Religião-Filosofia-História



Entre 1934 e 1939, importa seguir a política de M. no campo civil e no campo religioso. No campo civil, tratou-se especialmente da preparação da França para a guerra. No campo religioso, deu-se a reconciliação da AF com Roma.

Em 1933, Hitler subira ao poder na Alemanha. M. sempre o desprezou e combateu, como sendo o líder da nação inimiga da "deusa França". M. desprezava "les grumeaux de boue et de sang qui ornait la pourpre de Hitler" (YC,374).

M. percebia bem que o êxito de Hitler, assim como certos aspectos aparentemente conservadores do nazismo, seu nacionalismo e anti-semitismo, podiam exercer uma atração bastante forte sobre os membros da AF.

"Nous visons cette petite poignée de conservateurs français qui se sont souvent montrés par trop sensibles aux cadavériques beautés de la dictature de Berlin (...) "Même sur le simple plan idéologique, l'hitlerisme demeure une contrefaçon et presque un carnaval des idées justes enseignées par la France et par l'Italie [fascista]" (YC,374-375).

Nesses anos que precederam a segunda guerra, a Alemanha foi se rearmando audaciosamente e recuperando sistematicamente o que perdera com o tratado de Versalhes. Diante da remilitarização da Alemanha e de sua política expansionista, a França e a Inglaterra foram capitulando vergonhosamente. M. exigiu sempre que a França se rearmasse para enfrentar a Alemanha nazista. Ao mesmo tempo, porém, ele defendeu uma aliança entre a França e a Itália fascista. Por isso, M. apoiou a posição da Itália a favor da Áustria de Dolfuss, ameaçada pelo nazismo. (Cfr.YC,375)

Foi essa simpatia de M. pelo fascismo de Mussolini que o levou a defender a invasão italiana da Abissínia. Quando as tropas fascistas invadiram a Etiópia, 138 deputados franceses pediram que a SDN votasse sanções contra a Itália. M. protestou, estampando no jornal AF uma manchete escandalosa : "ASSASSINS!"

No texto do artigo com essa manchete, M. acusava esses 138 deputados de porem em risco a aliança anti-germânica da França com a Itália. M., então, formulava uma ameaça de morte contra esses 138 "assassins" da França:

"Assassins! Assassins! En l'absence d'un pouvoir national capable d'arrêter le cours de vos entreprises de trahison, il importe que les suprêmes mesures soient ordonnées, il faut que votre sang soit versé le premier" (YC,377). E quando Léon Blum e F. Gay apoiaram os 138, M. escreveu: "Ceux qui poussent à la guerre doivent avoir le cou coupé. Comme la guillotine n'est pas à la disposition des bons citoyens, ni des citoyens logiques, il reste à dire à ces derniers: Vous avez quelque part un pistolet automatique, un revolver ou même un couteau de cuisine? Cette arme, qu'elle que soit, devra servir contre les assassins de la paix, dont vous avez la liste. Preparez-la! Preparez-la !" (YC,377).

Como resultado do trabalho da AF, a invasão da Etiópia foi apoiada por manifestos de franceses. Entre os que assinaram, estava o Cardeal Baudrillart (Cfr. YC,378).

M. insistia em sua defesa da paz. Ele dizia que a França deveria se armar convenientemente antes de atacar a Alemanha. Ora, hoje se sabe perfeitamente que o grande erro da França foi o de ter esperado que Hitler rearmasse a Alemanha. Se a França tivesse atacado logo a Alemanha de Hitler, esta teria se esboroado com toda a facilidade. Lutando pelo adiamento do ataque francês, M. ajudou a salvar o nazismo.

Aos que pediam a guerra logo, M. prometia a morte: "Répetons-leur que sur leur tête - sur leur tête, qu'ils m'entendent bien - les misérables nous répondent de la paix. Que la paix dure, ils garderont sur leurs épaules l'appareil cervical qui leur rend peu de services. Mais si la paix succombe, ils succomberons un à un"(YC,379). Essa carta custou a M. 4 meses de prisão.

Quando Hitler enviou três míseros batalhões para atravessar o Reno, e, com poucas tropas mais, ocupou a Renânia, violando o Tratado de Versalhes, M. não quis que a França reagisse. Pediu apenas que ela se armasse. Ora, é hoje bem sabido que se a França tivesse então reagido, Hitler teria recuado e, provavelmente teria perdido o poder. Foi o que o próprio Hitler confessou. (Cfr. W. Shirer, Ascenção e queda do terceiro Reich, Vol. II, p.28,nota 1). Maurras foi então um dos salvadores de Hitler.

Como o socialista Léon Blum continuasse a pedir a luta contra o fascismo, M. escreveu: "Il ne faudra abattre physiquement M. Blum que le jour où sa politique nous aura amené la guerre impie qu'il rêve contre nos compagnons d'armes italiens. Ce jour-là, il est vrai, il ne faudra pas le manquer" (YC382). Por esse artigo, M. será condenado a oito meses de cadeia. Nas paredes de sua cela, ele pendurou, contraditoriamente, o "Nascimento de Venus" de Botticcelli, e um Cristo... M. estava em negociações com o Vaticano...

Quando, na Espanha, em 1936, foi assassinado Calvo Sotelo, que se dizia admirador de M., e eclodiu a guerra civil, forças comunistas internacionais logo foram à península participar dos massacres e dos combates. Também Mussolini e Hitler enviaram tropas em auxílio de Franco. Os militantes da AF não deixaram de se alistar nas fileiras nacionalistas, muitos certamente para defender a Igreja, mas outros, para defender o fascismo. Sintomaticamente, os membros da AF que partiram para a Espanha, alistaram-se nas tropas alemãs da Legião Condor, em que pese o anti-germanismo de M..

Quando a situação do franquismo se fortaleceu, o próprio M. foi à Espanha, onde foi triunfalmente recebido. Lá, ele visitou o túmulo do Rei Pedro II de Aragão, por ter sido um aliado da Provença na guerra contra Simão de Montfort. É preciso salientar, porém, que Pedro II foi lutar ao lado dos provençais cátaros contra os católicos de Simon de Montfort, que o derrotaram na célebre batalha de Muret, onde morreu Pedro II, o protetor dos hereges.

Entre os falangistas socialistas e nacionalistas e os carlistas tradicionalistas católicos, M. tendeu mais para os falangistas fascistas. "...la pensée de Maurras, son âme même sont avec ces derniers [os carlistas], mais il a pris le langage et le ton des premiers [os falangistas de Primo de Rivera]" (JF,355). O coração com os carlistas, a linguagem fascista... Nessa dubiedade, que era M. realmente? Era pelo Rei ou pelo ditador?

O triunfo de Franco foi visto como um triunfo do maurrassismo: "La victoire de Franco en Espagne élargit la gloire de Maurras. On le lit depuis longtemps en Espagne dans le milieu de l' Acción Española" (JF,354).

Em 1937, não era somente a Igreja que condenava as idéias de M. Também o pretendente ao trono da França procurou desvincular o movimento monárquico da AF. Nesse tempo, o Conde de Paris declarou: "L'AF qui est un parti, n'a jamais été ni une émanation ni un organe de la Maison de France". "Si sa doctrine politique postule le régime monarchique, les enseignements de son école, par contre se sont revelés incompatibles avec les traditions de la monarchie française" (YC,391).

Essa declaração é extremamente importante, porque mostra que, na opinião do Conde de Paris, havia uma oposição entre as doutrinas da AF e a monarquia, como historicamente ela se realizou na França.

Em 4 de dezembro de 1937, o Conde de Paris publicou no "Courrier Royal" uma "Mise au point" onde "il dissociait la monarchie du "nationalisme". Il estimait que l'enseignement de l'AF "aboutissait au césarisme et à l'autocratie" (YC,392). Desse modo, o Conde de Paris repudiava a teoria de M. a respeito do Rei-Ditador.

Escrevendo à Henri Bordeaux, o Conde de Paris foi mais explícito: "Le nationalisme intégral mène au fascisme. Il faut respecter la personne humaine. Il faut se reconcilier avec Rome car la religion est nécessaire" (YC,392).

A ascenção de Hitler ao poder, trouxe, de novo, a guerra ao horizonte da História. M. se opunha com vigor àqueles que queriam uma guerra das democracias contra o fascismo. "Maurras s'éléva dans ses articles et dans des nombreuses réunions où il prit la parole contre "le parti de la guerre". La guerre qui se préparait n'était pas pour défendre la sécurité menacée de la nation [a França] mais une guerre idéologique. Qui plus est, la France, n'était pas prête ni matériellement ni moralement à la mener et à la gagner"(YC,398). M. queria a guerra para defender a França, nunca por razões doutrinárias: "Rien pour une guerre de doctrine, tout pour la défense de notre sol sacré" (JF,369). Isto é, M. colocava o interesse particular da França acima do problema ideológico.

Levado por sua adoração da "deusa França" e por seu ódio ao "alemão bárbaro", inimigo natural do francês, M. atacará continuamente o nazismo - especialmente por ser alemão - e pedirá com insistência o rearmamento da França. Nessa campanha, ele atacará até mesmo os seus antigos seguidores, que se deixaram fascinar pelo nazismo. Entre o "chauvinismo patrioteiro" de M., e uma posição ideológica errada, mas conseqüente com os princípios do nacionalismo integral, a coerência no erro levou muitos antigos seguidores de M. a apoiar o fascismo e o nazismo, embora alemão.

É preciso dizer, em favor de M., que ele mostrou que "Hitler [est] la suite logique du pangermanisme de Fichte et de l'exaltation allemande de Luther" (YC,388).

É verdade que se protesta contra quem aproxima o nacionalismo da AF e o nazismo: "... et parce qu'il se nomme national-socialisme, parce que Maurras a donné à sa propre doctrine le nom de nationalisme, parce que les deux pensées (si l'on peut parler de pensée en ce qui concerne le nazisme) ont quelques extrêmes ou quelques points de départ communs, (un certain antisémitisme, la reconnaissance de l'importance du lieu où naissent les hommes) Maurras finira par tomber sous l'accusation de collusion avec ce nazisme dont, dès 1930, il a dénoncé l'erreur, et contre lequel il ne cessera jamais de mettre en garde ceux qui l'entourent et la France toute entière"(JF333).

Contra essa defesa deve-se dizer que os pontos de proximidade entre o pensamento de M. e o nazismo e o fascismo não eram pontos acidentais. Esses pontos eram de princípios.

1- O primeiro princípio comum era o que M. chamava de "nacionalismo integral". "Nous mettons la France avant tout"(C. M., MIP,275). Por que os alemães não deveriam, então, colocar a Alemanha acima de tudo? "Deutschland übber alles"? O princípio é o mesmo.

"Le nationalisme français tend à susciter parmi nous une égale religion de la déesse France" (C.M. idem 297). Por que, na Alemanha, não se levantaria também um altar à deusa Germânia?

A distinção que M. fazia entre o nacionalismo francês e o alemão é... "subtil".

"Mais si l'équivoque a toujours habité ces formules [de M.], plus encore va-t-elle éclater dans un temps où c'est du mot de nationalisme que se parent les systèmes du type fasciste et plus encore l'hitlérisme lui-même" (JF,336).

"Le propre de l'esprit français est de s'enrichir par adaptation, par intussusception de toutes les grandes découvertes de l'humanité. Ainsi Rome, d'après Montesquieu, s'honora d'utiliser tous les engins de guerre, toutes les bonnes méthodes qu'elle put observer chez les ennemis . Le Germanisme se renferme au contraire dans l'étroite prison d'un esprit national qui n'a d'humain que ses prétentions, car il est, en fait, très strictement circonscrit dans l'espace et dans le temps" (C.Maurras, MIP,286).

Realmente, é preciso ser francesamente vesgo ou cego para discernir esse defeito só no Germanismo. É essa cegueira e vesguice que fará M. identificar a França com a civilização e a Alemanha com a barbárie. Que pena! Ver a França - "que tous les étrangers aiment à cherir" - a França, "amour du monde", ser atirada à francolatria.

É verdade também que M., da mesma forma, criticou o fascismo... depois de tê-lo muito louvado... "Mais Maurras a vu dès l'abord les erreurs majeures du fascisme. Il n'y trouve en aucune façon un retour à l'équilibre des sociétés saines. Il n'est pas vrai, il n'est pas bon que la vie sociale naisse toute entière de l'État, comme le fascisme l'instaure. Cela, qui sera l'État totalitaire, c'est une suite de l'erreur démocratique (...)" ( JF,332).

Contra o nazismo, M. fez críticas mais explícitas. "Nous sommes des nationalistes. Nous ne sommes pas des nationalistes allemands. Nous n'avons aucune doctrine qui nous soit commune avec eux... On ne fera pas de nous des racistes ou des gobinistes. Nous nous défendons, ils attaquent" (JF,335). E mais e melhor: "Le racisme et l'étatisme ne peuvent correspondre qu'à des sociétés imparfaites. Une société dans laquelle la civilisation a atteint des sommets les plus rares ne peut se contenter de telles significations". "Ce sont des "religions grossières dont la pauvreté spirituelle n'a d'égale que la malfaisance et la stérélité" (Action Française,30-3-33, apud JF,339). Mas, para M., o pior mal não era o estatismo e sim o liberalismo e a democracia.

2- O segundo princípio coincidente entre o pensamento de M. e o nazismo foi o anti-semitismo.

M. dizia ser contra o anti-semitismo de pele. O seu era um anti-semitismo de Estado. O que não muda praticamente nada.

Ser anti-semita é ser racista, e isto é um erro condenado pela Igreja, que nunca atacou, nem condenou - nem pode condenar - os judeus, nem ninguém, enquanto raça. Todas as raças e todos os povos têm gente boa e gente má. Toda posição racista é absurda e, por isso, imoral. Muito menos pode a Igreja ser contra a raça judaica. Afinal de contas, Cristo, a Virgem Maria e os Apóstolos eram judeus. A Igreja é contra o judaísmo, isto é, contra a atual religião dos judeus, porque eles recusaram, traíram e condenaram Cristo à morte, e, depois, O entregaram aos romanos para executá-lO. O grande pecado de Israel foi o deicídio, em que pesem as equívocas e falsas afirmações do Vaticano II, que contrariam a Sagrada Escritura (Cfr. Atos, VII, 52). Defendendo o anti-semitismo, M. e a AF se comprometeram com os crimes do nazismo.

3- O terceiro ponto coincidente entre M. e o nacional-socialismo de Hitler foi o socialismo nacionalista da AF e de seu líder. Apesar de a Igreja ter sempre condenado o socialismo - inclusive o chamado "socialismo-cristão" - M. e sua AF sempre quiseram, e pediram, uma "abertura" à esquerda socialista, tal qual a fizeram, depois, os democratas-cristãos, herdeiros do Sillon.

Estes, e outros pontos ainda, tornavam cindida a posição da AF face ao nazismo: era a ideologia do inimigo da França, mas com a qual os seguidores de M. tinham afinidades de pensamento. Daí, M. querer a vitória militar da França sobre a Alemanha nazista, mas sem desejar nem a guerra ideológica, e nem, muito menos, a vitória da democracia liberal.

Dias antes de Munich, o AF publicou uma manchete enorme: "À BAS LA GUERRE". E, abaixo, colocou os seguintes versos :

"S'ils s'obstinent, ces canibales,
à faire de nous des héros,
il faut que nos premières balles
soient pour Mandel,Blum et Reynaud"(YC,400).

Quando, em 1937, Hitler exigiu a entrega dos Sudetos, realizou-se a conferência de Munich. O mundo teve que escolher "entre a vergonha ou a guerra", como disse Churchill. O mundo escolheu a vergonha, ao capitular ante as exigências do Führer. A Tchecoslováquia foi sacrificada junto com a honra, mas não se evitou a guerra. Pelo contrário, sabe-se hoje que a capitulação de Munich foi uma das causas da guerra mundial. M. e sua AF defenderam a capitulação diante de Hitler, a pretexto de que a França não estava pronta para a guerra. Dever-se-ia entregar a Tchecoslováquia para salvar a "deusa França".

"Maurras fut de ceux qui plaidèrent alors avec le plus de vigueur pour empêcher le gouvernement Daladier d'engager la France dans une guerre"(YC,399).

"Maurras se réjouit de cette paix sauvée tout en reconnaissant que la France et l'Angleterre avaient subi un échec, puis qu'elles avaient du céder aux exigences d'Hitler. Ces accords de Munich, écrivait-il, sont "une défaite qui épargne un désastre" (YC,400). O "échec" não evitou o desastre.

Mesmo quando a Alemanha ameaçou invadir a Polônia, sacudindo até a parvalhice e a covardia de Chamberlain, M. continuou a defender a tese de que a França não deveria lutar. Escreveu ele: "On ne peut mener une guerre offensive contre l'Allemagne pour soutenir la Pologne alors que toute notre tactique militaire depuis vingt ans a été purement défensive et que notre armement est insufisant" (YC,409).

M. dizia que, em caso de guerra, a França deveria visar "la destruction de l'unité allemande". "Pour arriver à ce résultat, donnons à la guerre un objectif national, c'est-à-dire, en dehors d'un antihitlérisme incompris et d'un esprit démocratique périmé; proclamons que nous visons la décomposition politique de l'ennemi" (JF,368). De novo, note-se a colocação do puro interesse nacionalista francês acima das questões doutrinárias e ideológicas. A colocação da vantagem particular acima do bem comum. A prática acima da teoria. A utilidade acima da verdade. Veio a guerra e ele não foi nacional.

É claro que esse combate contra a guerra efetuado por M. abalou parcialmente a opinião pública francesa, impedindo uma preparação psicológica belicista, necessária naquelas circunstâncias. Há quem vá mais longe e acuse M. de ter desmoralizado a França na hora do combate. "Eugène Weber estime que l'AF fut "responsable de la démoralisation du pays au moment où éclate la Seconde Guerre mondiale" (E. Weber, L'Action Française, p.7, apud YC,409).

YC contesta essa opinião dizendo: "C'est méconnaître la position de Maurras et de l'AF. Maurras ne disait point: il ne faut pas faire la guerre à l'Allemagne, il disait: n'engageons pas nous-mêmes la bataille dans les conditions actuelles, ce serait un crime car elle aboutirait à un désastre. Significatif de cette attitude non défaitiste, son article du 28-août: "La guerre est-elle certaine? Non la guerre ne sera que dans deux cas: si Hitler nous la déclare, ce qui n'est pas sur [SIC ???]; si nous la déclarons à Hitler, ce qui dépend de nous. Si le territoire français est ménacé, si notre frontière est envahie, tous les efforts, et les plus puissants sont commandés contre l'envahisseur. Mais de là à vouloir la guerre, à l'entreprendre, nous, il y a un grand pas: La guerre d'idées, la guerre de principes, la guerre de magnificence, non, merci, cela dépasse trop ce qui reste de nos moyens (...) Entre le parti de laisser durer ou grandir la plus dangereuse de toutes les Allemagnes et le parti du massacre immédiat auquel on nous rue, je suis d'avis de laisser courir tous les délais" (YC,409).

O anti-metafísico M. não admitia a guerra por princípios, a guerra por doutrina. Só a admitia pela França. Toda guerra porém é por princípios, pelo menos por um dos contendores. A guerra veio. E foi ideológica. E foi doutrinária. Por isso, a França maurrassiana e a França liberal fizeram o papel que fizeram, em 1940.

 

A 19 de fevereiro de 1929, Pio XI pediu ao Carmelo de Lisieux que rezasse a Santa Terezinha pela solução do problema da AF. É claro que foi atendido. Conforme LT, uma freira ofereceu sua vida a Deus e morreu pouco depois, aos 32 anos.

A irmã de Santa Terezinha, Madre Agnès, em janeiro de 1927, recomendou a M., então prisioneiro, que escrevesse ao Papa, congratulando-se pela recuperação de sua saúde. Nessa carta, M. dizia da necessidade única do Catolicismo para a manutenção "des vertus de l'humanité et de la civilisation". Era ainda a sua velha idéia dos benefícios naturais da Igreja para o bem do Homem. Pio XI se sentiu tocado pela atenção de M., prometendo-lhe orações e enviando-lhe sua benção.

Em 1935, Henri Massis foi recebido por Pacelli e lhe mostrou o que M. fizera contra Bergson e o Modernismo e a favor de São Tomás. Nesse mesmo ano, o futuro líder do colaboracionismo com os nazistas, Pierre Laval, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, conferenciou com Pio XI e defendeu M., dizendo que os franceses da AF se alegravam com a sua visita ao Papa. Quando Laval se tornou Presidente do Conselho de Ministros, ele procurou solucionar a crise da AF com o Vaticano.

Nova carta de M. e outra dos católicos da AF ao Papa foram levadas a Roma por um emissário da AF, atendendo o pedido de Pio XI para que "tous les hommes de bonne volonté" ajudassem na luta contra o nazismo e o comunismo. Os famosos "homens de boa vontade" começaram a entrar na História através da pena de um Papa... E com o apoio dos direitistas franceses...

Em julho de 1937, o Cardeal Verdier concedeu funerais religiosos aos membros da AF. Com a substituição de Gasparri por Pacelli na Secretaria de Estado do Vaticano, as possibilidades de solução do problema aumentaram. M. fez chegar às mãos do novo Secretário um dossiê relatando as conversões causadas pela AF.

Em 1937 ainda, o maurrassiano Robert de Boisfleury teve quatro conferências com Pacelli, tratando da AF. O futuro Pio XII estava benevolente, mas disse que Pio XI queria uma adesão mais clara de M. e da AF. Boisfleury então entregou uma nota com três pontos: 1- os católicos da AF repudiariam todo erro que a Igreja condenasse; 2- era-lhes impossível reconhecer que haviam caído nos erros de que se os imputava; 3- tinham pesar dos excessos em que haviam caído durante a polêmica com a Santa Sé. (Cfr. LT,243).

Pacelli apresentou então as exigências do Papa: 1- conversão pessoal de M., para que os católicos pudessem ter permissão de atuar na AF; 2- explicar o "politique d'abord". Essas exigências lançaram um balde de água fria nas esperanças da AF. Exigir a conversão de M. era tornar impossível a reconciliação com Roma. Porém, as irmãs de Santa Terezinha não desistiram. Convenceram M. a reescrever ao Papa. Ele o fez em maio de 1937, pedindo que, se possível, o Papa abrisse um inquérito para verificar se o haviam enganado. Pio XI respondeu através do Núncio Natucci afirmando que lera pessoalmente as obras de M. e que as julgara muito distantes da doutrina católica, e que esperava o retorno do filho pródigo à prática sincera da religião católica. "Sa Sainteté rejette catégoriquement cette apréciation [que o Papa fora enganado] et dit que dans cette affaire, Il a, Lui-même, seulement Lui et Lui seul, décidé, étant informé, connaissant bien et personnellement les écrits de Monsieur Maurras, qu'il juge très distants de la pensée catholique... Il ne lui est possible de revenir sur sa décision, étant que ces idées ne seront pas modifiées, transformées de façon définitive par une sincère et totale adhésion à la doctrine de l'Église catholique et à la foi chrétienne"(JF,361-362). Como consolo, mandava-lhe sua benção papal. É difícil, depois dessa carta, afirmar que a condenação da AF foi apenas disciplinar.

Os defensores de M. dirão que essa carta particular do Papa não tem peso doutrinário, por não ter caráter oficial, para toda a Igreja. Ela é apenas uma carta pessoal do Papa. É verdade. Mas, se é assim, por que então os defensores de M. insistem em citar depoimentos orais de São Pio X a particulares, para provar a inocência de M?

Em 1938, os católicos da AF tornaram a escrever ao Vaticano, em busca de uma solução. Dois dirigentes da AF escreveram ao Papa, afirmando que condenavam o panteísmo, e repudiavam o nacionalismo excessivo, os erros racistas, a metafísica religiosa do solo e do sangue. (Cfr. JF 367).

Depois que M. foi libertado da prisão, e por instância das irmãs de Santa Terezinha, ele retomou a correspondência com Pio XI. O ensejo foi sua eleição à Academia Francesa. Em junho de 38, M. escreveu ao Papa garantindo que sua eleição nada tivera de hostil ao Vaticano, e que todos seus amigos estavam de acordo em unir-se aos homens de boa vontade na luta contra o nazismo e o comunismo, como o Papa pedira.

Em 1938 ainda, a intervenção de Georges Goyau, que não era da AF, e a do Geral Dominicano deram novo impulso às negociações. Em fevereiro de 1939, porém, morreu Pio XI. No jornal AF, M. elogiou a sua ação contra o nazismo e o comunismo, dois irmãos gêmeos. Enquanto isso, Pacelli era eleito Papa. Em abril de 39, Monsenhor Ottavianni veio à França e se encontrou com M. em Lisieux.

Em 16 de julho de 1939, o AF publicou o decreto do Santo Ofício levantando a proibição do jornal e o texto assinado pelos dirigentes da AF retratando suas posições anteriores. Segundo LT, a AF apenas reconheceu ter errado na polêmica, mas não que teve erros de doutrina.

A declaração da AF dizia:

"1- (...) "nous exprimons la plus sincère tristesse de ce qui, dans les polémiques et controverses antérieures et postérieures au Décret de condamnation du Saint-Office, le 29 décembre 1926, a "paru" et "été" de notre part irrespectueux, injurieux et même injuste envers le Saint Siège et la hiérarchie écclesiastique et contraire au respect que tous doivent avoir pour toute autorité dans l'Église."

"2- Pour tout ce qui concerne en particulier la doctrine, tous ceux d'entre nous qui sont catholiques, en réprouvant ce qu'ils ont pu écrire d'erroné, rejettent complètement tout principe et toute théorie qui soient contraires aux enseignements de l'Église Catholique, enseignements pour lesquels nous professons unanimement le plus profond respect". (LT, 263-264).

Comentando esse texto, LT mostra a malícia com que foi redigido: "Que veut dire l'incidente: 'en réprouvant ce qu'ils ont d'erroné'? Tout simplement que nul n'est à l'abri de l'erreur, et là encore les dirigeants catholiques conffirment ce qu'ils ont déjà écrit."(LT,264). Salienta ainda esse autor que o novo decreto do Santo Ofício fala de "réprobation" e não de retratação de erros...(Cfr. LT,264). Conclui então LT que "la condamnation de l'Action Française a été en quelque sorte disciplinaire et non doctrinale"(LT,265). M. porém ficou no Index. LT, tão favorável à AF confessa ainda que "La position personnelle de Maurras, en matière philosophique, a paru condamnable sous la forme où elle s'est exprimé dans certaines phrases du Chemin de Paradis ou d'Anthinéa, et celles-ci se trouvent condamnées sans appel. Le journal l'Action Française n'a rien à voir là-dedans" (LT,265-266).

Note-se as restrições de LT:

"A posição pessoal de M. filosoficamente pareceu condenável...E só na forma em que foi expressa...Lucien Thomas tira as seguites conclusões do episódio:

  1. Deve-se distinguir entre as posições políticas da AF e as idéias filosóficas de M.;
  2. O Vaticano não exigiu que a AF reconhecesse ter defendido doutrinas errôneas;
  3. Admite a possibilidade de Pio XI ter sido enganado na questão da AF;
  4. São Pio X não condenou M., nem, muito menos, a AF.

Sem dúvida, estas conclusões demonstram uma vontade de salvar M. e a AF de qualquer jeito.

 

Que rumo tomou o goéland face ao nazismo? A mesma ambigüidade que encontramos nos posicionamentos de M. com relação a tantos outros problemas, vamos tê-la frente ao nazismo. Discute-se se M. foi ou não um colaboracionista com os nazistas após a ocupação da França. É certo que ele condenou o nazismo por ser alemão. É certo também que ele teve simpatias pelo fascismo de Mussolini, que não tinha, aos olhos de M., o pecado de germanismo. Vimos também que M. considerava o liberalismo e a democracia piores que a ditadura. Por outro lado, vários pontos aproximavam seu sistema de pensamento do nazi-fascismo: o nacionalismo, o anti-semitismo, o socialismo, o culto da força e o desprezo dos inferiores.

Verificamos ainda que, entre os discípulos de M., vários, decepcionados com a falta de decisão de seu mestre nos momentos culminantes, voltaram sua proa em direção aos que tinham tido êxito no "coup de force": Franco, Salazar, Hitler e Mussolini.

Na hora em que ía começar a Segunda Guerra Mundial, esses discípulos de M. tinham o coração dividido: de um lado queriam a vitória da "deusa França"; de outro, eram tomados de entusiamo pelos retumbantes triunfos dos totalitários sobre as democracias. De que lado ficar: da França democrática, ou do fascismo socialista e nacionalista?

Seria incorreto afirmar que os nacionalistas franceses queriam a derrota de seu país. Muito pelo contrário. Seu nacionalismo fanático não permitia que isso fosse considerado senão como uma traição sacrílega.

Mas, a luta durou pouco. A França democrática se esboroou ao primeiro choque das divisões Panzer. Ela desfaleceu aos primeiros mergulhos dos Stukas. 1940 ficará na história da França - tão gloriosa -, como uma eterna vergonha. Em 15 dias, tudo se acabou. Paris foi tomada e os alemães desfilaram sob o Arco do Triunfo de Napoleão. A "inexpugnável" Linha Maginot foi tomada pela retaguarda. O armistício teve que ser assinado, sob condições humilhantes, no mesmo vagão em que a Alemanha tivera que capitular, em 1918.

Diante da catástrofe houve duas reações:

1 - a de De Gaulle, que preferiu fugir para a Inglaterra, a fim de continuar a luta;

2 - a de Pétain e dos nacionalistas da AF, que julgaram ser mais patriótico ficar na França, para evitar a ocupação total do país.

A História mostrou que a escolha da AF foi errada, e, por ser errada, os que a escolheram foram triturados pela engrenagem dos acontecimentos e da lógica dos fatos.

Em 26 de junho de 1940, M. publicou uma declaração constatando que a luta "est impossible sur le territoire de la métropole" (JF,370). Era possível, porém, continuar a combater a partir das colônias. Ou, a partir de Londres. M., contudo, julgou que "abandonner la France c'est la livrer tout entière... Unité Française d'abord... incarnée par le Maréchal Pétain"(JF,370).

Pétain e seu regime nacionalista de Vichy - em tese - mantiveram o Estado francês existente e a França formalmente vivos. Como um doente terminal, em uma UTI de hospital, respirando pelo tubo de oxigênio nazista. De Gaulle preferiu voar para Londres, e, de lá, tentar a reconquista, mantendo viva a honra da França, e não o Estado.

Os nacionalistas franceses tiveram uma certa consolação na derrota: assistiram a derrocada da República liberal que eles tanto odiavam. Segunda consolação: a derrota permitiu instaurar um governo nacionalista, corporativista e fascistóide, sob a liderança do herói de Verdun. M. falou por isso em "divina surpresa" que possibilitava uma ressureição nacional. É verdade que mais da metade da França estava ocupada e que, mesmo no território de Vichy, a soberania francesa era muito duvidosa. "Quand même", seu ódio da democracia e do judeu se contentava com esse pouco, esperando mais, no futuro. Que futuro? Se os nazistas vencessem, não haveria futuro. Se os nazistas perdessem, De Gaulle teria a vitória e a glória. A posição dos nacionalistas de Vichy era sem futuro.

Esse foi o grande erro de M. e de seus seguidores.

Acusou-se M. de ter chamado de "divine surprise" a derrota da França. YC faz questão de mostrar que a divina surpresa foi, para M., "cette ressurréction (de la France) accomplie par la volonté d'un homme: le maréchal Pétain". "La divine surprise n'était pas la défaite militaire et la fin de la III République, comme le lui firent dire ses adversaires et certains historiens, mais bien la personalité du maréchal" (YC,418).

O "Estado" de Vichy deixou de ser a "République Française" e aboliu o lema revolucionário "Liberdade, Igualdade, Fraternidade". Em seu lugar adotou outra trilogia naturalista: "Trabalho, Família, Pátria". Ou seja TFP, em que o 'Trabalho" indicava os resquícios socialistas de M.

No governo de Pétain, três alas disputavam influenciar o velho Marechal: a) a ala política do fascista Laval, chamada a ala do "Ya"; b) a ala doutrinária de M., que, para alguns, foi a verdadeira alma do regime de Vichy; c) a ala pró Ingleses, denominada a ala do "Yes".

M. se opunha quer ao grupo "YA", que queria uma aliança com a Alemanha, quer ao grupo "YES", que preconizava a resistência. Acusava as duas alas de dividir a França. Por isso, M. combateu quer a resistência gaulista, que ele chamava "un chisme français" (YC,422), quer os colaboracionistas declarados. M. chegou a romper relações com antigos discípulos que defendiam a colaboração com o Eixo, como Robert Brasillach. Disse M.: "Je ne reverrai jamais les gens qui admettront de faire à Paris des tractatives avec les Allemands" (JF, 370-371).

Porém, - de novo a ambigüidade - quando Pétain se encontrou com Hitler, em Montoire, (24-X-1940), e estabeleceram as linhas da colaboração da França nacionalista com a Alemanha nazista, M. não atacou a política do Marechal.

Pétain declarara que "C'est pour l'honneur et pour maintenir l'unité française (...) que j'entre aujoud'hui dans la voie de la collaboration" (YC,425).

Perguntado à respeito dessa colaboração com o inimigo ocupante da França, M. se esquivou de dar uma resposta clara. Eis o seu diálogo equívoco:

— "Êtes-vous partisan de ce que le Maréchal appelle la collaboration?

— " Je n'ai pas à en être partisan.

— Adversaire, alors?

— Non plus.

— Neutre?

— Pas davantage.

— Vous l'admetez, donc?

— Je n'ai pas à l'admettre ni à la discuter " (JF,372).

Para M., "Le plus grand malheur de la France serait qu'on y prit parti pour ou contre la collaboration et que des factions contraires se forment là-dessus" (AF,1-XI-1940, apud JF,372). Defender a Nação por todos os meios foi um dos princípios de M. Um dos meios para isso foi a colaboração.

M. distinguia colaboração de Estado de colaboração idéológica. M. se dissociou publicamente de alguns de seus discípulos que colaboraram ideologicamente com os alemães, sem se perguntar, porém, por que e como eles chegaram até lá.(YC,424).

Conforme YC, se houve maurrassianos no governo de Vichy, eles não foram indicados, nem apoiados por M. "On ne saurait donc désigner M. et l'AF comme des inspirateurs de la Révolution nationale. Il est vrai en revanche que M. a approuvé et encouragé (toutefois en émetant des réserves ou sugestions) chacune des réalisations du régime de Vichy" (YC419).

Embora nem tudo tenha sido feito, então, por culpa de M., não se pode também eximí-lo totalmente de responsabilidade pelos erros de Pétain. Esse governo nem prosseguiu a luta, nem manteve intacta a honra da França. Por exemplo, em julho de 1941, pressionado pelos alemães e por ódio à Inglaterra - declarada o inimigo número um bis, (o número um sem "bis" era a Alemanha) - o "governo" de Vichy concordou em que tropas japonesas ocupassem, sem luta, os territórios franceses na Indochina.

Quando o governo de Vichy fez um estatuto dos judeus, teve a aprovação de M., que, como vimos, dizia ser contra um anti-semitismo de pele, mas a favor de um anti-semitismo de Estado.(YC,420)

Em 8 de maio de 1943, os americanos desembarcaram na África, libertando as primeiras colônias francesas. Era evidente, então, que a Alemanha seria derrotada. Era apenas questão de tempo. No dia da invasão da África, Pétain condecorou M. com a "Francisque", medalha que exigia a prestação de um juramento de fidelidade pessoal ao marechal: "Je fais don de ma personne au maréchal Pétain comme il fait don de la sienne à la France. Je m'engage à servir ses disciplines et à rester fidèle à sa personne et à son oeuvre"(YC422).

Libertada a Argélia pelos americanos, era fácil para Pétain fugir para lá, o que acabaria com o cisma gaulista. Pétain ficou em Vichy. M. não o aconselhou a partir ... Resultado: os alemães ocuparam o território de Vichy, acabando com as aparências de independência do governo Pétain. M. classificou de felonia a atitude do Almirante Darlan, que aderiu então aos aliados.

Os atentados da resistência se multiplicaram após o desembarque na África. M. pediu que se estabelecesse um sistema de reféns comunistas, como meio de defesa. (YC,441) Ele foi acusado de até ter feito denúncias aos ocupantes, e de ter instigado o assassinato de Roger Worms. Enquanto isso, ele mandava construir um "corditáfio" - um repositório para seu coração - no que ele chamou Muro dos Fastos, em sua casa, em Martigues.

A luta entre resistentes gaulistas e colaboracionistas verteu sangue dos dois lados. Jean de Fabrègues, ao tratar disso, prefere mais calar do que julgar. "Qui a vécu ces heures en garde le tragique souvenir et se retiendra de condamner ou de juger" (JF,375).

Em junho de 1944, deu-se o desembarque americano na Normandia e, logo depois, a Libertação de Paris e da França. Foram horas de alegria e de vingança. Muitos colaboracionistas foram assassinados sem julgamento. Fala-se com certa segurança em 100.000 assassinatos políticos. Evidentemente, muitas injustiças e crimes foram então cometidas. A direita francesa foi massacrada, e até hoje guarda rancor do gaulismo, aliado dos comunistas que realizaram o massacre.

A 3 de setembro de 44, Lyon foi libertada. No dia seguinte, em Paris, François Mauriac acusou M. de ser "l'inspirateur plus occulte, mais quasi officiel du système vichyssois"(YC,449). Nesse mesmo dia, M. e Pujo foram presos. Pouco depois, Paul Claudel acusou M. "d'avoir pris 'une part certaine dans la catastrophe de juin 40' et d'en avoir "une non moins grande dans la prétendue révolution nationale à laquelle il a fourni son assiette idéologique et ce qu'on appellera sa mystique." Enfin, il accusa M. d'avoir dénoncé des "patriotes" pendant l'Occupation et il citait son cas personnel; les dénonciations de M. auraient conduit à son domicile parisien un agent de la Gestapo, en mai 1943, et des déménageurs à la veille de la Libération (YC453).

No tribunal, M. foi acusado de :

    1. Ser inspirador de Pétain;
    2. Ser adversário dos gaulistas e da Resistência;
    3. Apoiar a política anti-semita do estado francês;
    4. ter culpa nos acordos de Montoire;
    5. Ser responsável pela criação da Milícia;
    6. Ter feito denúncias contra franceses aos alemães;
    7. Ser o teórico do regime de Vichy. (Cfr. YC,458).

Nas vésperas do julgamento, como se temia uma condenação à morte, insistiu-se que M. se confessasse, ao que ele contestou: "Voyez-vous? Je suis un vieil âne à qui tout le monde voudrait faire sauter une barrière. Ne le tourmentez pas. Laissez-lui brouter encore quelques chardons. Alors, il sautera tout seul. Mais continuez à prier et remerciez mes amis." (PB,612)

No julgamento, M. se defendeu com bravura. Respondendo a Claudel, disse: "On savait depuis longtemps que la littérature ajoute à la férocité naturelle de l'homme. Jusqu'à M. Claudel, on ne se doutait pas qu'elle pût l'abêtir". (YC459)

M. foi condenado a prisão perpétua e à degradação nacional. "Pour avoir des intelligences avec une puissance ennemie ou avec ses agents en vue de favoriser les entreprises de cette puissance contre la France" (JF,375-376). Ao ouvir a sentença, M. gritou: "C'est la revanche de Dreyfus!"

Pujo foi condenado a cinco anos de prisão, a 20.000 fr. de multa, assim como à degradação nacional.

M. esteve preso primeiro em Riom. Suas leituras na prisão mostram que ele mudara pouco: leu Kirkgaard, Saint-Beuve, Pascal, Racine, e - surpresa- Os três mosqueteiros"...

Escrevendo à Duquesa de Dreux-Brezé - com a qual tivera um caso amoroso - ainda em 1945, M. contou que fora visitado por um padre, que tentou convencê-lo a rezar o Pai-Nosso. "Il m'a parlé du "ne nos inducas"... Cela a fait beaucoup d'idées remuées au bout desquelles je lui ai demandé si ce morceau du Pater n'était pas un vestige du premier jansénisme ou paulinien ou augustinien des primitifs? Ai-je besoin de vous dire en toute humilité que je n'en sais rien?" (YC,469).

Como se vê, M. já bem perto do final de sua vida, continuava sem fé. Mas, YC se apressa a desculpá-lo: "Ce n'était qu'à l'heure de la mort qu'il reviendra complètement à la foi catholique"(YC,470).

Transferido para a prisão de Claraval, M. começou a assistir à Missa dominical. Y.Chiron conta que, em 30 de setembro de 1947, no dia cinqüentenário da morte de Santa Terezinha, a folhinha do calendário de Lisieux lembrava as últimas palavras da santa: "Oh! je l'aime. Mon Dieu... Je vous aime". "Au verset de ce feuillet d'amour et d'espérance, Maurras griffa sa propre litanie:

OMBRE

Chaos
Deuils, Soucis
Les Maux, Faim
Indigence, Mort
La Peur
La Guerre, les Furies
Discordes, les Parques
Centaures, Styges
Cabires, Hydre de Lerne
Cerbères, Gorgones, Harpies."(M., apud YC474-475).

Sem dúvida, versos bem pouco conformados e bem pouco parecidos com o que M. escrevia filial e piedosamente a São Pio X ou mesmo a Pio XI., e que não indicam uma alma prestes a se converter.

Outra poesia feita por M. na prisão é reveladora de seu estado de alma.

Je ne peut plus, même à voix basse
implorer, de ces mots fervents,
que sut tout homme de ma race,
la charité d'un Dieu vivant.

Et nos augustes conseillères,
les Grandes Lois de l'Être font,
immobiles dans leur lumière
un silence qui me confond."(C.M. apud JF, 389)

Triste situação de uma alma, sem dúvida, grande, e que foi mais surda à voz de Deus do que seu corpo à voz do mundo.

Jean de Fabrègues comenta então: "Mais entre cette permanence de l'être ou des êtres et l'amoureuse puissance d'un Dieu créateur, quel abîme encore! Comment ne pas voir que tout se distingue à peine d'un panthéisme qui, pourtant, Maurras refuse"(JF,391).

Nesse tempo, embora não crente, M. tomava estranhas posições com relação à luta: ortodoxia versus heresia. Responsabilizava Pascal por grandes males, mas via um certo bem nos jansenistas. "Saint Cyran, Jansénius et Pascal furent tout à fait clairvoyants sur un point: ils comprirent et voulurent redresser à temps la pente déjà ancienne et presque universelle où inclinaient les esprits. Les doctrines du Pélagianisme et surtout du sémi-pélagianisme avaient rempli insensiblement l'Église et constituaient le fond, l'inspiration du christianisme enseigné" (PB,615).

Pena que M. não se lembrou de escrever isso a São Pio X. E por que será que ele não escreveu?

Mesmo na prisão, M. deu jeito de colaborar com a revista Aspects de la France, fundada por seu discípulo dileto Pierre Boutang. Nela, e sobre ela, M. escreveu: "Nous bâtissons l'arche nouvelle, catholique, classique, hiérarchique, humaine, où les idées ne seront plus des mots en l'air, ni les instituitions des leurres inconsistents"(YC, 479).

Até o fim, pois, M. pretendeu sonhar em construir a "Nova Arca", que conduziria a Humanidade a uma sociedade mais perfeita, que ele classifica como "católica" e clássica, uma sociedade que, como o Vaticano II, ele queria humana...

O abbé Cormier visitou várias vezes M., durante seu último ano de vida. Quando lhe perguntou: "Où en est votre âme avec Dieu?", M. respondeu: "Sachez, Monsieur l'abbé, que sur ce sujet, je suis très coriace." (YC,484).

A seguir, M. se mostrou menos áspero, contando que desejava crer, que rezava a Ave Maria, mas que havia tantas coisas "incompreensíveis", "inconcebíveis", e como exemplo, citou o "Ne nos inducas in tentationem". (Cfr. YC,484).

Consta que, às vésperas do dia de todos os santos, ele teria manifestado o desejo de receber os sacramentos. No dia 13 de novembro, M. chamou o abbé Cormier e lhe disse: "Il est temps que vous m'aidiez à accomplir ce qu'il faut que je fasse..." Diz YC : "Il se confessa, récita le Confiteor et reçut l'absolution, puis, l'extrême onction."(YC,485). M. faleceu dois dias depois.

O coração de M. foi encerrado no Corditáfio que ele mesmo ordenara construir no "Muro dos Fastos", em sua casa de Martigues. "Le petit temple grec qui abrite le coeur du vieux Martigal porte, sur sa façade, en grec, un vers tiré d'Euripide:

"Hélas!, que le soleil est beau !"
Et en provençal, deux vers de Mistral:
"La mer, belle plaine émue
du paradis est l'avenue"(YC,486).

Assim terminou Maurras. O vôo do goéland cessara. Seus amigos insistem e confiam que afinal ele encontrou o rumo certo. Deus o queira. Mas, infelizmente, ao ler seus derradeiros pensamentos, fica-nos a amarga impressão que ele continuou ambíguo. As aves do céu não voam em círculos inúteis.

Lamentável é que, até hoje, muitos tradicionalistas voem em círculos inúteis em torno do cadáver de M., para teimosamente tentar justificar e, em alguns casos, até a defender seus erros.

São Paulo, 29 de março de 1994.

ORLANDO FEDELI

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    Para citar este texto:
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MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/cadernos/religiao/maurras5/
Online, 02/05/2024 às 13:16:14h