Igreja

O Missal de São Pio V não havia sido ab-rogado?
Marcos Libório

“Quanto ao uso do Missal de 1962 ... quero chamar a atenção
 para o facto de que este Missal nunca foi juridicamente ab-rogado
 e, consequentemente, em princípio sempre continuou permitido.”
(Apresentação do "MOTU PROPRIO"
SUMMORUM PONTIFICUM
do Papa Bento XVI)
 
  
     Ab-rogado. 
     É assim que, segundo os arautos da nova missa, deveria ser tratado o missal de São Pio V a partir da promulgação do novus ordo de Paulo VI: ab-rogado, proibido, abolido!

     E baseados em que os defensores da missa nova faziam essa afirmação taxativa? Em primeiro lugar, na maior autoridade em missa nova, seu próprio artífice, Monsenhor Annibale Bugnini.
     Para provar que o Missal de São Pio V havia sido ab-rogado, Bugnini reproduziu em seu livro a consulta do monsenhor Sustar - secretário do Conselho das Conferências Episcopais européias – à Congregação do Culto Divino para saber se havia uma proibição oficial ao uso do missal de São Pio V. A resposta foi a seguinte: 

“O secretário da Congregação escreveu a Mons. Sustar em 17 de Outubro de 1973, esclarecendo os seguintes pontos: 1) O Missal de Pio V foi definitivamente abrogado pela Constituição Apostólica Missale Romanum. Basta ler a cláusula final. (...)”
(Bugnini, Annibale, La reforma de la liturgia (1948-1975), BAC, 1999, pág. 262) [tradução e negritos nossos]

     A cláusula final da Constituição Apostólica Missale Romanum diz: 

“Tudo o que aqui estabelecemos e ordenamos queremos que seja válido e eficaz, agora e no futuro, não obstante a qualquer coisa em contrário nas Constituições e Ordenações Apostólicas dos nossos predecessores, e outros estatutos, embora dignos de menção e derrogação especiais.” (http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_constitutions/documents/hf_p-vi_apc_19690403_missale-romanum_po.html)

     Ora, não está dito aí que o Missal de São Pio tenha sido ab-rogado. Diz que leis anteriores não devem limitar o novo missal. E também que essas leis anteriores são dignas de privilégios especiais. Mas não diz que o Missal de São Pio V foi ab-rogado.
     Aliás, se tivesse dito isso, seria desnecessária a consulta de monsenhor Sustar...
     Os especialistas diziam que para que o Missal de São Pio V fosse ab-rogado, deveria haver uma previsão clara na nova lei, contemplando a revogação dos seus três pilares: o Missal como lei geral da Igreja, como privilégio e como costume imemorial, conforme o diz explicitamente a bula Quo Primum Tempore. Porém, nenhum dos três pilares foi citado pela Constituição Missale Romanum de Paulo VI.
     Mas hoje não é preciso mais analisar os aspectos teológicos ou jurídicos da Constituição Missale Romanum, pois o Papa Bento XVI esclareceu definitivamente a questão, afirmando, com todas as letras e com clareza Católica, que o Missal de São Pio V nunca foi ab-rogado!           

     Curioso notar como essa e outras provas aludidas por Bugnini para afirmar a abolição do Missal de São Pio V nunca assumiam uma forma oficial: era sempre uma consulta aqui, uma notificação ali, mas nunca um documento oficial da Igreja afirmando que o Missal tridentino estivesse definitivamente proibido.
     Nessa consulta mesma do monsenhor Sustar, note-se como há uma preocupação absoluta de que a validade legal do ntigo Missal não seja discutida (a recomendação foi feita pela Secretaria de Estado ao secretário da Congregação do Culto): 

“em vista da delicadeza da matéria objeto da polêmica, convém que Vossa Excelência responda ao solicitante de forma totalmente pessoal, com uma carta não oficial e sem número de protocolo. (sic!)”
(Bugnini, Annibale, op. Cit., pág. 262) [tradução e destaques nossos]

     Como é possível que um expediente assim... pouco usual... possa ser considerado a melhor maneira de “esclarecer a questão sem ofender ninguém”, como alegou monsenhor Bugnini?
     Parece muito mais uma forma de encerrar a questão à força, sem esclarecer coisa alguma, sem considerar os complexos aspectos jurídicos envolvidos.
     Esquisito...
     
      E se o Missal de São Pio V tivesse sido mesmo ab-rogado, como explicar as concessões ao seu uso feitas posteriormente pelo Papa João Paulo II, por meio do indulto “Quattuor abhinc annos” e do motu proprio “Ecclesia Dei”?
     
O que está abolido não pode ser normalmente concedido, ainda que sob condições e a um pequeno grupo. Se havia concessão, é porque a lei ainda era permitida. 
     Desde há muito parecia haver algo de estranho nessa ab-rogação...
     No intervalo desses dois documentos, em 1986, foi feita uma consulta do Papa aos cardeais, na qual oito de nove cardeais responderam negativamente se a Missa tridentina tinha sido abolida por Paulo VI. Quem relatou essa reunião foi um dos seus participantes, o Cardeal Stickler. 
     
Aliás, o próprio Cardeal Stickler celebrou Missa de São Pio V em 1996 para quatro mil pessoas na Catedral de Saint Patrick de Nova York. E o Cardeal Hoyos celebrou segundo o mesmo Missal em Roma, na Santa Maria Maggiore, em 2003.      
     Na prática, tudo isso significava que o Missal não havia sido abolido, mas apenas substituído pelo novus ordo.
     Mas faltava a declaração oficial da Igreja, para esclarecer de vez a questão. Pois Roma locuta, causa finita est.
     E essa declaração chega agora através do motu proprio do Papa Bento XVI SUMMORUM PONTIFICUM, cujo teor vem sendo antecipado desde o ano passado pelo Cardeal Hoyos, que vinha afirmando clara e insistentemente que o Missal de São Pio V nunca foi proibido, preparando a recepção do documento oficial do Papa.
 
     Monsenhor Bugnini então, quem diria, falseou a verdade!
     Também, o que esperar de um prelado que fez sua missa experimental sob os olhos atentos de seis pastores protestantes? Será que foi a convivência com os pastores luteranos que fez Monsenhor Bugnini formular, como Lutero recomendava, essa “boa e grossa mentira”?
     E o que pensar de um Arcebispo que, depois de atingir os pináculos do prestígio vaticano, terminou sua brilhante carreira com uma melancólica despedida da Congregação do Culto e como pró-núncio apostólico... no Irã!?
     Imaginem, caros leitores: o homem que comandou a maior mudança na liturgia já perpretada na história da Igreja, depois de promovido a secretário da Congregação do Culto e logo em seguida a Arcebispo, ser mandado para o Irã! Convenhamos, isso não soa lá muito como uma promoção.  
     Com uma carreira dessas, não seria muito difícil imaginar que o Arcebispo italiano estivesse cotado para o cardinalato, ao menos in pectore. Mas antes que pudesse sair de pectore, veio a peccorelli, e Bugnini teve que fazer as malas para uma nunciatura no Oriente Médio.
 
     Mas afinal, por que um Arcebispo da Igreja Católica faltaria à verdade – como está agora provado pela intervenção direta do Papa - numa questão tão fundamental como essa?
     Embora chocante, a finalidade dessa mentira salta aos olhos: se a Missa tridentina estivesse de fato abolida, como afirmava categoricamente Bugnini, não haveria mais porque continuar lutando por sua permissão de uso e liberação. Para impor seu rito, Bugnini não hesitou em minar a resistência dos fiéis Católicos através da mentira.
     Quantos católicos então não deixaram de freqüentar a missa porque não viam mais no novus ordo a representação digna do sacrifício do Calvário? Quantos católicos não pensaram que a Igreja havia perecido, porque permitira uma missa protestantizante e caricata? E quantos não perderam a fé pois viram na suposta ab-rogação da Missa de sempre a vitória do modernismo dentro da Igreja? E quantos mais não deixaram de receber os frutos da Missa porque monsenhor Bugnini afirmou mentirosamente, que a Missa tridentina estava ab-rogada?
     E Bugnini, armado com esses falsos argumentos, ainda debochava dos que buscavam honestamente defender o Missal de sempre. Dizia ele, amparado em sua mentira: 

“Quando se tem má-fé, de nada valem os documentos por mais solenes que sejam. Sempre se encontra justificação para os próprios atos, contra a autoridade”
(Bugnini, Annibale, op. Cit., pág. 263) 

     De fato, a má fé cega os homens...
 
***
 
     Finalmente, chegou o tão esperado motu proprio do Papa Bento XVI.
     E o Papa, falando de forma clara, contra o que afirmou monsenhor Annibale Bugnini, disse: 

“Quanto ao uso do Missal de 1962 ... quero chamar a atenção para o facto de que este Missal nunca foi juridicamente ab-rogado.”

     Roma locuta, causa finita est.
     Deo gratias.
 
17/03/2010
 
 

    Para citar este texto:
"O Missal de São Pio V não havia sido ab-rogado?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/missal_ab_rogado1/
Online, 28/04/2024 às 14:00:05h