Política e Sociedade

O Padre, o Sheik e o Ateu
Alberto Zucchi
Com a vitória da Igreja sobre o paganismo, os princípios da caridade cristã se estabeleceram no Ocidente. As obras de caridade da Igreja, como as escolas, os orfanatos, os asilos, os hospitais e tantas outras, se multiplicaram por toda a sociedade. Mas a caridade cristã sempre significou um amor ao próximo por amor a Deus. A razão última em auxiliar as necessidades materiais é a salvação da alma. O culto devido a Deus era o centro do mundo cristão. Este foi sempre o pensamento de tantos santos que se dedicaram a fazer o bem ao próximo.

O liberalismo colocou o “homem” no lugar de Deus e trouxe um novo conceito de caridade, que recebeu o nome de filantropia. Neste novo conceito o amor a Deus é colocado de lado. A salvação da alma não tem qualquer significado e a religião é apresentada, muitas vezes, como um empecilho, principalmente quando se trata da religião católica. 

O liberalismo, apesar da ideologia da filantropia, trouxe de volta a escravidão, produziu duas guerras mundiais, que foram acompanhadas pelos campos de concentração nazistas e comunistas, e a ideia de que só o mais apto tem direito a sobreviver. O liberalismo é o gerador do capitalismo, mas também do nazismo e do comunismo. Para o liberalismo não há uma religião verdadeira. O culto prestado a Deus deve ser feito sempre de forma particular, jamais uma ação do Estado. A religião é vista como o ópio do povo, manipulada pelas elites, e só é tolerada se participa do culto do homem.

Com o Concílio Vaticano II, os princípios liberais foram aceitos em amplos setores da Igreja. Neste sentido, é clara a afirmação de Paulo VI no discurso de encerramento do Concílio.

"A Igreja do Concílio [Vaticano II] ocupou-se bastante do homem, do homem tal qual ele se apresenta em nossa época, o homem vivo, o homem todo ocupado consigo mesmo, o homem que se faz não só o centro de tudo o que o interessa, mas que ousa ser o princípio e a razão última de toda a realidade... O humanismo laico e profano apareceu, enfim, em sua terrível estatura e, em certo sentido, desafiou o Concílio. A religião de Deus que se fez homem encontrou-se com a religião do homem que se fez Deus.

Que aconteceu? Um choque, uma luta, um anátema? Isto poderia acontecer; mas isto não aconteceu.

A antiga história do Samaritano foi o modelo da espiritualidade do Concílio. Uma simpatia imensa o investiu inteiramente. A descoberta das necessidades humanas... absorveu a atenção deste Sínodo. Reconhecei-lhe pelo menos este mérito, ó vós humanistas modernos, que renunciais à transcendência das coisas supremas, e saibais reconhecer o nosso novo humanismo: nós também, nós mais do que qualquer outro, nós temos o culto do homem".(Paulo VI, Discurso de encerramento do Concílio Vaticano II, 7 de Dezembro de 1965).

Assim, como na sociedade civil, o liberalismo do Concilio acabou por gerar na Igreja duas correntes: a Teologia da Libertação e os Carismáticos.

Um dos mais destacados representantes atuais da Teologia da Libertação, em seu aspecto de ação, é o Padre Júlio Lancellotti. Ele é o responsável pelo Vicariato Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, na Arquidiocese de São Paulo. A informação consta na página da arquidiocese onde a foto do padre aparece ao lado dos bispos auxiliares. Nesta página, todos os bispos se apresentam usando os trajes próprios de bispos, mas padre Júlio não, ele está só de camisa. Na realidade, não se encontra uma única foto de padre Júlio de batina. Será que alguma vez em sua vida de clérigo ele usou batina? Sem dúvida, ele não quer parecer ser da Igreja de antigamente. Então de que igreja ele é?

Recentemente, padre Júlio participou de uma conversa/entrevista realizada no Youtube pelo canal Flow. A referência do próprio canal é PADRE JÚLIO LANCELLOTTI E SHEIK RODRIGO JALLOUL [+ FERREZ] - Flow #65.

Como informa a referência, na conversa estiveram presentes o Padre Júlio, o Sheik Rodrigo, que se apresentou como um religioso do islamismo, e um terceiro convidado de nome Ferrez que se proclama ateu. Foi um encontro ecumênico, fizeram questão de informar os participantes - os quais não cansaram de elogiar suas próprias ações sociais, como prova de seu amor pelos pobres - mas sempre deixando claro que isto não tem relação com nenhuma religião. É um esforço pessoal deles. Muito modestos.

A conversa/entrevista foi um excelente exemplo do abandono da caridade e a sua substituição pela filantropia. Que o ateu e o sheik participassem de algo assim não é de surpreender, mas que o padre considere a religião católica como algo secundário, só mesmo em nossos tempos.

Padre Júlio esteve presente com a mesma camisa de sempre, nada de batina, nenhum sinal distintivo de que é padre. Será que ele tem vergonha de ser padre? O Sheik, pelo contrário todo paramentado ao estilo do islamismo - acho que ele se orgulha de ser sheik - e o ateu bem no estilo esquerdista brasileiro, a não ser pelo peso um pouco excessivo. Barba e cabelo desarrumado, jeitão de Lula, nos tempos em que ele foi sindicalista, não o Lula 2022 pós prisão, mas o operário próspero que acumulou uma fortuna dando palestras.

O motivo declarado da conversa foi discorrer e provar que a bondade não está ligada à religião. Mas houve uma outra razão escondida além do abandono do amor a Deus: promover a candidatura de Lula para presidente e criticar o governo do presidente Bolsonaro e a sua candidatura à reeleição. Para a Teologia da Libertação, conquistar o poder civil é essencial.

Padre Júlio está muito empenhado na campanha de Lula. Basta lembrar que acompanhou Lula nas exéquias de Dom Claudio Humes, mesmo contrariando o desejo da família, que certamente não queria o nome de Dom Cláudio sendo utilizado com fins políticos. Creio que a família de Dom Cláudio não mora na rua e por isto não tem o respeito do padre Júlio.

A Teologia da Libertação sonha e trabalha para voltar ao poder, quer seja pela vitória de Lula nas eleições, quer seja pela contagem dos votos. Para a Teologia da Libertação, os fins justificam os meios. Não existindo uma lei moral objetiva que expresse a vontade de Deus, a moral só depende de situações concretas, que mudam de acordo com aquilo que se acredita serem as necessidades do “homem”. Na entrevista, padre Júlio se vangloria de desobedecer a lei quando se trata de atender alguém. Ele dá alguns exemplos bem singelos mas que tornam muito claros esse pensamento.

Haveria muito o que comentar da entrevista. Foi longa, mais de duas horas. Recomendo a todos que assistam na íntegra. Além de certamente diminuir a pena do purgatório, ela é esclarecedora do pensamento da Teologia da Libertação e de quanto esse pensamento se afasta da doutrina da Igreja Católica. Aqui vou aqui tratar apenas de um ponto.

Padre Julio juntamente com o Sheik, seu grande amigo de filantropia e de atuação política discreta a favor do PT, defenderam que não basta fazer doações aos moradores de rua - aliás, ao que parece, dinheiro é coisa que não falta para eles, são anticapitalistas bem capitalizados. Assim, segundo os entrevistados, é preciso olhar para os moradores de rua e dar atenção. Lembrar que são seres humanos. Dar um bem com desprezo ou simplesmente para cumprir uma obrigação não produz bom resultados, segundo eles, pois mantém a revolta naquele que recebe.

Quem diria? Pelo menos neste ponto concordamos. Mas é por bem pouco tempo. Concordo que o alimento dado ao pobre não é um fim em si mesmo, mas então qual seria o fim? Quem responde é São Paulo: "Ainda que eu distribuísse todos os meus bens no sustento dos pobres, e entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, nada aproveita" (I Cor. XIII,3). Segundo a doutrina católica, na caridade o principal é procurar a salvação das almas, a verdadeira preocupação com o outro não deve ser alimentá-lo, mas colaborar na salvação da sua alma.

Mas a partir daí, padre Júlio, o sheik e evidentemente o ateu discordam completamente da doutrina católica. Para eles o que importa, ao menos o que eles ensinam em público, é cuidar das necessidades materiais do pobre. Tratar bem é um complemento deste conforto material que deve ser oferecido ao pobre. Não se deve falar em alma, religião ou que quer que seja. O culto que se deve ter é ao homem. Os três concordam até que a religiosidade pode atrapalhar esta ação e por isto é necessário cuidado com a religião pois ela se torna um mal quando tira o homem do centro de tudo.

Portanto, para padre Júlio o homem nada mais é do que um tubo digestivo, um animal como outro qualquer. Com talvez uma peculiaridade, deve-se demonstrar carinho e atenção em relação a ele. Por esta razão que o Sheik afirmou durante a entrevista, e apoiado por padre Júlio, que juntamente com os pobres ele abriga os cachorros de rua.

Para reforçar e justificar sua análise, padre Júlio afirmou que os moradores de rua são muito perspicazes pois, olhando para as pessoas, eles sabem o que realmente elas pretendem: se a doação tem como finalidade ajudar o pobre ou fazer propaganda do doador. E aqui é claro não faltaram exemplos. Não é nada raro, mesmo entre os esquerdistas pretensamente interessados na filantropia, encontrar gente bem dissimulada.

Para deixar mais claro seu pensamento, padre Júlio apresentou um exemplo da vida real. Segundo ele, certa vez os guardas da praça da Sé diziam ao padre que observavam os moradores de rua e que eles não eram os “santinhos” que o Padre imaginava pois cometiam muitas infrações. O Padre então respondeu que também os moradores de rua observavam os guardas que recebiam "propinas”. Insinuou padre Júlio que, como eles percebiam as falhas dos guardas, estes não teriam o apreço dos moradores de rua. As supostas fraudes dos guardas justificariam, segundo o padre Julio, as ações criminosas dos desabrigados na praça da Sé. Ao invés de corrigir a ambos, padre Júlio seguiu a cartilha do marxismo e promoveu a luta de classes, atiçando uns contra outros.

Mas se os moradores de rua são tão perspicazes - não se trata aqui de duvidar que o sejam - será muito bom que eles também assistam a conversa do padre Júlio com seus amigos islâmico e ateu. Porque na conversa, na mesa em volta da qual estavam reunidos havia muita bebida. Vinho e vinho caro. E no telão do fundo a propaganda da mesma bebida. A imagem da conversa está neste artigo.

Então assim como os moradores de rua observavam os guardas, também observariam o padre Júlio na mesa cheia de bebida capitalista e tradicional que, segundo a propaganda, remonta aos tempos da Idade Média. Padre Júlio não aceita a Igreja da Idade Média! já a bebida...

O bom exemplo que padre Júlio gostaria que os guardas dessem, ele também não dá. Mas para o Marxismo é assim mesmo. Toda filantropia é só desculpa para justificar a luta de classes e promover o ódio entre as pessoas. Tudo vale se pelo bem do partido e pela vitória da esquerda. O que os marxistas odeiam é a Deus, que fez o mundo desigual. Seu orgulho não admite nenhum tipo de superior.

Padre Júlio se recusa a fazer propaganda da Igreja Católica, ou a aparecer como um católico. Mas quanto à bebida...
 

    Para citar este texto:
"O Padre, o Sheik e o Ateu"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/politica/opadreosheikeoateu/
Online, 19/04/2024 às 03:01:48h