Política e Sociedade

Eleições 2018
PERGUNTA
Nome:
Leandro Vieira
Enviada em:
06/08/2018
Local:
Brasil
Religião:
Católica

Olá, amigos da Montfort. Salve Maria!

Gostaria pedir-vos uma reflexão a respeito da situação política em que se encontram os católicos brasileiros atualmente. Pois, de acordo com as redes sociais, o único candidato em que os conservadores parecem querer votar, embora a maioria deles conscientes de seus defeitos pessoais, é no polêmico Deputado Jair Messias Bolsonaro.

Entre os eleitores do "Bolsomito", parece haver um relativo consenso segundo o qual ele defende certos valores cristãos solenemente ignorados ou até mesmo combatidos pelos demais candidatos. Fora isso, segundo outros, ele é o "menos pior" dos candidatos para se eleger nas atuais circunstâncias.

Numa situação como esta, o que valeria mais para um católico: votar conforme o referido "consenso", ou anular o voto?

Prof. Me. Leandro Vieira 
RESPOSTA
 Prezado Leandro

Salve Maria!

Sua carta é muito oportuna porque em diversos locais onde comparecemos para reuniões e palestras a pergunta que você nos apresenta é repetida.

A questão que você levanta é bem concreta e para uma ocasião específica: a quem se deve dar o voto nas próximas eleições presidenciais.

Para decidir o que fazer nesta situação concreta é necessário antes de tudo analisarmos os princípios que devem ser aplicados a esta questão.

Em primeiro lugar é necessário ter claro que o principal problema do Brasil e do mundo em geral é religioso e moral. Assim, é necessário destacar que nenhum candidato, ainda que fossem poucas as críticas que pudessem a ele serem feitas, resolveria os graves e fundamentais problemas de nossa época e mais especificamente a situação em que o Brasil se encontra. Portanto, os católicos não devem ter esperança que um presidente da república resolva as questões que são fundamentais para os católicos.

Nunca na história se produziu tanta riqueza material como em nossos dias, jamais houve uma época tão criminosa como a nossa.

A mentalidade moderna é fruto de um pensamento errado que coloca o homem como ponto central tirando o lugar que é devido a Deus. Não há político que possa resolver essa questão. A condução da sociedade para uma situação melhor será feita por um alguém ligado a religião católica, possivelmente por um Papa ou por uma outra grande autoridade religiosa.

Colocar Deus no centro da vida social não será feito simplesmente com uma organização melhor da economia ou das relações de trabalho, mas sim, por uma renovação religiosa que só pode ser obtida por graças especiais concedidas por Nosso Senhor, e para que estas graças nos sejam concedidas são necessárias muitas orações e muitos sacrifícios. Essas orações e sacrifícios estão presentes na Missa Tridentina e, portanto, somente com ela é que se poderá restaurar a civilização cristã. E mesmo assim, não será o reino de Cristo na terra. Assim como os pobres, também os pecadores sempre existirão. O Reinado de Nosso Senhor não é uma a implantação de uma Utopia.

Qual deveria ser o pensamento de um católico se um casal da chamada segunda união se encontrasse em dificuldades financeiras e por esta razão estivesse para se separar e, nesta situação, um daqueles que participasse desta união arrumasse um bom trabalho ou ganhasse muito dinheiro em um concurso e as condições materiais melhorassem e o casal voltasse a ficar unido?  A melhoria nas condições materiais seria boa ou ruim? É claro que qualquer católico deveria dizer que no caso concreto essa melhora teria sido ruim, é claro que todos os relativistas e materialistas diriam que isso seria bom. Ou seja, aqueles que participam desta união necessitam de uma mudança moral e espiritual e não há situação material que resolva o problema delas.

Um outro ponto a ser observado é que ao contrário do que procura mostrar a propaganda o nosso voto tem pouco ou mesmo nenhum valor. Todos nós somos uma gota em um oceano e nossa capacidade de influenciar aos outros não é nada se comparada, por exemplo, aos meios de comunicação. Nossos recursos materiais também são insignificantes, para isto basta ver a quantidade de dinheiro que é gasto nas campanhas dos candidatos.

Eu não estou afirmando que nenhum voto tem valor. O que digo é que eles têm um peso muito diferente.

Dou um exemplo entre muitos. Recentemente ouvi no rádio uma notícia que os principais candidatos a Presidente da República e outros políticos colocaram em seus facebooks uma quantidade enorme de seguidores fantasmas. Ou seja, são pessoas que de fato não existem, mas são criadas na Internet por robôs. O número para cada um deles chega a centena de milhares, e em alguns casos supera a um milhão. É claro que isto produz uma verdadeira onda de divulgação na Internet. Como comparar o poder de alguém que tem essa possibilidade e um voto como o nosso?

Aqui também é preciso lembrar que vivemos em uma democracia liberal, ou seja, um sistema em que se considera que a verdade e o bem não existem objetivamente mas são fruto da maioria. É a democracia liberal que nos dá a ilusão que somos todos iguais e o voto de cada um deve ter o mesmo valor. Em um sistema como este a escolha através do voto só pode conduzir a seguidos desastres. Um presidente digno é uma rara exceção e não a regra. A regra é eleger aqueles que sabem se auto-elogiar. Isto não é digno de um bom católico.

Precisamos também analisar o que seria um bom candidato. Ao fazermos uma comparação entre aquilo que temos e o que seria um candidato apropriado, não digo nem necessariamente bom vemos que estamos a “anos luz” de ter um candidato minimamente razoável.

Apresento a seguir, de forma bem sintética as orientações sobre o que seria um bom governo que o Papa Leão XIII descreve na Enciclica Rerum Novarum. Veja, que não se trata de um documento da Idade Média ou dos tempos dos reis absolutistas. A Rerum Novarum é até citada por alguns grupos como um documento que inaugurou uma nova era na doutrina social da Igreja. Destaco então alguns dos principais pontos do documento:

A.          Condenação do Socialismo: As ideias socialistas longe de serem capazes de pôr termo ao conflito na sociedade, prejudicariam o operário se fossem postas em prática. Pelo contrário, são sumamente injustas, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.

B.            Defesa da propriedade privada:  o remédio socialista está em oposição flagrante com a justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efetivamente, sob este ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais destituídos de razão.

C.           Direito a herança em vista da família: a natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos; vai mais longe. Como os filhos refletem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum património que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna

D.          Direito da Família acima da sociedade: assim como a sociedade civil, a família, conforme atrás dissemos, é uma sociedade propriamente dita, com a sua autoridade e o seu governo paterno, é por isso que sempre indubitavelmente na esfera que lhe determina o seu fim imediato, ela goza, para a escolha e uso de tudo o que exigem a sua conservação e o exercício duma justa independência, de direitos pelo menos iguais aos da sociedade civil. Pelo menos iguais, porque a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real, de que participam necessariamente os seus direitos e os seus deveres

E.           Necessidade da desigualdade:  o primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os Socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos

F.           Necessidade do sofrimento: pela Sua superabundante redenção, Jesus Cristo não suprimiu as aflições que formam quase toda a trama da vida mortal; fez delas estímulos de virtude e fontes de mérito, de sorte que não há homem que possa pretender as recompensas eternas, se não caminhar sobre os traços sanguinolentos de Jesus Cristo

No número 20 da encíclica o Papa apresenta uma visão geral de como a sociedade civil deveria ser conduzida:

“Importa à salvação comum e particular que a ordem e a paz reinem por toda a parte; que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos de Deus e os princípios da lei natural; que a religião seja honrada e observada; que se vejam florescer os costumes públicos e particulares; que a justiça seja religiosamente graduada, e que nunca uma classe possa oprimir impunemente a outra; que cresçam robustas gerações, capazes de ser o sustentáculo, e, se necessário for, o baluarte da Pátria. É por isso que os operários, abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves, ameaçam a tranquilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam entre os trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes facilitando o cumprimento dos seus deveres para com Deus; que a promiscuidade dos sexos e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de exigências iníquas, ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e degradantes; que atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e desproporcionado com a sua idade e sexo: em todos estes casos é absolutamente necessário aplicar em certos limites a força e autoridade das leis”.

Creio que é evidente e que não é necessário fazer um estudo detalhado sobre as propostas dos atuais candidatos para mostrar como todos eles estão em profundo desacordo com os princípios colocados pelo Papa Leão XIII, inclusive o Deputado Jair Bolsonaro.

Cito apenas um exemplo porque esta carta já vai longe, por isso nem vou tratar das relações entre Bolsonaro e Olavo de Carvalho. Destaco aqui apenas que Bolsonaro defende o planejamento familiar. Muitos católicos, infelizmente, estarão de acordo com ele porque nesse ponto a doutrina católica foi completamente colocada de lado, inclusive nos meios eclesiásticos. Fala-se apenas que ele é contra o aborto.

Nos princípios estabelecidos por Leão XIII fica claro que o Estado deve garantir a proteção a família e não colocar meios para que as famílias reduzam o número de seus membros até ficarem em tamanho insignificante e o suficiente para uma vida cômoda do ponto de vista material. O planejamento familiar vai contra todos os pontos estabelecidos por Leão XII. É uma tese socialista, coloca o bem da sociedade acima do bem da família, visa a igualdade social e pretende eliminar o sofrimento nesta vida. Mas muitos católicos não veem o planejamento familiar desta forma e acreditam que esta seria uma boa medida para que a sociedade fosse mais bem organizada e nos proporcionasse uma vida mais feliz.

Este é um dos grandes problemas do apoio a essa candidatura. De fato Bolsonaro se apresenta como contrário ao socialismo o que anima os católicos, entretanto, essa boa aparência acaba por esconder outros erros, ou ainda, os católicos procuram minimizá-los e acabam por ficar desarmados em outros princípios fundamentais como o exemplo aqui citado que é o planejamento familiar.

Fico surpreso como nos ambientes católicos, apesar dos muitos pontos contrários a doutrina católica presentes no discurso de Bolsonaro há uma grande irritação quando digo que não tenho vontade de votar nele. Muitas vezes sou tratado como se fosse um traidor que prefere a vitória do comunismo no Brasil.

No último debate da televisão apareceu um outro candidato contra o socialismo que até citou a bíblia. Talvez em uma próxima eleição os católicos fiquem esperançosos com ele. Citar a Bíblia, via de regra é bom, mas isto não faz com que o candidato esteja correto em todos os pontos de seu programa e nem mesmo seja aconselhável votar nele porque senão deveríamos votar nos candidatos protestantes.

                Então, tendo em consideração os princípios aqui comentados e a nossa situação concreta parece claro que nenhum candidato é ao menos adequado para os católicos e que o normal seria nos ausentarmos desta escolha, a princípio anulando o voto, o que inclusive é uma possibilidade legal. Se de fato houvesse uma grande quantidade de votos anulados isto mostraria que não estamos de acordo com o sistema atual de eleição. Aliás o número de votos anulados e daqueles que faltam nas eleições sempre é muito significativo, mas isto não é colocado pela impressa que prefere fingir que tudo anda bem e que a eleição garante que o povo tenha escolhido seu representante.

                Tendo em vista o nosso caso particular, alguma situação concreta pode nos levar a votar em algum candidato, como por exemplo para evitar um mal maior e desde que não se caia em algo que é errado em si mesmo, como por exemplo votar em candidatos dos partidos socialistas e comunistas o que é condenado pela Igreja. Assim, é possível que se apresente uma situação em que para se evitar um mal maior, seja oportuno votar em algum dos candidatos.

                Entretanto, para isto, devemos esperar a situação concreta que somente poderá ser convenientemente analisada quando estivermos muito próximos, ou mesmo, no dia da votação. De toda a forma como os candidatos que aí estão não tem os princípios católicos e como nossa influência sobre as eleições é nenhuma, sempre recomendo que devemos nos abster de fazer qualquer propaganda, e pelo contrário devemos procurar esclarecer aos católicos os pontos que esses candidatos tem de divergência em relação a doutrina católica aos mandamentos da Lei de Deus e da Lei Natural.

                Espero ter respondido a sua dúvida. Não deixe de rezar por nós e pelo Brasil, pois se o nosso voto não tem valor, ao contrário, Deus sempre escuta nossa oração.
 
Alberto Zucchi