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Sobre a simbologia da Ressurreição na Santa Missa
PERGUNTA
Salve Maria
pesquisando sobre a Santa Missa, me deparei com o site da Associação Montfort e com a página que falava sobre a Santa Missa. Gostei muitíssimo do conteúdo, não li tudo de forma minudente, porém tive uma dúvida, dentre outras que provavelmente surgirão ao estudar com mais atenção o conteúdo e gostaria muito de esclarecer com os senhores.
Na pergunta 162 é feito um paralelo entre a paixão, morte e ressurreição e a Santa Missa. No nº 8 Jesus é colocado no sepulcro e na missa seria o momento em que os fiéis recebem a comunhão, porém o nº 9 a ressurreição está relacionada com o fragmento da hóstia adicionada ao cálice, mas isso acontece no momento antes da comunhão durante a missa. Como algo que na santa missa acontece antes de Jesus ser colocado no sepulcro (comunhão), se relacionar no paralelo traçado, com algo que acontece depois de Jesus ser sepultado?
Aguardo respeitosamente o contato e a resposta.
Salve Maria!
Viva São José!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Sérgio Costa
RESPOSTA
Em primeiro lugar você deve ter cuidado com as inumeráveis simbologias que são propagadas sobre a Sant Missa, a tradição da Igreja e a devoção dos santos muitas vezes elaboram belíssimas imagens que relacionam o Santo Sacrifício da Missa com a Paixão de Nosso Senhor, é claro, como a Missa é atualização do mesmo Sacrifício de Nosso Senhor realizado na Cruz, só que realizado de forma incruenta, essas belíssimas imagens que correlacionam um e outro são bastante proveitosas para a nossa devoção e incitam uma terna e ardente devoção pela Missa e pela Paixão.
Tendo em vista toda essa proveitosa beleza, é preciso cuidar para não descambar para extremos que às vezes beiram o sentimentalismo, ainda que haja uma rica correlação de imagens simbólicas entre a Missa e a Paixão isso não quer dizer que a Missa seja uma espécie de narrativa ou representação quase teatral, ainda que simbólica, de cada um dos eventos da Paixão de forma que seu rito tenha que ser estritamente fidedigno à cronologia dos eventos da Paixão.
Como você mesmo pergunta, como pode uma cerimônia do rito que representa a ressurreição pode ser realizado antes de uma ação que simboliza Cristo no sepulcro? Exatamente porque toda essa riqueza de símbolos não se dispõe de forma cronológica como uma espécie de representação quase teatral, a Missa é antes de tudo um Sacrifício, por isso suas cerimônias não têm nenhum compromisso de contar uma historinha, ou ser uma espécie de narração da Paixão. Os ritos, muitas vezes, retomam e reforçam alguns aspectos do Sacrifício para reforçar a nossa inteligência aderir de forma insistente a um importante aspecto da Missa.
Veja, caro Sérgio, não estou insinuando que você vê os símbolos ou imagens devocionais da Missa de forma sentimental ou exagerada, apenas estou aproveitando essa resposta à sua carta para expor esse tipo de erro que muitos fiéis têm de procurar em tudo na Santa Missa um símbolo devocional transformando a beleza própria do Rito da Missa em algo bem sentimental, com a experiência que tenho de ensinar há anos sobre o rito da Missa, sei que esse erro acontece com uma certa frequência entre os fiéis.
Em segundo lugar, a comunhão dos fiéis é uma parte acidental da Santa Missa, a única comunhão que realmente importa para a sua integralidade é a comunhão do sacerdote, portanto, a comunhão dos fiéis nem tem tanta representatividade no rito.
Em terceiro lugar, segundo o estudo exaustivo do Pe. Josef Andreas Jungmann no seu famoso Missarum Sollemnia, explica que São Pio V teria adiantado o rito da fração da Hóstia, que antecede esse “rito da mistura”, portanto, talvez antigamente a ordem no rito estivesse mais em harmonia com os desejos de alguns. Segundo o mesmo Jungmann a Commixtio (rito da mistura) foi adiantada para ser realizada antes da saudação do Pax Domini (A Paz do Senhor):
“Según Amalarlo, cuya Influencia fué decisiva al fijar definitivamente el sitio de la conmixtión, ésta debia hacerse Junto con su oración antes del Pax Domini, o sea en la breve pausa que sigue después del Amen del embolismo, y en la que antes tenia que darse, además, la fracción de la forma y hacerse con la partícula las cruces sobre el cáliz; pues sólo después de la resurrección se apareció el Señor a sus discípulos y les dió el saludo de paz”.
Em quarto e último lugar, segundo o grande historiador de liturgia o Padre Mario Righetti, o rito da fração em si mesmo, sem levar em conta o que lhe antecede e as ações posteriores do rito, se converteu em um rito de sacrifício:
“El simbolismo más antiguo en cuanto al tiempo fue éste: que el pan fraccionado, panis quem frangimus, representaba al cuerpo de Cristo, roto en su pasión. La fracción se convertía, en cierto sentido, como en un rito de sacrificio. He aquí el porqué de la antigua glosa apostólica: κλώμενον υπέρ υμών = roto por vosotros; y del concepto frecuentemente referido por los Padres: Cristo es el pan que cada día se lleva a la mesa de la Iglesia y que se parte (frangitur) en remisión de los pecados. Fraccionado el pan, se disponían sobre la patena las partículas de tal manera que formasen la figura de la humanidad crucificada de Cristo. El concilio II de Tours prohibió estas extravagancias y ordenó que se pusiesen las partículas simplemente en forma de cruz, como todavía se hace en el rito mozárabe”.
Portanto, se o rito da fração se converteu em um rito de sacrifício, é normal que a cerimônia imediatamente posterior possa representar a ressurreição.
Assim sendo, caro Sérgio, reforço a preocupação em aproveitar das belíssimas imagens ou símbolos da Santa Missa de forma equilibrada e prudente, pois a adesão da inteligência à beleza da Missa, sem sentimentalismo, tira muito proveito daquilo que como explica o Grande liturgista medieval Guillaume Durand, bispo de Mende:
“Todas essas coisas cheias de símbolos e de mistérios divinos que são os ofícios, os objetos litúrgicos e os paramentos da Igreja, transbordam com uma doçura celeste que, aqueles que os perscrutam com amor, sabem extrair o mel da pedra e o óleo do mais duro rochedo” (Guillaume Durand, Rational, Prólogo, 1).
Esperando tê-lo respondido, peço que, por caridade, reze por nós e escreva-nos sempre que achar necessário.
In báculo cruce et in virga virgine,