Igreja e Religião

O efeito Ratzinger
Marcelo Musa Cavallari

FIRMEZA - Bento XVI abençoa fiéis depois de uma missa em Roma. Suas últimas decisões desagradaram à ala da Igreja que prega a modernização Foto: Alessandra Tarantino/AP 

Há décadas os críticos da igreja Católica anunciam que, diante de uma crescente alienação em relação ao mundo e à conseqüente perda de fiéis, ela acabará por aceitar a ordenação de mulheres, o uso de preservativos, o fim do celibato sacerdotal e o resto da agenda progressista. Não no que depender do papa. Bento XVI tem insistido na necessidade de preservar a identidade católica, tanto para o bem da Igreja quanto para o papel dela no mundo. “Só se dialoga”, diz Bento XVI, “a partir de uma identidade claramente assumida.” Fiel a essa linha, na semana passada a Igreja liberou o uso da missa tal como era rezada antes do Concílio Vaticano II e reafirmou ser ela a única verdadeira Igreja de Cristo. As duas decisões desagradam a protestantes, ortodoxos e à ala modernista do catolicismo.

Até agora os números têm dado razão a Bento XVI. Tornou-se um lugar-comum dizer que ele estaria até disposto a ver o número de fiéis cair se for esse o preço da fidelidade à tradição. Mas, desde que Joseph Ratzinger foi eleito papa, em 2005, o número de peregrinos que vão a Roma vê-lo não pára de crescer. São 7 milhões por ano, um crescimento de 20% desde 2005, contrariando as previsões. O balanço apresentado no fim da semana passada mostra que o Vaticano fechou o ano de 2006 com um superávit de 2,4 milhões de euros. Só o Óbulo de São Pedro, coleta feita no dia 29 de junho no mundo todo que reverte diretamente para Roma, pulou de US$ 60 milhões em 2005 para US$ 102 milhões no ano passado. Vaticanistas do mundo inteiro já falam de um “efeito Ratzinger” no catolicismo.

Mesmo assim, as últimas decisões papais foram criticadas. Através de um motu proprio, documento que o papa escreve por sua própria iniciativa, Bento XVI mudou as regras e tornou muito mais fácil para os fiéis que o desejarem usar o missal anterior ao Concílio Vaticano II – o que até hoje exigia a autorização de um bispo local. A chamada “missa tridentina”, ou de São Pio V (o papa do século XVI que a promulgou), é rezada em latim, com o padre de costas para os fiéis. Estes só podem comungar de joelhos e nunca tocam a hóstia com as mãos. Todas essas determinações, com exceção do latim, haviam sido alteradas no missal de 1970, promulgado sob o impacto do Concílio Vaticano II. Grupos tradicionalistas, especialmente a fraternidade São Pio X, ligada ao cardeal rebelde Marcel Lefebvre, morto em 1991, haviam feito da defesa da missa tradicional o símbolo de sua luta contra o Concílio. Liberalizar o uso da missa antiga, como fez o papa, poderia ser um gesto a favor dos que querem voltar atrás nas decisões do Concílio, dizem os críticos do motu proprio.

A mesma crítica se aplicaria ao documento da Congregação da Doutrina da Fé publicado na terça-feira 10. Explicando o que significa a expressão usada no Concílio de que na Igreja Católica “subsiste” a Igreja fundada por Jesus, a Congregação diz que o Concílio não mudou a doutrina tradicional. A Igreja Católica se vê como a Igreja que o Cristo fundou. Para os envolvidos no diálogo ecumênico, que busca a reaproximação dos cristãos de diferentes confissões, pode ser um problema. Mas Ratzinger já havia feito a mesma afirmação no documento Dominus Jesus, de 2000, quando era o responsável pela Congregação da Doutrina da Fé.

Para o papa, o Concílio Vaticano II não foi uma ruptura na Igreja. Nem no sentido de traição ao passado – como dizem os tradicionalistas ligados a Lefebvre, por exemplo –, nem no sentido de fundar uma nova igreja, mais moderna e permeável às mudanças do mundo, como querem os progressistas. O Vaticano II, reafirmou o papa na carta em que explica suas decisões recentes, foi apenas o mais recente de uma série de concílios da Igreja. O que valia antes, vale agora.


    Para citar este texto:
"O efeito Ratzinger"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20070726/
Online, 25/04/2024 às 03:37:36h