, o solene e sério “Juramento”, proferido publicamente por todos os prefeitos na cerimônia de posse do município da Cidade Eterna, em que o recém eleito prometia: “Não diminuir ou mudar nada daquilo que encontrei conservado pelos meus probatíssimos antecessores e de não admitir qualquer novidade, mas de conservar e de venerar com fervor, como seu verdadeiro discípulo e sucessor, com todas as minhas forças e com todo empenho, tudo aquilo que me foi transmitido”. Dessa forma, cada Prefeito só podia acrescentar algo a urbs, desde que respeitados aqueles eternos fundamentos, sem jamais alterá-los ou colocá-los em risco.

Por isso, seu projeto permaneceu por um tempo como ‘top secret’. Da sua íntima roda de colaboradores, poucos tiveram conhecimento imediato da sua intenção. Ele precisava agir com cautela, com muita cautela e perspicácia. E assim o fez!

Astucioso como era, decidiu inicialmente contornar, e não enfrentar, a provável resistência de alguns administradores, que certamente se oporiam ao seu projeto, pois, na sua essência, este até já havia sido proscrito no passado por famoso e santo Prefeito. Decidiu apresentar seu plano gradativamente, visando ganhar pouco a pouco a confiança dos resistentes. E, assim, foi feito!

Primeiramente reuniu todos os administradores da urbs e, em comunicado surpresa, apresentou-lhes seu moderno plano. Preparou, para isso, um hábil discurso visando conquistar especialmente o apoio dos seus previsíveis oponentes, que pretendiam manter o urbanismo da cidade Eterna como ele sempre fora, na sua milenar existência. Assim, com naturalidade, falando da urbs, criticou o “abuso e o compromisso de liberdade que muitos dos modernos dirigentes e cidadãos romanos manifestavam”, e que, com falsos argumentos, pretendiam “iludir os verdadeiros defensores de Roma e levá-la à ruína!...”.

Tendo em vista, porém, seu conhecido passado pendente à modernidade, essa linguagem parecia um pouco estranha, principalmente ao criticar “o relaxamento da antiga disciplina e da boa ordem antiga, com grave prejuízo daquilo que constituiu a força e a resistência de Roma e dos seus filhos às novidades, que sempre trouxeram divisões funestas e fatais colocando em perigo a própria urbs!...” Mas, para alinhar seus oponentes ao seu projeto, ele precisava apresentar como sua, a visão que eles tinham de Roma.

Isto posto, ele apresentou solene e decididamente sua idéia inicial: “Meus veneráveis auxiliares! Pronuncio diante de vós, tremendo de emoção, mas resoluto, o nome e a proposta de dupla convocação: a da “parva reunione”, envolvendo “ os administradores estritamente urbanos, e outra, da “magna reunione” incluindo todos os administradores da “grande Roma”, para solucionar de vez o que emperra e impede o progresso da cidade Eterna.

Finalizou seu discurso com um “amável e renovado convite aos nossos irmãos de outras urbs a participarem desta nossa reunião fraterna, na procura de soluções comuns!”.

No decorrer daquele ano foi enviado a todos os administradores da grande Roma um questionário, cuja finalidade era de levantar os principais problemas que deveriam ser discutidos, conforme suas apreensões.

Foi uma catástrofe: a Prefeitura recebeu sugestões tão diversas e tão conservadoras, que impediu o Prefeito a seguir naquele rumo. Bem democraticamente, como se considerava, resolveu então criar comissões lideradas pelos seus auxiliares mais próximos para decidir o que seria discutido na “magna reunione”.

Enquanto tudo isso ocorria, o Prefeito, para demonstrar ainda mais sua forte ligação à tradição da cidade, publicou um documento-decreto defendendo a manutenção e o estudo mais aprofundado da língua falada nas cerimônias e celebrações oficiais da Prefeitura: o romano, o solene e nobre romano, que alguns queriam substituir por língua vulgar, mais acessível a todos, como diziam.

Esse alinhamento à causa do Prefeito da parte dos seus opositores foi engrossado quando da realização da “parva reunione”: foram concluídos 755 artigos, lidos em voz alta, sem discussões nem debates, mostrando a “boa vontade de todos”. As conclusões da “parva reunione” deixaram os potenciais opositores do Prefeito tranqüilos, pois julgaram controlada a onda de modernidade que poderia irromper quando da futura “magna reunione”. Assim, um daqueles artigos, por exemplo, determinava que todos os funcionários da Prefeituradeveriam manter seus uniformes tradicionais de sempre, de acordo com seu status, que os distinguia tanto entre si, como dos demais cidadãos romanos”.

Essa “parva reunião”, antecessora da “magna”, deixou perplexos e consternados muitos dos administradores da linha do Prefeito, que esperavam medidas mais avançadas. Parecia ter soado para eles o fim das suas esperanças. Porém, essas medidas e decretos, na realidade, nunca foram impostos; praticamente foram superados ou totalmente ignorados no mesmo dia da sua solene proclamação, a começar pelo próprio desinteresse do Prefeito, que deles se serviu somente para acalmar os ânimos das hostes inimigas.

Estas, uma vez acalmadas, esmoreceram na vigilância e adormeceram em seus parcos louros de vitória. Enquanto isso, a ala do Prefeito se preparava, à surdina, para a “grande reunião”, cujas medidas, inexoravelmente, anulariam também às da “pequena reunião”. E, nessa linha, contavam com uma série de sinais e declarações do próprio Prefeito, como por exemplo: “precisamos abrir novas ruas e avenidas nesta cidade, não só para que sejam mais arejadas pelos ventos das novidades, mas também para tornar sua arquitetura e urbanismo, mais racionais aos cidadãos do nosso tempo!...” Ou, então: “Não quero ser Prefeito e nem guarda de velharias de museu!...” ao tempo em que afirmava que nada do passado romano seria mudado, que a “magna reunião, ao contrário das outras 20 que a haviam precedido, não fora convocada para declarar solenes definições, mas somente para disciplinar os cidadãos da Cidade Eterna quanto a questões práticas indicadas pelo sopro dos novos tempos, fundamentadas na experiência dos homens de hoje”.

E a “magna reunião” realizou-se!

Eu, como qualquer outro cidadão do mundo ligado só – diria – espiritualmente a Roma, acompanhava, de quando em quando pelo noticiário, o desenrolar daquela “magna reunião”, sem saber exatamente o que nela era proposto e discutido, ou imposto e aprovado. Lembrei-me de ter lido, certa ocasião, na “Voz da Liberdade”, jornal de Caruaru, e em letras garrafais: “A Magna Reunião decide: Roma será uma cidade igual às outras”. E, com comentários elogiosos àquela estranha decisão, dizia o texto: “Roma não quer mais ser diferente das demais urbs do mundo. Em nome da igualdade e da dignidade das demais cidades do planeta, Roma não quer mais ser considerada como o centro do mundo. Para isso Roma irá renunciar até do seu qualificado único: Cidade Eterna”. E o artigo se encerrava com incensos e louvores à “Magna Reunião”. Tempos depois, li no famoso jornal “Luz e Intelecto”, também em letras garrafais: “Magna Reunião de Roma decide: liberdade para todas as correntes de pensamento e de consciência, mesmo às mais adversas a Urbs, que até visavam a sua destruição...” sempre em nome da liberdade e da fraternidade, novas colunas da futura Roma e da civilização do amor, a ser construída no III milênio”, concluía o comentário daquele luminoso jornal.

Assim fiquei, como a maioria das pessoas, somente com uma nebulosa noção de algumas conclusões daquela “Magna reunião” transmitidas sempre elogiosamente pela imprensa, descortinado aos homens de boa vontade um porvir jamais visto e muito menos vivido pela humanidade, a partir de então, indiscriminadamente denominada “Povo de Roma”.

E eis que passados quarenta anos daquela reunião, tive que retornar a ainda chamada, para mim, Cidade Eterna... (Coisas de sonho!..).

A lembrança desses fatos, a caminho da Estação Roma Termini, aguçou minha curiosidade: como terá ficado a Velha Cidade após a adaptação à modernidade?... Lembrei-me ainda de Mons.V. D. Bene, funcionário do Vaticano, velho conhecido de outros sonhos, que, àquela hora, certamente já se encontrava à minha espera, avisado que fora da minha chegada. Lembrei-me também que, chegando à estação, precisava comprar um bendito remédio, que -- hélas! esquecera de levar. Meu Deus!... O remédio!...

O rugir cada vez mais forte dos freios do trem e a desordenada movimentação interna de “pegar malas” me avisaram que estava chegando.

Cheguei!...

Ah.. o remédio!... Como encontrar a farmácia na Roma Termini?...

Com essa preocupação, encaminhei-me em direção ao amplo salão da estação, tentando ver uma farmácia, um guarda, ou um funcionário qualquer que me a indicasse.

Em vão!...

Não distinguia guarda e funcionário algum em meio à multidão!...

Desolado, no centro do salão, exclamei em italiano: “Será possível que não vejo aqui um guarda ou um funcionário?...” Para minha surpresa, um senhor ao meu lado, calçando tênis, vestindo bermudão semi-encoberto por colorido e festivo camisolão, boné invertido na cabeça, potente ray-ban escondendo os olhos, respondeu-me: “Ecco! Sono il poliziotto!...” Enquanto me acompanhava à farmácia, para acalmar meu estupor, ele foi me explicando: “Depois da ‘Magna Reunião’ todos os policiais e funcionários da Prefeitura de Roma se consideram pessoas comuns, iguais a todos os cidadãos. Assim, nos vestimos como todos. Nada de distinção!... Além disso, aquela farda e uniforme criavam uma certa barreira entre nós e o povo... Eis a farmácia!... Arrivederci!...” .

De posse do bendito remédio, me dirigi novamente ao vasto salão à procura do meu caro Monsignore. E eis que, para minha alegria e consolo, imediatamente o distingo à distância, com sua respeitosa batina preta, faixa e barrete vermelhos, sobressaindo-se da mesmice daquela multidão!...

Depois de beijar o seu anel Episcopal, ajoelhado, pedindo-lhe a benção (coisas de sonho!..) saímos trocando mil perguntas sobre isto e aquilo.

À saída, outra surpresa: o asfalto!... Sim, o asfalto cobrindo todo o piso da Piazza dei Cinquecento e das ruas que dela saem!... Perguntei-lhe o que era das pedras, daquelas escuras e lisas pedras que revestiam o solo de toda Roma, tão lisas e escuras que, às vezes, pareciam até ligeiramente molhadas.

«Ah!... você se lembrou delas!... Estão ainda aí, sob o negro e opaco asfalto!... Lembrou que a “Magna Reunião” afirmou que iria modernizar somente a ‘casca’, a ‘superfície’ de Roma, mantendo, porém, o mesmo ‘fundo’?.. Pois bem!... Assim foi feito!.. Os reformistas da Prefeitura dizem que o fundo’ de Roma é o mesmo de sempre...e ainda se vangloriam da ‘superfície’ por ser asfalto ecológico!..»

“Monsignore, pelo amor de Deus!... depois do ‘novo guarda’ e do ‘asfalto ecológico’”, disse-lhe, “preciso urgentemente tomar meu remédio. Vamos a um café!”.

Lá, com o café, além do remédio, tentei engolir meu estupor, na agradável companhia de Monsignore, sempre tão solícito em responder às minhas questões. E, enquanto ele explicava, notei, através de janela entre aberta, Roma um tanto vazia.

“Monsenhor, uma curiosidade: Roma está mais vazia, ou é só impressão minha?”..

«Ah!... Infelizmente, é a realidade!... Roma está cada vez mais vazia!... É o que vimos notando a partir da famosa “Magna Reunião”!... Ano a ano, e num ritmo cada vez mais acelerado, os romanos estão deixando Roma, dirigindo-se para o primeiro vilarejo que lhes acene qualquer promessa aos seus anseios cívicos ou biológicos. E quantos vilarejos surgiram e continuam surgindo diariamente nestes últimos quarenta anos, esvaziando Roma!... Quantos edifícios públicos, da própria Prefeitura, abandonados, foram alugados ou vendidos para redes de restaurantes, cinemas, bingos... O povo foge, pois não encontra mais ordem, diretivas, objetivos... Depois da “Magna Reunião” posso lhe dizer, meu caro, por paradoxal que pareça, que “vale tudo” em Roma, exceto o que era romano!... Ainda bem que o Vaticano ficou fora dessa “Nova Ordem” que, na realidade, só trouxe desordem e rebeldia a Roma».

A caminho do Hotel, próximo da Basílica de Santa Maria Maggiore, onde se encontra o corpo de S. Pio V, outra surpresa: do interior de um novo edifício de linhas modernas, cuja arquitetura nada revelava da sua finalidade, saía uma confusa gritaria, entremeada com toques de guitarra, bateria, e urros, tipo ‘Hô! Hô! Hô’!... Antecipando-se à minha pergunta, Monsignore adiantou:

«É outra ‘novidade’ de Roma, imposta logo após a “Magna Reunião”, disse-me. «Hoje é feriado Municipal, dia sagrado para Prefeitura Romana!... Comemora-se o “Dia do Ausente!”... E, em todos os feriados, a Prefeitura celebra a sua cerimônia cívica fundamental, para incrementar o amor, a fraternidade e a partilha na comunidade, visando vencer os novos desafios dos nossos tempos, dizem eles. É uma cerimônia antiga, agora totalmente reformada, para maior participação da assembléia, afirmam. E, para essa reforma, foram chamados até alguns representantes, se não me engano seis, de outras cidades que, antigamente, protestavam contra Roma. Essa cerimônia tinha uma regra fixa. Agora, apesar de certo roteiro, cada representante público que a preside, acaba criando novidades a seu bel prazer. Mesmo assim, também essa cerimônia está se esvaziando cada vez mais... Esses gritos e urros que ouvimos, fazem parte, dizem, da proclamação popular...»

Prosseguimos caminhando por ruas outrora familiares, agora muito estranhas, e mais uma surpresa: um vasto edifício, com fachada multicolorida, ocupava toda uma quadra... Diante do meu espanto, disse-me Monsignore:

«É o Palazzo Santo Egidio!...»

“Palazzo Santo Egidio???... para mim lembra mais um recanto de sobradões colados da simpática La Recoletta ou La Boca, de mi Buenos Aires querido, tantas são as cores... mas que, aqui, quebraram a unidade do antigo e majestoso Palazzo ocre, a cor de sempre de Roma”.

«Pois é, meu caro!... Neste caso a simpática e colorida La Boca foi a inspiradora dessa obra-prima da Prefeitura, no seu afã de tornar Roma igual às outras cidades. Para isso, ela vem introduzindo na sua fisionomia tudo o que é característico de outras urbs... sempre, claro, como dizem, alterando a ‘casca” mas, mantendo o ‘recheio’. E há mais!... há muito mais!... A Piazza Navona, por exemplo, está sendo transformada em Piazza Cairo, com três pequenas pirâmides!.. mas só na ‘casca’!... Discutem, ainda, se lá se coloca um ou dois camelos!... Se você olhar agora Roma do alto, você verá de tudo... exceto de Roma».

“Camelos???... na Piazza Navona???.. Deus meu!...” exclamei!

E, com aquela sua costumeira pontinha de sarcasmo, também minha velha conhecida de outros sonhos, segurando-me pelo braço e inclinando confidentemente a cabeça em meu ombro, sussurrou-me:

«Lá no Vaticano, sabe, no nosso jargão, costuma-se dizer que a “Magna Reunião” tenta fazer de Roma a “Cidade Ecumênica”... tamanho é o conjunto de retalhos de todas as partes que vêm sendo solenemente introduzidos na paisagem romana, cada um como se fosse um novo troféu!...como se Roma precisasse de ‘novos’ troféus!.. Você percebe melhor, agora, o porquê do esvaziamento da Eterna Urbs?... Roma, agora, aceita tudo o que é de fora. Só não aceita o que era de Roma!... Mas, não podemos falar isso a determinados funcionários: de melífluos, se transformam em feras!... Contudo restam ainda alguns administradores que não concordam com essa situação, notando uma série de erros e de abusos atualmente praticados, porém sem claramente lhes apontar a causa fundamental. Todavia, sabemos — e o que o Vaticano não sabe!... — que, entre eles, há os que indicam diretamente a “Magna Reunião” na raiz dessa situação. Reservadamente, porém, afirmam que, pretendendo reunir tudo e a todos que se encontravam fora de Roma, a “Grande Reunião” acabou desunindo os próprios romanos, sem realmente reunir nada e a ninguém!... e que, embora nada e a ninguém quisesse condenar, a nova Roma, acabou realmente condenando só o seu passado romano!... Parece que a Prefeitura passa agora por uma divisão profunda. Alguns temem até o que poderá ocorrer na eleição do próximo Prefeito!...Veremos!...E, meu caro, que isto fique entre nós!»

Eu só acreditava no que ouvia, porque, como S. Tomé, via e tocava as “chagas” da ‘Nova Roma’ concretamente diante dos meus olhos!... Lamentando internamente aquela situação, perguntei-lhe:

“Mas, Monsignore, não haveria ninguém aqui em Roma, ou mesmo lá no Vaticano, que pudesse mostrar ao Prefeito e às autoridades romanas, a tragédia dessa situação?... Que, tratando-se especificamente de Roma, a ‘forma’ confunde-se com o ‘fundo’ e que, portanto, alterando-se a ‘forma’, altera-se o ‘fundo’?”

«Difícil!... muito difícil!... pois, a espinha dorsal dessa nova mentalidade de Roma, injetada pela “Magna Reunione”, fundamenta-se justamente no conceito de que todas as urbs do mundo possuem germens do romanismo, infundidos pela própria natureza, e que, portanto, Roma precisa absorvê-los, do jeito que são, sem modificá-los, para construir a “nova grande Roma”, abrangendo toda a humanidade. Nós, lá no Vaticano”, concluiu confidentemente, segurando-me pelo braço, sorrindo e baixando a voz, “chamamos a essa nova mentalidade de ‘Nova Teologia’!»...

Diante do meu silêncio resignado, prosseguiu Monsignore, como que para me consolar.

«Contudo, de um tempo para cá, parece que as coisas começaram a mudar um pouco. Para que você tenha uma idéia melhor da situação, fique sabendo que, ao lado de forte corrente na Prefeitura, apoiada por iluminados intelectuais de boa vontade, que pretende realizar outra “Magna Reunione” para aplicar, não só o que resta ainda no ‘ar’ da reunião anterior, mas aprofundá-la, há outra um tanto quanto contrária. O Prefeito atual, e alguns dos seus colaboradores, fazem parte desta última. No momento, é bom que se diga, o Prefeito vem tentando frear o avanço à modernidade de Roma, indicando um certo ‘retorno’, especialmente quanto aos costumes e quanto àquela cerimônia oficial dos dias feriados de que falei. Mas, é preciso esperar com paciência, como disse recentemente um dos seus íntimos auxiliares. Assim, pacientemente, esperemos»!

Do alto de um campanário, um sino despertou um bando de pombos e a mim, ainda sussurrando o último conselho do meu caro Monsignore!...

“Assim, esperemos!”...

Marcelo Fedeli
No dia de Corpus Christi de Junho de 2004.


    Para citar este texto:
""Aggiornamento urbano" em Roma"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/aggiornamento/
Online, 29/03/2024 às 10:23:26h