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Doutrina e Arte
H. Wyndisch
O comum das pessoas pensa que a arte tem por objetivo apenas agradar. Se lhes for dito que as obra artísticas podem ser, e são, potentes meios de difusão de idéias, elas, surpresas, duvidam. E é este "estado de inocência ideológica" que facilita sobremaneira a assimilação de falsos sistemas religiosos, filosóficos e ideológicos através da arte.
A arte moderna, com sua sistemática deformação da realidade criada por Deus, é, na verdade, uma afloração do demoníaco (cfr. SEDLMAYER, H. - L’art du démoniaque ou Le démonie de l’art). O ódio que ela manifesta às criaturas tais quais Deus as fez resulta de ódio mais profundo: o ódio a Deus Criador, o ódio ao ser. A arte moderna é uma revolta contra todas as leis estéticas e até contra a ordem metafísica. Ora, revolta e ódio metafísicos são elementos essenciais da Gnose, a grande mentira subjacente a todas as heresias.
Gnose significa conhecimento. Mas não um conhecimento qualquer e sim o pretenso conhecimento do incognoscível, isto é, de Deus. Um conhecimento irracional que salvaria o deus, que é o homem, das três prisões que o detém: a matéria, a moral e a razão.
Segundo a Gnose, a divindade não seria ser, mas sim não-ser, fluxo perpétuo determinado pelo choque dialético dos princípios opostos que a compõem. A evolução dialética da divindade teria produzido emanações e uma dessas emanações teria criado o universo, aprisionando na matéria os éons divinos.
Assim, dentro de cada ser haveria uma partícula da divindade. Para manter essas partículas presas no universo material, o demiurgo criador - verdadeiro deus do mal - teria imposto o decálogo. Além disso, criando um mundo racional e dando inteligência ao homem, leva-lo-ia a supor este mundo lógico e bom e a não desejar sair dele para retornar à divindade inicial.
Eis algumas das idéias fundamentais da gnose:
1o ) A divindade está presa no universo. O infinito está contido no finito.
2o ) Evolucionismo dialético. Tudo se transforma pelo choque dos princípios contrários e iguais, componentes de todo ser.
3o ) Dualismo. Bem e Mal, Luz e Trevas, Belo e Feio, Matéria e Espírito são pólos opostos e idênticos, constituintes de toda realidade.
4o ) Igualitarismo radical. No fundo todas as coisas são uma só: a divindade
5o ) Relativismo. Nada tem valor estável.
6o ) "Analogismo". O mundo criado pelo demiurgo é a caricatura do pléroma divino ( conjunto das emanações da divindade). A realidade inferior é imagem invertida, como num espelho deformador, da realidade divina.
7o ) Magia. As leis que governam o mundo são ilusórias. As verdadeiras leis são as que regem secretamente as relações das partículas divinas imersas no mundo material.
Haveria bem mais a dizer sobre a gnose, mas queremos limitarmo-nos a estas características, pois são as que transparecem claramente nas obras do gravador holandês M. C. Escher (1898-1972), um dos artistas mais intrigantes de nosso tempo.
Baseando-se no estudo dos mosaicos árabes e nas teorias da cristalografia, Escher criou imagens de um mundo fantástico e paradoxal.
Não trataremos de analisar o valor técnico da obra desse artista e sim como ela expõe uma concepção gnóstica do universo.
A primeira nota a salientar é a preocupação de Escher em mostrar que o infinito está contido no finito. Ele o faz representando figuras iguais que vão diminuindo de tamanho do centro para a periferia de um círculo ou vice-versa.
Escher vê o universo finito não só como uma prisão do infinito, mas também como algo isento de espaços vazios. Tudo é ocupado por formas. Tudo é feito de anjos e demônios, bem e mal, luz e trevas. No mundo concebido por Escher, as figuras se completam, tendo o mesmo valor gráfico e, evidentemente, o mesmo valor simbólico. O bem equivalente ao mal, a luz às trevas. Tudo tem o mesmo valor metafísico. À medida em que se caminha para a borda do círculo, há a tendência para eliminar totalmente a distinção de elementos, sugerindo uma síntese unificadora dos anjos e demônios, do bem e do mal, da luz e das trevas. Fica bem clara, portanto, a mensagem gnóstico-dualista do autor.
Outra idéia fundamental da gnose presente na obra do artista é a dialética, ou seja, a equivalência dos contrários. Escher simboliza essa idéia não só igualando anjos e demônios, como também equiparando o superior ao inferior, o interior ao exterior, o dia à noite, a vida à morte, o sonho à realidade, o subir ao descer.
Deste modo, Escher se torna uma espécie de Zenon da gravura. Suas obras são autênticos sofismas visuais, onde artifícios de perspectiva criam ilusões óticas em que os contrários parecem igualar-se. Exemplo impressionante é a obra "Queda d’água", na qual a água, correndo sempre para baixo, acaba "subindo" para despencar de novo de grande altura, numa espécie de moto-perpétuo enganador.
Tudo isso conduz ao relativismo total, que Escher representa na obra "Subindo e descendo", na qual monges sobem e descem escadas intermináveis, que chegam todas sempre ao mesmo ponto.
A idéia gnóstica de que o mundo criado é uma imagem invertida do mundo do pléroma divino foi simbolizada por muitos autores através do espelho. Escher retoma esse símbolo com uma habilidade extraordinária.
Para a gnose, o mundo criado pelo demiurgo está em constante evolução dialética. Uma metamorfose universal faz com que os seres passem do mundo inanimado para o animado, deste para o racional e para o divino. Também ao tema da metamorfose, Escher dedicou várias obras.
Finalmente o sentido gnóstico, e portanto anti-católico, desse artista, fica evidente na obra em que corpos mumificados de padres têm sob os pés o dístico: " Ite, missa est". "Ide, a missa acabou", insinuando o fim da religião católica. Quão trágica se torna essa frase da liturgia da missa tradicional, se contemplamos o estado catastrófico da religião em nossos dias ...
Para citar este texto:
"Doutrina e Arte"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/arte/doutrina/
Online, 05/12/2024 às 23:09:18h