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Por que a Montfort apoia o IBP? O IBP defende a hermenêutica da continuidade?
PERGUNTA
"O demônio sabe que não pode acabar com a Tradição, então o que o modernismo faz? Ataca as instituições que guardam a Tradição, pedem revisão dos dogmas, novo Rito, nova forma de crer.."
Então fica evidente que pedir um novo Rito é modernista, já que a Missa de Sempre é perfeita, pedir um novo Catecismo é modernista, já que já havia o Catecismo de Trento e o de São Pio X, e assim por diante. Li também o artigo do Padre Aulagnier do IBP sobre a Missa Nova, onde ele cita a frase de Dom Guillou: "É por isso que nunca houve uma ruptura, uma recriação radical… no rito latino romano”, “com exceção, porém, diz ele, da atual liturgia pós-conciliar, na aplicação da reforma… embora o Concílio… sempre tenha reafirmado que esta reforma deveria absolutamente preservar a tradição”,
Veja denovo:“Nunca houve uma ruptura… com exceção da atual liturgia pós-conciliar”!
Também cita o Cardeal Stickler falando da Revolução Litúrgica, que o Ordo Missæ é radicalmente novo, que terá deslocado as palavras "mysterium fidei" foi uma ruptura com a Tradição, entre as clássicas críticas ao ofertório, a supressão do salmo 42, das orações ao pé do altar e assim por diante.
Portanto, é correto dizer que o Missal Novus Ordo é deficiente, gravemente deficiente, para esses prelados, junto com o Cardeal Ottaviani em seu belíssimo "Brece Exame Crítico ao Novus Ordo Missæ", fica claro que é uma ruptura que estamos vivenciando com o Novus Ordo Missæ.
https://ibp-sp.org/artigo-em-portugues-do-pe-paul-aulagnier-ibp/
Enfim, o que quero dizer é que o IBP possui uma opinião bem firme quanto a Revolução Litúrgica, termo citado também pelo Padre Aulagnier: "O cardeal Stickler falou, como vimos, da reforma litúrgica resultante do Concílio Vaticano II como tendo sido “uma revolução acompanhada de uma fabricação apressada de novos rituais”. Ele diz bem e com toda a verdade: “revolução litúrgica acompanhada de uma ‘fabricação apressada’ de novos rituais”."
E essa opinião sobre as reformas do Concílio Vaticano II parecem muito com as opinião sa FSSPX, porém, a Fraternidade defende a Hermenêutica da Ruptura, enquanto que o IBP defende a Hermenêutica da Continuidade. E eis a questão, eu gosto muito tanto da FSSPX quando do IBP, enquanto que a FSSPX faz críticas mais precisas e crítica o que tem que ser criticado, que aliás é muita coisa, e o IBP também não faz tanta crítica publica assim, tipo, não vejo eles criticando o fato do novo Catecismo dizer que os muçulmanos adoram o mesmo Deus conosco, afirmação totalmente errada. Por outro lado, o IBP tem a garantia de estar em plena comunhão com Roma, é mais uma garantia jurídica, já que a Fraternidade tem batismo válido, cre no Papa e tals, então pela fé eles estão em comunhão, me refiro aqui a questão canônica.
Daí, devido a todos esses fatores, eu fico em dúvida em qual me aderir, penso em ser sacerdote tradicionalista, e tanto o IBP quanto a FSSPX me agradam, mas eu tendo mais para a Fraternidade, já que ela tem mais liberdade para criticar e crítica mais, o que passa um ar de ter uma doutrina mais firme. Mas o IBP tem a plena comunhão e, como pode ver, em certo assuntos é bem parecido com a Fraternidade, criticando as ambiguidades e até erros pontuais do Concílio, como o Dignitatis Humano.
Em conclusão, queria que vcs da Montfort, que eu gosto bastante, me orientasse melhor. Qual seguir, a FSSPX ou o IBP
Atenciosamente,
João Felipe
RESPOSTA
Muito prezado João Felipe, salve Maria!
Em primeiro lugar é preciso deixar claro que a Montfort não é nenhuma espécie de porta-voz do IBP ou de algum padre do IBP, muito menos dos fiéis que frequentam o IBP, nem mesmo temos algum tipo de procuração para defender o IBP ou os seus padres diante de ataques injustos e mesmo daqueles que talvez tenham alguma dose de justiça. O que ocorre é que nossa adesão e apoio ao IBP deriva exclusivamente da posição doutrinária que esse Instituto ocupa no meio eclesiástico, e isso oficialmente, graças à benevolência do falecido Papa Bento XVI, posição declarada oficialmente em seus estatutos de “crítica construtiva ao CVII” e a “exclusividade da Missa Tridentina”, é o único Instituto no mundo, em união com Roma, que possui esse privilégio, todos os outros podem apresentar algo parecido em suas práticas pastorais, mas não possuem isso de direito oficial.
Portanto, apoiamos o IBP por uma fidelidade doutrinária, apoio que herdamos mesmo dos exemplos do nosso falecido fundador, o saudoso Professor Orlando Fedeli, que um dia, após uma já superada partida do IBP que havia abandonado o Brasil:
“O Instituto de Cristo Rei aceita a Missa Nova.
O único Instituto, hoje, ligado a Roma, que reza exclusivamente a Missa de sempre é o Instituto do Bom Pastor, que continuo apoiando, porque apoio os fins que o Papa lhe deu: crítica ao Concílio Vaticano II e tendo o privilégio de celebrar apenas a Missa de sempre.
Acima das pessoas e de questões pessoais está a Santa Igreja e a Missa de sempre. Por isso, não mudo de posição quanto aos fins do IBP.
E espero em Deus.
Nossa Senhora permaneceu na capela do IBP.
Fico com Ela e esperando nEla.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli”
(Carta resposta que consta no site da Montfort, de 21/08/2008)
Caro João Felipe, você diz que o IBP defende a hermenêutica da Continuidade, não sei se você sabe, mas esse tipo de hermenêutica advoga que os documentos do concílio devem ser todos aceitos, porém, aqueles de difícil conciliação com a tradição ainda que aceitos, devem ser reinterpretados à luz da tradição, será que é essa a posição do IBP, vejamos um famoso sermão do Padre Daniel sobre o papel do IBP na Igreja (o padre Daniel foi meu confrade quando eu estudei filosofia no seminário do IBP na França, eu acolitei na ordenação dele em Bordeaux, na França):
“Os membros do Instituto Bom Pastor querem também cuidar das ovelhas pela doutrina católica de sempre. A doutrina ensinada por Cristo e pela sua Igreja ao longo dos séculos. Porque essa é a verdade. Consequentemente, há uma crítica construtiva a atos controversos do magistério recente, a atos em desacordo com aquilo que a Igreja sempre ensinou. E isso segundo os princípios teológicos que regem os diversos graus de magistério eclesiástico e que regem os diversos graus de assentimento a esse mesmo magistério. Essa crítica não é para causar vã polêmica ou simplesmente repetir o que já foi dito, mas para colocar à disposição da autoridade eclesiástica sólidos argumentos teológicos para a correta interpretação desses textos ou mesmo para a necessária correção desses textos, quando for o caso. Pela sua própria natureza, essa crítica exige tempo, reflexão e estudos aprofundados, e não a publicação precipitada de textos em quaisquer meios que sejam” (grifos nossos, o sermão completo pode ser acessado aqui).
Veja o que o padre Daniel afirma: “há uma crítica construtiva ... a atos em desacordo com aquilo que a Igreja sempre ensinou”, isso parece para você uma abordagem da hermenêutica da continuidade? Não, João, isso não é hermenêutica da continuidade, dizer que existem atos em desacordo com a tradição não é a mesma coisa que dizer que tais atos devem ser reinterpretados à luz da tradição. Isso é dizer que não existe “reinterpretação à luz tradição” que seja possível!
Você ainda reclama que “enquanto que a FSSPX faz críticas mais precisas e crítica o que tem que ser criticado, que aliás é muita coisa, e o IBP também não faz tanta crítica publica assim, tipo, não vejo eles criticando o fato do novo Catecismo dizer que os muçulmanos adoram o mesmo Deus conosco, afirmação totalmente errada”. Sobre esse anseio por críticas, o padre Daniel fala sobre isso no mesmo sermão:
“No ministério sacerdotal, caros católicos, importa, antes de tudo, pregar a verdade e condenar os erros, sem precisar entrar necessariamente em questões polêmicas e complexas que muitas vezes mais confundem do que atrapalham. Assim, de modo geral,, por exemplo, vale mais ensinar a necessária união da Igreja e do Estado com todas as suas provas e razões do que entrar em todas as sutilezas do erro da liberdade religiosa para condená-la. Ao conhecer a verdade, o fiel saberá identificar o erro, que ele venha de não católicos ou que ele venha mesmo de um ato do magistério não-infalível. Dom Lefebvre, que muitos hoje citam sem conhecer, fazendo o livre-exame de Dom Lefebvre, dizia aos padres em retiro sacerdotal em 1980: “Penso que é preciso permanecer diante da realidade tal como ela é e, sobretudo, não somos obrigados a fazer comentários sobre o Papa todos os dias. As pessoas não esperam isso dos padres. As pessoas não esperam que nos seus sermões haja sempre algo sobre o papa. Há vários outros assuntos. Deixem esse problema que é justamente muito delicado, difícil, doloroso, que faz sofrer os fiéis. Agora, se alguém vem procurar-vos em particular, dê a ele a solução do problema. Mas não façam disso sempre o assunto do sermão, o que faz que as pessoas saiam angustiadas… Isso perturba as pessoas, não serve para nada.” E continua Dom Lefebvre : “O que as pessoas pedem é a santificação, é serem santificadas pelos sacramentos, pelo Santo Sacrifício da Missa. Falem para eles dos problemas que eles têm (em sua vida espiritual), da santificação pessoal deles. Não falta assunto sobre isso. Um vez ou outra, evidentemente, por ocasião de uma conferência ou se alguém o pede, deve-se explicar de forma mais precisa a situação.” Assim se posicionava o Arcebispo Dom Lefebvre. E assim, de fato, vamos agindo no Instituto Bom Pastor, com uma nuance ou outra em cada situação concreta”.
Caro João, eu estudei durante 4 anos no seminário do IBP na França, conheço pessoalmente a maioria dos padres do IBP (inclusive sou amigo de alguns deles, mesmo na França; o meu melhor amigo, conselheiro nas horas difíceis, é padre do IBP), o padre Paul Aulagnier (padre mais virtuoso que conheci na vida, que Deus o tenha), falecido, que foi braço direito de Dom Lefebvre (consta que ele tenha sido o segundo padre ordenado por Dom Lefebvre na FSSPX), ele foi um dos fundadores do IBP, ele também foi meu diretor espiritual durante meu último ano de seminário. O padre Daniel Pinheiro, superior do IBP na América Latina, foi meu chefe-sacristão durante meu primeiro ano de seminário em que trabalhei na sacristia. Eu fui ainda, durante 5 anos ininterruptos, responsável pela formação dos acólitos do IBP de São Paulo, só deixei essa função que amava tanto por conta de circunstâncias que estavam além da minha vontade. Enfim, João, tudo isso para lhe dizer que conheço bem muita coisa do IBP, conheço bem muitos padres do IBP, padres amigos pessoais, e também os que não são mais amigos por circunstâncias que não dependeram de mim diretamente, por isso, posso lhe dizer, os sermões e as posições desses padres são muitas vezes mais duras do que você nem imagina, apenas esses prudentes sacerdotes não ficam se exibindo por aí para ganhar os cobiçados likes dos haditradis mais raivosos!
Lembre-se que essa tão cobiçada “mais liberdade para criticar e crítica mais, o que passa um ar de ter uma doutrina mais firme”, é uma faca de dois gumes, onde essa tal liberdade na verdade evidencia um grande desprezo pela autoridade e uma soberba que joga toda obediência salutar na lixeira fétida da empáfia!
Esperando tê-lo respondido, caro João, peço que por caridade reze por nós, e rezemos todos juntos, e insistentemente, pela FSSPX e pelo IBP, para que a Virgem Puríssima proteja e vele por ambos, em especial pela FSSPX, que retorne à comunhão plena como Roma e com o Papa.
In báculo cruce et in virga virgine,