Igreja

Fim da Gaudium et Spes?
James Hitchcock

(Versão do original inglês, divulgado pelo The Catholic World Report – 02-9-03. O negrito é nosso).
http://www.cwnews.com/about/about.cfm

Um otimismo fabricado – possivelmente um produto da época da realização do Concílio Vaticano II – impede, hoje, tentativas concretas de tratar da crise do Catolicismo.

Por James Hitchcock

01 de maio (CWR) –Os acontecimentos históricos jamais podem ser entendidos completamente quando estamos imersos neles, pois, certos comportamentos só são vistos, de forma mais aprofundada e clara, com o passar do tempo. Porém, somente os que vivem os fatos conseguem entender a força daquela realidade aparente, que os historiadores jamais recuperam plenamente: o espírito dos tempos”. O Concílio Vaticano II tem sido exaustivamente estudado e debatido, tanto em seus decretos como na sua implementação. Mas seu impacto profundo na Igreja jamais poderá ser entendido isolado do espírito do tempo em que o Concílio foi realizado.

O Papa Pio XII (1939 -1958), tipificou o papado tradicional. Foi o último pontificado do qual se pode dizer que o ocupante do trono papal governou – sua autoridade foi respeitada e temida; seus decretos foram obedecidos. A Igreja da década de 50 era uma instituição coesa, cujos membros mostravam um alto grau de comprometimento. Porém, havia uma certa fragilidade nesta coesão. Algumas vezes notava-se excessiva dependência às regras e precauções; uma suspeita generalizada do mundo; uma aparente preocupação (que se mostrou correta) de que ceder em pequenas coisas poderia levar a grandes desastres.

Se o Papa João XXIII aparentava ser, para os cardeais que o elegeram, um Papa de “transição”, ele estava longe de ser um papa inativo. Por seu reinado ter sido tão curto, ele deixou poucos feitos concretos, fora a convocação do próprio Concílio. Mas ele foi Papa por tempo suficiente para realizar uma forma de revolução no conceito de papado e da Igreja. Por sua própria personalidade, à parte tudo que ele tenha dito ou feito, ele efetuou uma mudança profunda na imagem popular do papado, uma alteração do Papa como governante, para o Papa como um pastor amável. Assim ele visitou sua antiga diocese, e alguns lugares fora de Roma, iniciando a tradição de viagens papais que iria culminar com o Papa João Paulo II, de longe o papa mais viajado de toda história. A disposição de João XXIII de deixar o confinamento do Vaticano, também, foi vista como analogia à nova jornada espiritual. Ele visitou uma cadeia e colocou-se à disposição para todo o tipo de pessoa -- por exemplo, o genro do premier soviético Nikita Krushchev. Estes gestos públicos, apesar de em si modestos, tiveram um efeito emocionalmente “liberador” nos católicos, que não podia ser apreciado por aqueles que não o experimentaram, um efeito progressivo contínuo e ampliado pelos relatórios posteriores provenientes do Concílio Vaticano Segundo.

Porque o papa João convocou o Concílio, permanece até hoje algo misterioso. O papa falou de um "novo Pentecostes" , e sinalizou que, sendo os ensinamentos da Igreja firmes e indubitáveis, o Concílio não se preocuparia com a doutrina, mas deveria ser primordialmente um concílio "pastoral". Aparentemente, chegara o grande sonho de João XXIII: colocar de lado a defensividade que caracterizara a conduta da Igreja nos últimos 400 anos, iniciando, assim, a aproximação com o mundo, trazendo Cristo para as Nações, preparando uma conversão universal, visto estar a Igreja em situação estável. As metas do Concílio seriam "a renovação do espírito do Evangelho nos corações das pessoas, por toda parte, e a acomodação da disciplina Cristã à vida dos tempos modernos."

Estes objetivos se tornaram possíveis pelo estado aparentemente florescente da Igreja durante o pontificado do papa João. Apesar de alguns problemas, a Igreja se encontrava mais livre do que antes, no período moderno, e, em contraste com o que viria depois, seus membros eram normalmente sérios, devotos e morais. Tal Igreja poderia ser criticada, principalmente por fomentar o formalismo rotineiro e por uma piedade demasiadamente estreita, e era por isto que o papa João pensava que um novo Pentecostes poderia ser construído sobre estes fundamentos, para alcançar um nível mais alto de zelo apostólico, de profundidade espiritual e de preocupação com o social.

A convocação do Concílio também veio em meio às instruções diretas do Papa João, através de sua encíclica Pacem in Terris ("Paz na Terra"), para fazer do trono papal uma grande força para a paz e justiça no mundo.

O ESPÍRITO DO CONCÍLIO

Em seu discurso de abertura do Concílio, o Papa afirmou a permanente infalibilidade da Igreja e convocou todos os bispos a levar em conta os "erros, requerimentos, e oportunidades" da época. Ele lamentou que alguns católicos --"profetas das desgraças" — pareciam incapazes de ver qualquer coisa boa no mundo moderno e o consideram o pior de todos os períodos históricos. A disposição geral da sociedade nos anos 60 também fomentava este otimismo. Apesar da sombra da Guerra Fria, era um tempo de esperança. Um regime maligno fora vencido, a vida familiar parecia bastante estável, os países recém independentes do “Terceiro Mundo” pareciam ter um futuro brilhante, havia prosperidade crescente, e a tecnologia moderna prometia uma vida melhor para todos. Este espírito otimista aliou-se nos EUA com a presidência de John F. Kennedy, a encarnação viva da crença onde competência e boa vontade podem resolver todos os problemas do mundo.

Gaudium et Spes ("Alegria e Esperança"), a Constituição da Igreja no Mundo Moderno, foi um decreto centrado na mensagem do Concílio Vaticano II, cujo tom difere de muitos documentos anteriores da Igreja, no qual não se condena ou avisa, mas expressa simpatia e compreensão para com o mundo. A humanidade foi vista como tendo boas intenções, ansiosa por verdade e justiça que a Igreja desejava atender. O documento continha declarações ortodoxas sobre o pecado e o mal, mas quaisquer destas declarações negativas não passavam de um tema menor no escopo geral do documento. Embora em sua linha mestra a Gaudium et Spes fosse também "triunfalista" –declarando a superioridade da Igreja sobre a cultura –a essência de sua mensagem é que os homens sempre irão se desapontar, enquanto se basearem apenas em seus próprios recursos para alcançar o bem. Somente quando eles reconhecerem a necessidade do Evangelho de Cristo, a Igreja será vista como mãe amorosa e solidária, sempre dando ao mundo uma orientação firme.

Assim, todas as forças positivas do mundo moderno – o desejo de uma direção, a sede de justiça, a necessidade de honestidade e autenticidade – foram tratadas pelo Concílio como incipientes pedidos de ajuda, manifestando uma sabedoria e bondade implícitas ao homem moderno e, ao mesmo tempo, revelando que o homem moderno é por si mesmo inábil para conseguir o que ele anseia. As mais altas aspirações da cultura moderna são assim continuamente frustadas.

O Concílio também reconheceu que a Igreja pode aprender com o mundo. A chave era "ler os sinais dos tempos" discernindo a mão de Deus no movimento da história. A Igreja simplesmente não mais condenava a cultura secular, mas buscava o que nela havia de positivo, para construir sobre isto. Os Liberais, na Igreja e no mundo, imediatamente abraçaram a Gaudium et Spes como um documento em que a Igreja admitia erros cometidos no passado, e reconhecia a bondade essencial da cultura secular.

 

O PODER DO MAL RECRUDESCE

Em muitos aspectos a promessa do Concílio não foi cumprida, como o imediato efeito do Concílio – ainda forte após quatro décadas – mergulhando a Igreja numa crise interna mais grave que qualquer outra em sua história. A crise foi provocada pelo fato de, quase imediatamente ao final do Concílio, ter ocorrido o fenômeno cultural mundial, hoje popularmente conhecido como “Anos Sessenta,” eqüivalente a nada menos do que um assalto frontal a todas as formas de autoridade. O próprio mapa cultural mudou rapidamente, tanto que, muitas das premissas encontradas nos decretos conciliares, logo se tornaram obsoletas. Os padres conciliares aparentemente não tinham idéia da crise vindoura, e a tarefa de "ler os sinais dos tempos" parece ter sido bem mais difícil do que se imaginava nos eufóricos dias do inicio dos anos 60.

Os decretos conciliares foram elaborados sobre esta euforia, com efeito, impuseram um otimismo compulsório aos Católicos. Apesar da famosa declaração do Papa Paulo VI sobre a "fumaça de Satanás", como tendo entrado na Igreja, era geralmente o costume das autoridades do Vaticano e dos bispos diocesanos, nos anos desde o Concílio, minimizar os problemas do período pós conciliar e falar de “renovação” como um sucesso atordoante. A Gaudium et Spes foi tanto revolucionária quanto falha em reconhecer o poder completo do mal no mundo, particularmente a realidade dos motivos maléficos nas questões humanas. Falando de "aspirações humanas," o Concílio admitiu que até erros brotam de boas intenções, e podem ser corrigidos por uma profunda compreensão. Isto faz pouco caso da realidade humana sempre proclamada na Escritura: ódio da verdade e da bondade, amor pelo mal por sua própria vontade.

A generalizada boa vontade expressa na Gaudium et Spes , não intencionalmente, ajudou a erodir a distinção crucial entre esperança e otimismo, que em termos cristãos são sempre pólos opostos. A esperança genuína, como uma virtude teológica, crê na redenção, no derradeiro triunfo do bem sobre o mal. Ela é uma virtude teológica precisamente porque a experiência histórica, mais freqüentemente, mostra o mal triunfando sobre o bem. Confundir esperança com otimismo, na verdade, é negar a esperança por minimizar o poder do mal e insistir que o bem triunfará, apesar de toda evidência em contrário. Os próprios documentos do Concílio não falharam só em prever a crise vindoura, eles assumiram, por sua omissão, que não iria ocorrer. Enquanto certos erros eram apontados nos documentos, a premissa dominante era que, como os católicos foram encorajados a assumir novas responsabilidades para viver sua fé, iria florescer uma comovente primavera. Os próprios documentos proveram parca ajuda para entender como esta renovação poderia ter falhado, acarretando os desastres que nós podemos ver hoje ao nosso redor: a perda do zelo missionário, o colapso da vida religiosa, as liturgias sacrílegas, a geral aceitação pública da revolução sexual.

O Concílio inicialmente entendeu modernidade como mudança científica e tecnológica, sem um desenvolvimento espiritual equivalente – uma perspectiva que teve o efeito de desviar a atenção das raízes espirituais da modernidade, que em seu extremo são um tipo de niilismo metafísico deliberado, relacionado apenas obliquamente com ciência e tecnologia. Concentrar-se na ciência e na tecnologia, com a implicação que suas deficiências poderiam ser superadas por boa vontade, permitiu ao Concílio sustentar sua visão otimista do mundo moderno, ignorando a questão: se a modernidade tinha em seu coração uma negação da possibilidade de verdade eterna.

O Concílio identificou o ateísmo como um dos problemas mais fundamentais do mundo moderno. Mas o espírito ambíguo se manifestou no fato do Concílio ter condenado o ateísmo diretamente, oferecendo, por outro lado, uma orientação simpática para o ateu, assumindo que, às vezes, o ateísmo foi incentivado pelas falhas dos próprios cristãos. Aqui, como em qualquer lugar, a implicação da Gaudium et Spes era de que os erros modernos, em geral, são o resultado da boa vontade mal dirigida, e que podem ser superados por esforço paciente.

 

A MENTE DO PAPA JOÃO PAULO II

João Paulo II foi membro da comissão que esboçou a Gaudium et Spes e, quando da sua eleição como Papa, suas primeiras palavras para o mundo foram: "Não tenham medo”. Apesar de católicos liberais, com a ávida cooperação da mídia, terem-no rotulado de "reacionário", que procura reverter os efeitos do Concílio, João Paulo II obviamente se considera um homem do Concílio no âmago de seu ser, alguém que realmente entende a mensagem do Concílio. Talvez ele seja melhor descrito como otimista ortodoxo, que afirma corajosamente todo os ensinamentos católicos, mas parece considerar sempre o espírito da Gaudium et Spes obrigatório para os fiéis.

O Papa João Paulo pode ser o mais completo teólogo que jamais ocupou o trono papal, possivelmente o pensador católico mais importante do século passado, sobretudo o homem que articulou, sozinho, de uma vez por todas, o mais sublime entendimento católico sobre sexualidade humana. Assim, é amargamente irônico que seu pontificado tenha sido marcado por ataques sistemáticos contra a moralidade sexual católica, em todas as áreas, muitas das quais montadas, até mesmo, por sacerdotes e religiosos. É particularmente irônico que seu pontificado será lembrado, dentre outras coisas, pelos mais sórdidos tipos de escândalos sexuais entre os clérigos.

A imagem popular de João Paulo II como um reacionário é imprecisa, particularmente quando ele hesita em exercitar seus poderes disciplinares, a despeito das persistentes evidências de negligência de responsabilidade da parte dos bispos que ele nomeou – cujos escândalos de abusos sexuais são meramente o exemplo mais evidente. Fontes bem informadas relatam que funcionários do Vaticano, incluindo o Papa, não ficaram profundamente chocados pelos escândalos de abuso, e não vêem necessidade da reavaliação da agonizante disciplina clerical. (Os escândalos são conseqüências particularmente funestas do otimismo pós-conciliar mal colocado. Regras estritas sobre comportamento clerical foram geralmente rescindidas após o Concílio, com base na confiança em que os padres agem de maneira apropriada).

Na entrevista jornalística publicada em forma de um livro como Crossing the Threshold of Hope, o Papa João Paulo, quando questionado sobre a crise pós conciliar, fez distinção entre a renovação "qualitativa" e "quantitativa", indicando que a perda de membros da Igreja não é tão significativa quanto a autêntica renovação espiritual que estava acontecendo. Talvez esta seja a única forma possível de se minimizar os desastres pós-conciliares. Contudo, não há base doutrinaria para desprezar a seriedade da apostasia em massa. E pelos padrões mensuráveis de comportamento – controle de natalidade, aborto, divórcio, homossexualidade –é difícil considerar que os católicos praticantes de hoje estejam vivendo mais completamente sua fé que seus antecessores viveram. A abordagem do Papa João Paulo com respeito à sexualidade humana, talvez seja o melhor indício do espírito que guia seu pontificado. Ele afirma, sem ambigüidades, o ensinamento da Igreja, enquanto, ao mesmo tempo, se esforça em trazer isto para um nível mais alto, pela síntese com o melhor do pensamento moderno, e apresentando-o de forma altamente positiva, mesmo inspiradora. Autor de muito mais documentos públicos que qualquer outro papa da história, ele parece acreditar que, repetindo exortações positivas, mesmo profundas exposições do credo católico, irá superar as dissidências e trazer todas as pessoas de mente correta para a verdade.

As viagens papais, sem precedentes, durante seu pontificado se encaixam neste padrão. Onde o Papa vai é saudado entusiasticamente por multidões que aplaudem sua mensagem – um fenômeno que não pode sustentar uma euforia fugaz sobre o estado da Igreja. Raramente se pergunta, contudo, o que acontece com aqueles que comparecem a tais eventos, especialmente os jovens, quando voltam para casa, onde as Igrejas locais sempre os bombardeiam com idéias que diretamente minam a mensagem papal.

 

O CASO DA ONU

O Concílio não condenou nenhuma pessoa ou movimento pelo nome e, enquanto apontava erros do Marxismo, não disse nada explicitamente sobre o Comunismo, um gesto significativo num mundo onde os cristãos estavam sob severa perseguição pelos regimes totalitários ateus. A inesperada queda do Comunismo na Europa, um quarto de século após o Concílio, poderia ser vista como uma justificativa para o otimismo dos bispos, e talvez o fator que mais reforça o próprio otimismo do Papa João Paulo. Contudo, o que quer que tenha causado o colapso do Comunismo (presumivelmente alguma combinação de forças políticas e econômicas), não foi o diálogo franco e aberto que o Concílio parece ter recomendado. Por fim, era inegável que o Comunismo fora exatamente o mesmo fenômeno maligno condenado pelos lideres anteriores da Igreja.

Mesmo o "reacionário" Pio XII apoiou firmemente as Nações Unidas no seu inicio, e o Concílio falou com calorosa aprovação de agências de cooperação das quais se esperava que fossem instrumentos de paz e justiça mundiais. Agora, contudo, há o contraste entre otimismo compulsório e realidade histórica, mais pronunciado do que nunca. Na melhor das hipóteses, as Nações Unidas têm repetidamente falhado em conseguir suas metas estabelecidas. Na pior, ela tem se tornado, gradativamente, numa instituição através da qual os inimigos da religião buscam implementar um programa que só a Santa Sé, com sucesso muito limitado, deve lutar para conter – Uma agenda que proeminentemente realiza a promoção da "liberdade sexual" incluindo aborto legalizado, como direito humano básico. Alguns grupos têm mesmo proposto usar a Corte Criminal Internacional, uma criação da ONU, para processar o Papa por "crimes contra a humanidade" por causa de sua falha em aprovar a distribuição de preservativos. Ainda assim o Vaticano continua a oferecer um apoio entusiasmado à ONU. A Santa Sé, assim, fortalece com uma retórica idealista empreendimentos que trabalham diabolicamente.

 

REALISMO MORAL

Fé tem a ver com “coisas invisíveis. Contudo, a fé católica nunca exigiu de seus fiéis que negassem o que a experiência humana descobriu ser verdadeiro. Agora, porém, o otimismo compulsório da Gaudium et Spes parece mais e mais exigir precisamente que os católicos ignorem o que a historia ensinou-lhes e que eles continuem a incentivar um otimismo que a história parece negar.

O Papa João Paulo agora faz julgamentos prudentes sobre situações históricas particulares que parecem ao menos abertas a discussões: que a pena capital não mais serve a um propósito social legítimo, por exemplo, ou que a guerra não traz benefícios. Como várias pessoas têm notado, o Papa, enquanto não explicitamente declarando sua oposição a toda guerra como sendo o ensinamento oficial da Igreja, algumas vezes parece implicar precisamente isto, e o Arcebispo Renato Martino, chefe da Concílio Pontifical para a Paz e Justiça, o faz explicitamente, argumentando que a tradição de guerra justa não é mais relevante.

Pelo menos, desde o novelista russo do século XIX, Fyodor Dostoevsky, as raízes do terrorismo tem sido reconhecidas primariamente como espirituais – um ódio niilista, que urge por destruir – pelos quais os protestos político-econômicos são meramente racionalizações. Líderes religiosos parecem ser especialmente qualificados para entender este fenômeno, e o Papa João Paulo, particularmente, por causa de seu profundo conhecimento de filosofia moderna. Atualmente, contudo, a Santa Sé não parece reconhecer o terrorismo como este tipo de fenômeno, e o Papa tem definido como "causas principais" pobreza e negação dos direitos humanos, um diagnóstico que não vai além do que o liberalismo secular está apto a ir.

Algumas sociedades islâmicas (Sudão) buscam agora exterminar a cristandade, e a islamização da Europa no curso do século vindouro é agora um prospecto bem realista. O pior terrorismo hoje é o feito pelos muçulmanos, que se vêem vinculados a uma luta de vida e morte contra o “Grande Satã” do Ocidente, incluindo o mundo cristão. Há poucas evidencias, porém, que a Santa Sé reconheça esta realidade, pois continua a se aproximar do Islã de forma "ecumênica".

Como apontado pelo teólogo protestante Reinhold Niebuhr, no início da Segunda Guerra Mundial, um idealismo amplamente preocupado com a paz e justiça internacional não serve, normalmente, ao propósito pelo qual se pretende, mas ao oposto, permitindo o florescimento do mal descarado. O Papa João Paulo II proclamou que a guerra tem sido repudiada pelaconsciência da maioria da humanidade," um julgamento prudente de imensa importância histórica, mas que parece carecer de evidência empírica, e que, se mostrando errôneo, irá fazer a guerra mais viável do que nunca.

É altamente desapropriado que líderes religiosos devam ser “sanguinários,” lançando o povo em uma guerra e hostilidade de grupos, como é apropriado que a Santa Sé deva buscar sempre ser a voz da paz e da cooperação internacional. No passado, contudo, nunca se pensou que os católicos, incluindo os líderes da Igreja, não pudessem ser realistas sobre política, no senso de reconhecer que o uso da força, legítima ou ilegitimamente, será sempre parte dos conflitos humanos, e os cristãos podem e devem agir nesta realidade. (Em uma passagem a Gaudium et Spes condena o nazismo, apesar de não ser pelo nome, enquanto em outro lugar ela fala de "virulência" das "guerras recentes," sem notar que a guerra era o único meio pelo qual os males do Nazismo puderam ser derrotados).

Uma maneira comum de banalizar a fé religiosa é precisamente torná-la um tipo de sonho otimista, onde a tarefa da religião se torna a de incentivar um desejo contrário à realidade histórica, um otimismo que é finalmente herético porque não pode reconhecer o pecado. O próprio João Paulo II nunca teria cometido tal engano, mas recentemente um escritor católico louvou a “fé” do Papa na possibilidade de uma solução pacífica para as disputas internacionais – uma redução sentimental de “fé” a um pensamento desejado, uma redução que é característica do liberalismo religioso moderno.

O título da Gaudium et Spes, tomado das três primeiras palavras do texto em Latim, expressa precisamente o espírito dominante do documento. Mas os padres do Concílio reconhecem que o mundo geme sob o peso do pecado e da alienação. Talvez tenha chegado o tempo da Igreja se mover para além das palavras de abertura do decreto e atender à próxima frase do documento: “luctus et angor”reconhecendo que o mundo é também afligido por tristeza e angústia.

[Autor] James Hitchcock, colaborador regular, é um professor de história na Universidade de Saint Louis e o fundador da Irmandade dos Estudiosos Católicos.


    Para citar este texto:
"Fim da Gaudium et Spes?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/fim_gaudium_spes/
Online, 20/04/2024 às 13:17:09h