Polêmicas

Ignorância atual sobre o passado
PERGUNTA
Nome:
Daniel
Enviada em:
28/04/2001
Local:
Belo horizonte - MG,
Religião:
Católica

Caro Professor Orlando Mais uma vez venho recorrer à sua grande sabedoria. Recentemente numa discurssão com um amigo sobre a Igreja, ele me atacou com o seguinte e-mail:

--------------------------- (inicio)

Eu não sou a favor da Inquisição, de forma alguma! Se passei esta imagem me desculpe mas me expressei mal. Longe disso! Apenas quis dizer que a Igreja utilizou da força sim, para manter seus fiéis.

Independente de ter atingido o seu objetivo ou não, a Igreja utilizou-se da força para manter seus fiéis. Mas já que você afirma que a igreja não obteve sucesso com com suas "brutais investidas", o que dizer então das Cruzadas? Novamente o trecho do livro "História Geral - Ensino Médio - Volume Único - Cláudio Vincentino - Editora Scipione - 1ª Edição":

"[As cruzadas] já eram solicitadas pelos imperadores bizantinos, que nescessitavam de auxílio do Ocidente pra conter o avanço dos turcos seljúcidas sobre seu território. A Igreja Católica acabou assumindo a liderança do movimento cruzadista, ambicionando reafirmar-se no Oriente: alcançaria assim seu ideal de reunificação das duas igrejas, anulando a autonomia da Igreja Ortodoxa." (pág. 134)

Será que se as Cruzadas não fossem promovidas a Igreja Católica ela seria o que é hoje? Lembro ainda que os mulçumanos, combatidos pelas cruzadas àquela época, constantemente atacavam e podiam dominar Constantinopla a qualquer momento. Constantinopla era a cidade que ligava o rico comércio das especiarias orientais com o ocidente. Tal fato, mais tarde acabou desencadeando o processo de descobrimento das Américas, mas será que se naquela época os mulçumanos dominassem o comércio oriental e se afirmassem mundialmente a Igreja Católica seria o que é hoje? E se os mulçumanos resolvessem investir em "Cruzadas", como a Igreja Católica, contra o ocidente, "na tentativa de reunificação das duas igrejas, anulando a autonomia da Igreja Católica"?

Já deixo de antemão que não apoio nenhum movimento violento para qualquer objetivo que seja.


Se a Igreja Católica possui uma posição oficial faz sentido se acreditar na Infabilidade. Mas há um porém. Quando o Papa fala de fé e doutrina? Será que quando se diz que deve-se levar a palavra de Deus a todos os povos está se falando de fé e doutrina? Levar a religião aos índios por exemplo e junto um monte de doenças? E quanto a levar a religião cristã aos mulçumanos através das Cruzadas? Estariam os Papas neste caso apoiados pela Infabilidade ou não?

Indo ainda mais longe: COMO a Infabilidade Papal pode falhar a ponto de desencadear uma Inquisição???

A Infabilidade, por esses motivos, e talvez até existam outros, continua a não fazer sentido algum a meu ver.

Depois disso como afirmar que um Papa pode falar livre de erros? Em fé e doutrina? Mas e a questão do "o que seria fé e doutrina" já apresentada acima? Desnecessário repetir Inquisição, Cruzadas, catequização indígena, etc, etc, etc...

Uma pessoa com a capacidade da Infabilidade, em minha opinião, definitivamente, jamais cometeria erros tão grosseiros e óbivios.

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Gostaria da sua opinião sobre o assunto, o que devo responder para esse amigo?

Paz e Bem Daniel

RESPOSTA


Muito prezado Daniel, salve maria.

Perdoe-me responder em setembro uma carta que chegou em abril. Haveria perdão para tanto atraso numa época diferente da nossa? Vivemos na era da velocidade, em que se acredita (muito falsamente) que Time is Money, e por isso não temos tempo -e muito menos dinheiro -- para nada.

Minha falta de tempo me veio das polêmicas em que me envolvi, do fato de ter que ganhar dinheiro para me manter, dos estudos a fazer, das palestras a dar e das quase cem cartas atrasadas a responder. Em todo caso, confio na sua misericórdia, já que você, sendo favorável à inquisição, deve ser misericordioso. Quanto a seu amigo --contrário a toda violência e inimigo da Inquisição -- certamente ele não teria misericórdia de mim. Ninguém é mais cruel e sem misericórdia do que os defensores da tolerância e do pacifismo.

E que confusão na cabeça --e na ortografia - de seu colega! Isso me parece "óbivio" (sic).

Para começar, ele não tem a menor noção sobre o que é a infalibilidade, nem compreende bem o que é de fé e o que está no campo da moral.

O Papa só é infalível quando fala ex cathedra. Isto o Papa faz quando declara que vai tomar uma decisão sobre assunto de Fé (do que se deve crer) ou de moral (do que se deve praticar), utilizando o poder dado por Cristo a São Pedro e a seus sucessores, ensinado a toda a Igreja, e definindo a questão (quer dizer, dizendo o que é certo e proibindo o que é errado). Sempre que isso ocorre - e só quando isso ocorre -- é que o Papa é infalível.

Por exemplo, a doutrina do pacifismo, que considera sempre imoral o uso da força é absurda, contrária à razão, por isso a Igreja condena a objeção de consciência contra o uso de armas. Isto é, é erro condenado afirmar que toda guerra é condenável.

É lógico que existe o direito de defesa contra um agressor que nos ameaça a vida. Todos os tribunais reconhecem o direito de legítima defesa. Por isso também, toda nação atacada tem direito de se defender.

Até seu amigo, à noite, defende sua casa com trancas e trincos, alarmes e guardas noturnos, e se atacado ele gritará por socorro, e se defenderá. Isso corresponde ao instinto de conservação.

A Igreja, como todo ser e toda instituição, tem direito de se defender. Daí a Inquisição.

Esse Tribunal não obrigava ninguém a ser católico, mas vigiava especialmente o clero, para que não ensinasse doutrinas falsas.

Recomendo-lhe que leia o livro do Professor João Bernardino Gonzaga, intitulado A Inquisição e seu Mundo, da editora Saraiva.

Provavelmente seu colega -- como quase todos que falam mal da Inquisição -- nunca leu um livro sobre esse assunto. Ele só repete slogans. Quase certamente, ele jamais leu uma linha sobre o catarismo, contra quem foi fundada especialmente a Inquisição (no site Montfort, tenho escrito muitas cartas explicando esse tema. Recomendo que as leia).

Pergunta ele como o Papa pode ser infalível aprovando a Inquisição.

Pois é exatamente por ser infalível que ele pode aprovar a Inquisição.

Suponho que seu colega aprove o combate que se fez ao regime nazista na Segunda Guerra Mundial. O nazismo era um sistema criminoso e genocida, que os Aliados fizeram bem em destruir. A guerra contra o Nazismo foi, de fato, legítima, pois visava acabar com os seus crimes.

Vê você como até seu amigo pacifista admite uma guerra justa e até uma cruzada?

Mas também sobre as cruzadas a cultura que seu colega revela é a de livros de ginásio, condimentada por pitadas de marxismo.

Para ele, as cruzadas teriam sido motivadas por interesses econômicos, ou, no máximo, políticos. Isso é completamente contra a realidade histórica.

Nem ele conhece o que eram os turcos no século XI e XII.

Para compreender algo do que era a ameaça turca, naquele tempo, recomende a seu colega que ele veja o filme Lawrence da Arábia , onde se mostra muito palidamente o que faziam os turcos no século XX. Ou que ele investigue o que fizeram os turcos com os armênios, no início do século XX, ou com os curdos. Seu colega não tem idéia do que motivou a defesa do Ocidente, da Civilização, e da fé feita pelas cruzadas. Se não fossem as cruzadas, não existiria o Brasil (veja meu trabalho "A vocação do Brasil" no site Montfort). Se não fossem as cruzadas, seu colega não seria o que é, e possivelmente nem existiria.

Ele pergunta "e se os turcos resolvessem fazer uma cruzada contra a Igreja católica?"
Pobre rapaz, totalmente ignorante do que aconteceu na História.

Os turcos estavam invadindo o Ocidente para destruir toda a civilização ocidental e não só a Igreja. Até os árabes -- que eram muçulmanos como os turcos-- sofreram barbaridades imensas nas mãos deles.

E, para concluir, escreve seu colega: "Uma pessoa com a capacidade da Infabilidade, em minha opinião, definitivamente, jamais cometeria erros tão grosseiros e óbivios" (Sic).

Uma pessoa com a capacidade falível de seu colega, definitivamente, só pode cometer erros tão grosseiros como esses. E erros tão óbvios.

Deus tenha misericórdia dele, pois ele não sabe o que diz.

In Corde Jesu, semper,

Orlando Fedeli