Obrigatoriedade de aceitar o Concílio Vaticano II
Autor: Orlando Fedeli
- Consulente: Edson Luiz Sampel
- Localizaçao: São Paulo – SP – Brasil
- Escolaridade: Pós-graduação concluída
- Profissão: Advogado
- Religião: Católica
Queridíssimo Professor Fedeli.
Penso seja extremamente difícil fazer tábua rasa do Concílio Vaticano II. Com efeito, os papas pós-conciliares (todos, incluindo o papa reinante), embasam suas encíclicas nos documentos do aludido concílio. Além disso, as mudanças que houve, desde liturgia até o enfoque pastoral, estão outrossim alicerçadas no Vaticano II.
O fato de o Syllabus aparentemente atritar com o Vaticano II não me surpeeende. Na verdade, as proibições de Pio IX eram absolutas para o contexto da época. Exemplifico: a liberdade de imprensa compreendia a ofensa à Igreja e aos valores dela. Desenvolvia-se uma acintosa campanha contra a barca de Pedro.
Precisamos nos perguntar se as diatribes do Syllabus fazem parte do depósito da fé. Nenhum papa pode proclamar um dogma que não tenha sido anteriormente expresso, direta ou tacitamente, por Jesus Cristo. Não há novidade. Existe, tão-somente, a reiteração do evangelho. Quando Pio IX promulgou o dogma da infalibilidade do sucessor de Pedro, não “inventou” nada, apenas roborou uma verdade evangélica. É sempre assim. Com qualquer dogma: assunção de Maria etc. É preciso encontrar o dogma da assunção de nossa Senhora pelo menos latente na revelação. Em suma, dogma é o que consta do credo que professamos dominicalmente na missa.
Está para vir a público a primeira encíclica de Bento XVI, “Deus é amor”. Ora, para se dar conta da validez do Concilio Vaticano II, basta dar uma olhada nas notas de roda-pé. Indubitavelmente, os documentos do concilio serão a espinha dorsal da novel encíclica, como ocorreu com a integralidade dos documentos pontifícios.
Edson Luiz Sampel
salve Maria!
“Se se deseja emitir um diagnóstico global sobre este texto poder-se-ia dizer que significa (junto com os textos sobre a liberdade religiosa e sobre as religiões mundiais) uma revisão do Syllabus de Pio IX, uma espécie de Antisyllabus” (Cardeal Joseph Ratzinger, Teoria dos Princípios Teológicos, Editorial Herder, Barcelona, 1985, pág. 457).
E você me previne que “Está para vir a público a primeira encíclica de Bento XVI, “Deus é amor”. Ora, para se dar conta da validez do Concilio Vaticano II, basta dar uma olhada nas notas de roda-pé. Indubitavelmente, os documentos do concilio serão a espinha dorsal da novel encíclica, como ocorreu com a integralidade dos documentos pontifícios”.
“Já o Concílio Vaticano II com palavras muito claras: « No nosso tempo, em que os meios de comunicação são mais rápidos, em que quase se venceu a distância entre os homens, (…) a atividade caritativa pode e deve atingir as necessidades de todos os homens ». [24 Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, 8.]]
Esta é uma constatação altamente teológica que só um Concílio como o Vaticano II poderia ter notado: o mundo ficou pequeno.
“Justamente o pôs em relevo o Concílio Vaticano II: « Entre os sinais do nosso tempo, é digno de especial menção o crescente e inelutável sentido de solidariedade entre todos os povos ». [25 Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, 14].
A solidariedade crescente e inelutável no mundo atual é realmente o sinal destes tempos de homens-bomba, de terrorismo e violência, assim como de guerras terríveis. Talvez seja essa solidariedade crescente e inelutável que explique a enorme “tsunami de paz” que assola o mundo hoje, com sequestros, assasinatios, estupros, torturas, abortos, martírios e genocídios. Também só um Concílio com óculos pastorais poderia inverter tanto os sinais dos tempos.
“Pertence à estrutura fundamental do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de Deus (cf. Mt 22, 21), isto é, a distinção entre Estado e Igreja ou, como diz o Concílio Vaticano II, a autonomia das realidades temporais. [19- Gaudium et Spes] O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liberdade da mesma” .
“É com este objetivo (abolir a religião católica) que se estabeleceu, como um direito do homem na sociedade, essa liberdade absoluta, que não só assegura o direito de não ser impedido sobre as suas opiniões religiosas, mas que dá ao indivíduo esta licença de pensar, de dizer, de escrever, e mesmo de fazer injúria impunemente em matéria de religião, tudo o que possa se sugerir a imaginação mais desregrada: direito monstruoso, mas que parece para a Assembléia [Nacional Constituinte] resultar da igualdade e da liberdade naturais a todos os homens. Mas que poderia aí existir de mais insensato…?” (Pio VI, Quod aliquantulum, 10 – III- 1791. O negrito é meu).
“Delírio da liberdade de consciência.
“10. Dessa fonte lodosa do indiferentismo promana aquela sentença absurda e errônea, digo melhor disparate, que afirma e defende a liberdade de consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estendo por toda parte, chegando a imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião. Que morte pior há para a alma, do que a liberdade do erro! dizia Santo Agostinho (Ep. 166). Certamente, roto o freio que mantém os homens nos caminhos da verdade, e inclinando-se precipitadamente ao mal pela natureza corrompida, consideramos já escancarado aquele abismo (Apoc 9,3) do qual, segundo foi dado ver a São João, subia fumaça que entenebrecia o sol e arrojava gafanhotos que devastavam a terra. Daqui provém a efervescência de ânimo, a corrupção da juventude, o desprezo das coisas sagradas e profanas no meio do povo; em uma palavra, a maior e mais poderosa peste da república, porque, segundo a experiência que remonta aos tempos primitivos, as cidade que mais floresceram por sua opulência, extensão e poderio sucumbiram, somente pelo mal da desbragada liberdade de opiniões, liberdade de ensino e ânsia de inovações”
(Gregório XVI, encíclica Mirari Vos. negritos nossos). Reparou, meu caro, que contundência nos adjetivos usados pelo Papa para condenar o delírio da liberdade de consciência?
Perto de Gregório XVI, “moi je suis doux comme un apôtre” como se diz, rindo, no Cyrano de Bergerac.
E Pio IX na encíclica Quanta Cura voltou a condenar a liberdade de consciência e de culto, a liberdade para o erro, chamando-as de “liberdade de perdição”, de loucura e de delírio. (Cfr Pio IX, Quanta Cura, n* 5).
E no Syllabus, Pio IX condenou a seguinte tese como errada e contrária à Fé verdadeira: “É livre a qualquer um abraçar e professar a religião que ele, guiado pela luz da razão, julgar verdadeira” (Pio IX, Syllabus, erro 15).
“… não temem fomentar a opinião desastrosa para a Igreja Católica e a salvação das almas, denominada por nosso predecessor, de feliz memória, de “loucura” ( Mirari Vos) que “a liberdade de consciência e de cultos é direito próprio e inalienável do indivíduo, que há de proclamar-se nas leis e estabelecer-se em todas as sociedades retamente constituídas e que os cidadãos tem direito a uma omnímoda liberdade, que não deve ser coarctada por nenhuma autoridade eclesiástica ou civil, pelo que podem manifestar de cara aberta e publicamente quaisquer conceitos seus, por palavra ou por escrito, ou por qualquer outra forma” (Pio IX, Quanta Cura, Denzinger, 1690).
Haveria que citar ainda vários outros documentos do Magistério Ordinário, que tratam da liberdade de religião, como, por exemplo, a encíclica Libertas Praestantissima, de Leão XIII, que ensina:
“E principalmente, a propósito dos indivíduos, examinemos esta liberdade tão contrária à virtude da religião, a liberdade de culto, como lhe chamam, liberdade que se baseia no princípio de que é lícito a cada qual professar a religião que mais lhe agrade, ou mesmo não professar nenhuma” (…) É por isto que oferecer ao homem a liberdade de que falamos, é dar-lhe o poder de desvirtuar ou abandonar impunemente o mais santo dos deveres, afastando-se do bem imutável, a fim de se voltar para o mal. Isto, já o dissemos, não é liberdade, mas uma depravação da liberdade, e uma escravidão da alma na abjeção do pecado“(Leão XIII, Libertas Praestantissima,n* 13. negritos nossos).
Veja bem, meu caro Edson, o que ensinou o Magistério Supremo de modo Ordinário, e que aceito clamando “Viva o Papa!”: a liberdade de culto, a liberdade de religião é “depravação da liberdade”. É “escravidão da alma na abjeção do pecado”.
“Para outros, o concílio [Vaticano II] deu um grande escândalo ao ceder terreno ao mundo desvirtuado. Esses últimos lamentam-se pelo fato de o concílio ter provocado verdadeiras crises e ter discutido coisas que para eles estavam absolutamente certas. (…) Tendo diante de si este exemplo [o de Santa Teresa d"Ávila, cuja conversão a afastou da "abertura para o mundo" de seu convento "aggiornatto"], os mais conservadores se perguntam: e o concílio, não enveredou ele por um caminho completamente oposto e que só poderá conduzir a uma meta bem diversa que não a da conversão? Nenhuma dessas dúvidas, de qualquer corrente de pensadores que proceda, deve ser desprezada. É preciso haver muita compreensão com relação às críticas sobre o concílio.“ (Joseph Ratzinger, Das Neue Volk Gottes – Enwürfe zur Ekklesiologie, Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969, trad. br. por Clemente Raphael Mahl: O Novo Povo de Deus , São Paulo: Paulinas, 1974, p. 282. destaques nossos).
Brigue com ele.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli
- Seção: Cartas
- Assunto: Polêmicas
- Tema: Concílio Vatinano II
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