Esse livro de Dr. Plínio tem duas partes: na primeira, se apresenta o que seria a “Inocência Primeva”, na qual todos os homens teriam sido criados; na segunda, trata-se do que ele considerava a ordem “sacral” do universo, e especialmente o que chamava de “trans-esfera”, uma espécie de “país das maravilhas”, ou de Neverland, à la Michael Jackson, por onde Plínio “viajava” através de sonhos delirantes.
Mesmo sem usar o espelho de Alice.
Veremos entretanto que, como no espelho de Alice, por trás do imaginário ridículo, a Trans-esfera de Plínio era um mundo equivalente ao pléroma divino da Gnose. O ridículo estapafúrdio e infantil esconde um sistema gnóstico teologicamente muito mais sério. Vejamos, então, a primeira parte desse livro, onde se expõe por meio de monólogos de Dr. Plínio, a surpreendente doutrina da “Inocência Primeva”, que ele esposava e defendia.
A primeira surpresa vem logo no título do primeiro capítulo: “As vias falsas e o verdadeiro caminho para alcançar a felicidade – Quatro pistas para alcançar a felicidade”.
Parece título de livro de auto-ajuda, feito para americanos mascadores de chicletes.
Certamente, o autor, dizendo-se católico, pensar-se-ia que ele estaria aludindo à conquista da felicidade eterna.
Qual nada!
O autor só trata de como ele julgava que se poderia ser feliz neste mundo mesmo. Nesse capítulo, não há referência nenhuma ao sobrenatural.
Plínio quer mostrar que, nesta vida, a felicidade não se alcança com o ter dinheiro, com o ter poder, nem no fazer, nem no saber. A felicidade, neste mundo, se alcaçaria “sendo”.
Sendo o quê?
“Sendo autêntico”.
“Cada um deve ser autêntico”.
“É preciso escolher entre a sua autenticidade, ou ser sua própria caricatura. Assim quem tende para a verdadeira felicidade — para a felicidade possível nesta terra— é ‘o homem que é”, e não o “que sabe”, o “que pode”, “que faz”, ou “que tem” (Op. cit., p. 27. O destaque é nosso).
Note-se: felicidade “nesta terra”.
Nosso Senhor nos ensinou que o homem que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e que devemos negar-nos a nós mesmos, tomar a nossa cruz, e segui-Lo.
É bem interessante e sintomático que Dr. Plínio inicie sua exposição sobre a Inocência Primeva como meio de alcançar a felicidade “nesta terra”. Isto porque essa preocupação com a felicidade através do sonho, já nesta terra, e a tentativa de vencer o mal do mundo, eram típicas do Romantismo:
Tendo presente que todo o Romantismo nasce de uma consciência de infelicidade e do desejo de superá-la, compreende-se como seja romântica também aquela atitude titânica, que tem os seus representantes máximos entre os poetas ingleses (Byron e Shelley) e que, prosseguindo, intensificando-se e transvalidando o ativismo humanístico e terrestre do iluminismo, se rebela contra o mal do mundo, condena a inércia ou a impotência divina diante dos sofrimentos do homem, e luta para constituir um novo mundo de seres livres autônomos, felizes (Mario Puppo, Il Romanticismo, ed. Studium, Roma, 1973, p. 21).
Dr. Plínio condenava o mundo concreto, e buscava fugir dele por meio da recuperação de uma imaginária inocência primeva, que permitiria alcançar uma felicidade edênica, através do sonho, numa super realidade “Trans-esférica”.Uma super realidade que se atingiria através do imaginar um mundo inexistente-existente, que Plínio chama de “os possíveis, em Deus”.
Sonho, desejo e pretensão eram típicos do Romantismo:
O mito da Idade de Ouro, da harmonia primitiva que seria preciso reencontrar, de uma fratura que é preciso fechar, domina todo o romantismo alemão (Mario Puppo, Il Romanticismo, ed. Studium, Roma1973, p. 27).
Como domina também todo o pensamento — perdão — toda a imaginação de Dr. Plínio.
Vimos, então, que para ele a fórmula que resumiria a solução para se obter felicidade nesta terra seria ”ser autêntico”.
Ora, alguém que é mau, assumindo abertamente sua maldade, também se pode dizer autêntico. “Ser autêntico” foi uma fórmula posta em voga pelo existencialismo, mas assumida por Plínio.
Porém, ser autêntico, no Romantismo, coexistia dialeticamente — contraditoriamente — com o desejo de ser o “outro”. Ora, também em Dr. Plínio sempre houve o sonho de ser autêntico, o comprazimento de ser Plínio, e, ao mesmo tempo, dialeticamente, o sonho e o desejo de ser o “outro”. Daí, seu gosto pelas fantasias carnavalescas. Dai, seu desejo de ser “outro” que não ele mesmo. Ele sonhava ser urubu, ser marquês de Versailles, ser uma safira, um rio, etc.
Veremos adiante os textos em que relata essas aspirações delirantes. Pois os textos dele contando tudo isso existem. Garantimos, com os textos bem guardados dele, que ele sonhou ser urubu.
Não acreditam?
Pois lerão.
Scognamiglio publicou isso.
Ser autêntico, para Plínio C. de Oliveira seria manter o que ele chamava de “inocência primeva”, que ele descrevia romanticamente, dando como prova da existência dela a poesia Meus oito anos, do romântico Casimiro de Abreu:
Oh! Que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida.
De minha infância querida,
que os anos não trazem mais
É incrível que um homem que se apresenta como “varão todo católico” (op.cit., p. 16), cite uma poesia rosicler como essa, uma poesia “água com açúcar”, como se fosse o espelho imaculado da verdade, e não apenas edulcorado romantismo. Aliás, Plínio usa e abusa de expressões e termos tipicamente românticos: “ter ideais”, “sonhar”, “idealismo”, “imaginar”, ”ter nostalgia”, “ter saudades”, “ter impressão”, “ter vivências”, etc. Fala de “uma espécie de nostalgia de nosso tempo de menino, um tanto parecida com a de um paraíso perdido” (p. 30). Nem é preciso dizer como essa idéia de retorno e saudade da infância é comum entre os românticos. Casimiro de Abreu, entre nós, e Clemens Brentano, na Alemanha, com seu paraíso imaginário do Vadutz são provas disso.
Dr. Plínio tinha como tema central a “inocência primeva”. Uma inocência, um estado em que todos teriam sido concebidos, “perdido” (no sentido de “smarrito”, não encontrado) por falta de adesão, pela maioria dos homens, mas que, de algum modo, e contraditoriamente, existiria, ainda que perdido, na alma de cada um.
Ora, esse também foi tema típico dos românticos.
O grande sonho dos românticos é a inocência, a segunda inocência que englobe ao mesmo tempo todo o caminho percorrido através da cultura, isto é, uma inocência que não seria mais a primitiva, a do jardim do Éden, mas uma inocência sábia. É a famosa criança irônica de Novalis, um dos grandes símbolos do movimento romântico. (Anatol Rosenfeld, Romantismo e classicismo, in J. Guinsburg, O Romantismo, Ed Perspectiva, São Paulo, 1978, p. 274).
Se o mundo foi uma criação do espírito, este deve se reencontrar no mundo. De onde a busca e a descoberta de uma infinidade de analogias entre o homem e a natureza, a matéria e o espírito. Também a natureza teria uma alma e uma história: ela não é muda, mas fala a quem saiba compreender a sua linguagem. Nos tempos antigos, animais e árvores, e as rochas falavam com os homens e assim deveria ser de novo. Todo fenômeno e todo ser natural é um símbolo que é preciso entender, uma palavra que é preciso saber compreender: ‘as plantas são a linguagem mais imediatas do solo” e as nuvens talvez sejam a expressão de uma infância perdida (Mario Puppo, Il Romanticismo, Ed Studium, Roma, 1973, p. 35. O destaque é nosso).
Portanto, nesse livro que focalizamos hoje, Plínio trata exatamente de um tema essencialmente romântico: a inocência primeva.
Essa relação essencial entre romantismo e inocência da criança é lugar comum do romantismo, e é citada normalmente pelos melhores analistas da mentalidade romântica.
Maxime Alexandre afirma que “a nostalgia do paraíso perdido, paraíso que entrevemos na infância, é um dos temas dominantes” [do Romantismo] (Maxime Alexandre, Romantiques Allemands, Gallimard, Aubier, Donoël, Stock, Éditeurs français réunis, Paris, 1963, 2 volumes, Introduction, p. XXIV).
Também Marcel Brion liga a noção romântica da Idade de Ouro e do paraíso perdido à infância:
A conseqüência a mais preciosa desse retorno ao centro é então a reconquista da idade de ouro da qual tanto fala Novalis no Ofterdingen [Heinrich Ofeterdingen, obra iniciática de Novalis]. Privilégio da infância (lá onde há infância, há idade de ouro”) esse estado resulta também da tomada de posse intuitiva da natureza por “homens puerís” (Marcel Brion, L’Allemagne Romantique, ed. Cit. 10 volume, p.64).
E “homens pueris” significa homens que guardaram o estado de alma infantil, a inocênca primeva, da qual fala PCO.
Plínio apresenta uma visão da criança completamente contrária ao que dizem a doutrina católica e a evidência.
A doutrina católica afirma que a criança é concebida com o pecado original.
Adão foi criado por Deus em estado de inocência e santidade. Mas, quando pecou, contaminou a natureza humana. Todos os homens, exceto a Virgem Maria, são concebidos no pecado original. Todos somos concebidos com uma desordem em nosso ser: a inteligência tende ao erro e não à verdade; a vontade tende ao mal e é rebelde ao que a inteligência lhe aponta como certo; e a sensibilidade é desordenada. Por sua vez, nosso corpo é rebelde à alma, à qual ele deveria obedecer. No ser humano, se constata uma desordem misteriosa, que a Igreja mostra ser conseqüência do pecado de Adão: o pecado original, no qual todos os homens, exceto a Virgem Maria, foram concebidos.
Por isso, São Paulo disse: “Efetivamente, a carne tem desejos contrários ao espírito, e o espírito desejos contrários à carne” (Gal. V, 17). E ainda: “vejo nos meus membros outra lei que se opõe à lei de meu espírito”(Rom. VII, 23).
Ensina ainda a Igreja, que pelo Batismo é redimida a culpa do pecado original, cujas conseqüências, no entanto, permanecem no ser humano, que nasce sujeito à morte, à doença e a muitas desordens em sua alma e em seu corpo. Por isso, diz o Salmo: “Eis que fui concebido em iniquidades, e minha mãe me concebeu no pecado”(Sl. L, 7).
Dr. Plínio, na primeira parte do livro, ao tratar do que ele chama de “Inocência primeva” de todos os homens, não fala do pecado original. Só uma vez é apenas citada, e “en passant”, a expressão “pecado original”. Na segunda parte do livro, ele afirma – só uma vez — que o pecado original causou ruínas na alma humana (p. 69). Fica a suspeita que nem tudo o que ele pensava sobre o pecado original foi publicado no livro que agora focalizamos. Tanto mais que, noutro livro publicado pelos chamados “Provectos” da ex TFP, se pode ler o seguinte:
Havendo inocência numa pessoa, e a fortiori se ela recebeu o Batismo, há uma preservação, um desenvolvimento do senso do ser, que faz com que, olhando para determinada coisa, ela imagine como seria essa coisa se fosse ainda mais excelente. (PCO, Excertos do pensamento de Plínio Corrêa de Oliveira, in O Universo é uma Catedral, excertos do pensamento de Plínio Corrêa de Oliveira, recolhidos por Leo Daniele, edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1997, p. 229. O sublinhado é do autor. Os negritos são nossos.).
Na frase acima citada, fala-se de modo indefinido e condicional: “Havendo inocência numa pessoa”… O que significa que alguns poderiam não tê-la, ou que, a tendo possuído, perderam-na. Mais adiante ver-se-á que, segundo PCO, todos os homens a têm e que nem o pecado faz perdê-la. Segundo PCO, poder-se-ia perdê-la, no sentido de ignorar onde ela está.
Está escrito também que o Batismo reforça o que já existiria no homem inocente. Logo, a inocência existiria, (pelo menos em certos homens ?), mesmo sem o Batismo. Portanto, a inocência já existiria num homem ainda que com o pecado original. E supor isso seria herético.
É importante destacar que Plínio insinua, deixa vago, reforça uma idéia insinuada, afirma depois claramente o que antes insinuou, torna a insinuar vagamente, num vai e vem enganador, que foi método típico dos modernistas, que afirmam numa página o que negarão na seguinte, e depois, voltarão a explicitar o que fora antes negado ou só insinuado.
Note-se ainda que Plínio afirma que a inocência primeva, que existiria nos homens, reforçaria neles “o senso do ser”, o que faria a pessoa inocente “imaginar” esses mesmos seres de modo mais excelente. Ora, se houvesse um aumento do sentido do ser a faculdade favorecida seria a inteligência e não a imaginação. Para PCO, a inocência primeva desenvolveria um imaginativo senso do ser.
Que significa esse “senso do ser” dado com a inocência primeva?
Nasceria o homem já com um conhecimento inato? Seria por isso que Plínio recusava os livros e queria “tirar tudo de sua própria cabeça”? Seria por isso que Plínio dizia que não estudava, mas explicitava o que já sabia, o que já estava em seu intelecto?
Seria esse senso do ser que daria ao homem possuidor dele e com adesão à Inocência Primeva conservar-se “aberto a todas as formas de retidão e de maravilhoso” (Plínio Correa de Oliveira, A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, ed. cit., p. 35).
Plínio acreditava ser um desses homens inocentes mesmo antes do Batismo.
Ainda em O Universo é uma Catedral, na página seguinte àquela em que aparece a frase heterodoxa acima analisada, há uma foto — evidentemente sugerindo-se que foi o que aconteceu com Dr. Plínio quando era menino, — foto de um menino, tendo um balão de gás acima de sua cabeça, “imaginando” uma torre mais ao longe, e a legenda: “E assim se encaminha para imaginar uma trans-esfera” (O Universo é uma Catedral, excertos do pensamento de PCO, por Leo Daniele, Ed. Brasil de Amanhã, São Paulo, 1997, p. 230).
Imaginar uma Trans-esfera…?
E Dr. Plínio fala como se o homem fosse, ainda hoje, como Adão que “saiu inocente das mãos de Deus”. Tanto que ele intitula o capítulo dois desse livro “Inocência primeva, estado de harmonia com que a alma saiu das mãos de Deus” (p. 35).
E isso é uma doutrina com sabor de erro, pois não explicita que só Adão, Eva, e a Virgem Maria “saíram” inocentes das mãos de Deus, sem o pecado original. Como também não explicita que a inocência primeva foi perdida por Adão ao cometer o pecado original. Dizendo que outros seres humanos “saíram” inocentes das mãos de Deus, afirma algo que é avesso à doutrina católica.
Ao editarem esse livro, contendo alguns textos das reuniões “discretas” de Dr. Plínio, os membros da ex TFP deram, agora, publicamente, pelo menos algumas provas da doutrina heterodoxa que Plínio revelava, nas reuniões praticamente secretas, que ele dava só para alguns de seus sequazes, no que ele chamava de MNF.
Nessas reuniões do MNF, era que Plínio manifestava realmente “ad intra” do grupo da TFP,o que ele era: o homem que se acreditava o “Inocente”, como Adão ao ser criado por Deus, sem o pecado original, ou, pelo menos, o homem que recuperara plenamente a inocência primeva, a inocência de Adão no Éden.
Entretanto, embora Plínio se afirmasse “o” Inocente, dizia também que não se considerava o único com essa qualidade. Para ele, era o homem que saía inocente das mãos de Deus:
Inocente é o homem de todas as idades que adere àquele estado de espírito primevo de equilíbrio e de temperança com que o homem foi criado, e por isso conserva-se aberto a todas as formas de retidão e de maravilhoso (Plínio Correa de Oliveira, A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, p. 35).
Nessa conceituação do “homem inocente”, há vários pontos a destacar.
Em primeiro lugar, afirma-se que a inocência primeva é um estado de equilíbrio e de temperança existente inata no homem – “de todas as idades” — atual. E isso é um absurdo que contraria a evidência e a doutrina católica.
Em segundo lugar, diz-se vaga e indefinidamente, que o homem foi criado nesse estado.
Em terceiro lugar, por fim, se afirma que todo homem, de todas as idades, pode aderir a esse estado.
De todas as idades de sua vida, ou de todas as épocas?
De qualquer modo, que se entenda a palavra “idades” aí usada, tem que se concluir que todos os homens saem das mãos de Deus em estado de inocência.
Mais, a posse desse estado de inocência, com o qual todos nasceriam, exigiria porém uma adesão pessoal a ele. Seria também uma questão de escolha, de opção individual, fruto de uma adesão voluntária.
Logo, para Plínio Corrêa de Oliveira, os homens todos estariam divididos em dois grupos:
1. Os que possuem a inocência primeva e a ela aderem; são os que têm alma harmoniosa. Nestas pessoas, sendo elas batizadas, o Batismo reforçaria a sua inocência. Ora, o Batismo não devolve a inocência primeva de Adão ao batizado, como também não elimina as conseqüências do pecado original, uma delas a perda do estado de inocência em que Adão foi criado.
Portanto, essa doutrina de Plínio contraria a fé.
Estes inocentes – possuidores da Inocência Primeva, os possuidores do misterioso thau de que falavam Plínio e a TFP – seriam aqueles que Plínio chamava de contra-revolucionários.
2. Os que não aderem à inocência primeva, que não estão na posse ativa desse estado de harmonia de alma. E porque não aderem a ela, têm as faculdades desregradas, são egoístas, e têm uma alma cujas potências lutam entre si. Estes são os que PCO chama de revolucionários. Somente tais pessoas seriam dominadas por paixões desregradas. A essas pessoas, o Batismo não é capaz de lhes restituir, ou de reforçar, a inocência.
O erro, ainda que vagamente insinuado a princípio, de que todos os homens, ainda hoje, saem das mãos de Deus, isto é, são concebidos em estado de inocência, ou pelo menos na sua primeira infância possuem esse estado de inocência, vai sendo explicitado por Plínio.
Veja-se a prova disso nesta outra afirmação dele:
“A inocência é, portanto, uma forma de aliança com Deus que todas as almas tiveram em sua primeira infância” (Op cit., p. 39. O destaque é nosso).
Note-se: “todas as almas” teriam tido uma aliança com Deus na primeira infância.
Por outro lado, no subtítulo 2 da página 35 do mesmo livro define-se:
“Inocência é a harmonia de todas as potências da alma entre si” (Plínio Corrêa de Oliveira, Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, ed. Cit.sub título 2, p. 35. O destaque é nosso).
Também isso vai contra a fé católica, que nos ensina que, por causa do pecado original, todas as potências de nossa alma estão desregradas: a inteligência tende para o erro, a vontade tende para o pecado e é revoltada contra a inteligência, e a sensibilidade é desgovernada e tende a não seguir o que lhe mostra a inteligência e o que lhe manda a vontade. Na alma humana, depois do pecado original, reina a desarmonia. Isso é o que ensina a Fé católica. E PCO diz o contrário. Logo, PCO deixou de ser católico pois ensinava “discretamente” uma doutrina heterodoxa.
Plínio, como Rousseau, acaba por afirmar que o homem tem uma natureza boa, sem inclinação ao mal; que na alma humana atualmente, na primeira infância pelo menos, há harmonia entre as faculdades humanas; que essas faculdades não tendem nem para o erro e nem para o mal; e que a alma domina naturalmente o corpo e seus instintos.
Portanto, PCO negava os efeitos do pecado original no homem ou, pelo menos, nos homens que tivessem aderido ao estado de inocência primeva de sua primeira infância.
Se todas as almas têm essa aliança com Deus (p.39), se todas as almas possuem essa “inocência primeva”, se “a alma saíu das mãos de Deus”, “em estado de harmonia” (p. 35), não se compreende porque o Batismo seria absolutamente necessário para a salvação. Não se compreende porque a Igreja ensina que todo homem nasce no pecado original, e com tendência ao erro e ao pecado. Mais necessária, ou mais importante que o Batismo, seria a adesão da alma ao estado de harmonia característica da inocência primeva.
Essa colocação, mudando a doutrina católica do pecado original e suas conseqüências, acarreta também mudanças profundas nas condições necessárias para a salvação, o que necessariamente afeta a doutrina da Redenção.
Se fosse verdade o que Plínio diz sobre a inocência primeva, seria preciso mudar muito na doutrina católica do pecado original e da Redenção. E até ficaria a pergunta se existe mesmo o pecado original como a Igreja sempre ensinou e se a redenção pela cruz de Cristo, a adesão às verdades reveladas — a Fé — o batismo, e a obediência aos mandamentos seriam mesmo necessárias. O que afirma Plínio Corrêa de Oliveira contraria o que ensina a fé católica sobre o pecado original e suas conseqüências, assim como toca de modo indireto a absoluta necessidade das condições necessárias de salvação, tais como o Evangelho e a Igreja sempre ensinaram.
Para PCO, então, todos os homens seriam concebidos e nasceriam inocentes imaculados? Ou lhes seria dada a inocência primeva na primeira infância? Os textos dele agora publicados oscilam, ou por incompreensão e ilogicidade dele, ou por tática que insinua sem dizer, ou explicita e recua, porque não quer dizer claramente. Ou seriam contradições de quem tem duas doutrinas: uma exotérica, e outra esotérica?
Fizemos referência à ilogicidade de Dr. Plínio, porque, se todos os homens nascem com inocência primeva e têm perfeita harmonia em sua alma, como poderiam eles não aderir a essa harmonia? Seria como se os homens, nascendo com capacidade de respirar, só respirassem de fato se dessem adesão ao respirar. Se todos nascessem inocentes — incapazes de fazer algo nocivo — como esses inocentes se tornariam nocivos a si mesmos, não aderindo à sua própria natural harmonia interior?
Plínio poderia argumentar que homem é constituído com livre arbítrio, o que lhe daria a possibilidade de se prejudicar a si mesmo. Se for assim, fica explicado porque Plínio falará — veremos isso adiante — em “maldade do livre arbítrio humano” (Cfr.Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Vítima Expiatória, in revista “Dr. Plínio”, Ano II, Outubro de 1999, N0 19, p. 26). Ora, uma suposta maldade do livre arbítrio tornaria absurdo falar em inocência primeva, tal a contradição desses conceitos.
Por outro lado, se a inocência primeva é – como diz Plínio – um estado de harmonia das potências da alma entre si, esse estado seria atuante por si mesmo. Como então afirma Dr. Plínio que seria preciso dar uma adesão a esse estado para possuí-lo?
Então para manter-se na inocência primeva, o homem teria que ter conhecimento dela, pois só se pode aderir ao que se conhece.
Essa adesão viria então de um conhecimento interior intuitivo, pessoal, salvífico. Seria um conhecimento-experiência, salvador que daria o conheciemnto superior inerrante, exatamente como diz a Gnose.
O conceito de inocência primeva inata de Plínio aponta para uma Gnose tefepista. Veremos se isto se explicita em outros pontos da doutrina “discreta” do Manifesto.
A estrutura doutrinária montada por Dr. Plínio para defender sua concepção de homem com inocência primeva é totalmente desengonçada, absurda e estapafúrdia. Completamente avessa à doutrina católica, uma vez que nega ou a herança do pecado original ou a permanência dos efeitos do pecado original na natureza humana.
De tudo isso, pode-se concluir que para PCO, se todos os homens nascem com a inocência primeva, alguns homens, pelo menos, não só saíriam inocentes das mãos de Deus, isto é, sem o pecado original, mas que estes manteriam essa inocência por adesão explícita, enquanto em outros ela permanece, como latente, mas não atuante, e não havendo adesão a ela, o homem seria um ser sem ordem interior. Um homem com paixões desregradas. Um revolucionário. Daí, que para PCO existissem revolucionários e contra revolucionários. Uns teriam o que ele chamava de thau. Os outros seriam a “inimica vis”, os fumaças. Ou, pelo menos, os “sabugos”.
Acreditaria Plínio que ele mesmo não tinha pecado original?
Que, em reuniões mais íntimas, ele se dizia o inocente, e que pretendia ser imortal, era conhecido e acreditado por muitos na TFP.
Que ele se dizia profeta era bem conhecido.
O atual Monsenhor Scognamiglio, quando era o propagador do culto a Dr. Plínio e a Dona Lucília na TFP, chegou a dizer que a idéia de que Dr. Plínio não tinha pecado original ”era uma hipótese muito interessante, mas que precisaria ser demonstrada”.
Porém, num livro editado pela TFP para circulação interna, se escreveu algo mais explícito. O livro é o do Professor José Martini, sob o pseudônimo de Frère Élie de Sainte Marie, e foi intitulado Santo Elias , o Profeta da Aliança (edição mimeografada pela Editora Vera Cruz, abril de 1972, 278 páginas).
Esse livro usa linguagem extremamente ambígua e quase esotérica. Nele se pode ler a seguinte frase: “O profeta é como uma sobrevivência ou um ressurgimento na humanidade decaída, da humanidade tal como Deus a quisera” (p. 101).
“O profeta é aquele em que o povo hebreu reencontra a familiaridade original com Deus” (Frère Élie de Sainte Marie, Elias, o Profeta da Aliança, ed. Vera Cruz, São Paulo, 1972, p. 101).
Plínio seria então profeta, inerrante e imortal por ter aderido à inocência primeva e, desse modo, teria a missão de levar outros a aderirem a esse estado. Esse era o profetismo de Plínio, mais de condutor ou mistagogo do que o de previsor de fatos futuros contingentes, segundo ele mesmo dizia.
Note-se: o profeta tem a familiaridade original que Adão tinha com Deus antes do pecado. E Plínio se dizia profeta inocente. Logo, era natural concluir que ele julgava que não tinha pecado original. O profeta é o homem sem pecado original, inocente e imortal. O profeta seria um ressurgimento do homem sem pecado original, tal como Deus o fizera sair de suas mãos. E Dr. Plínio se julgava profeta e inocente.
Logo…
Dessas citações, pode-se extrair a conceituação de Inocênca Primeva de Plínio:
Inocência primeva seria o estado primevo, original, em que o homem teria sido criado por Deus, estado em que todos os homens nasceriam, ou que receberiam em sua primeira infância, mesmo sem o Batismo, estado que reforçaria no homem o sentido do ser, e que possibilitaria ao homem estar aberto a tudo o que é reto e maravilhoso.
Mas deixemos o próprio Dr. Plínio conceituar o que ele entende por inocência primeva:
[Inocência primeva é o estado] pelo qual uma pessoa, desde os primeiros movimentos de sua existência, tem noção de que ela é. E, de modo excelente, vai escolhendo as coisas que, por afinidade ou contraste harmônico em relação a ela, lhe convém para realizar a sua unicidade. Em sua caminhada pela vida, nunca cometeu uma falta e sempre visa atingir a própria perfeição. A inocência assim conceituada se refere à pessoa sem pecado original (Plínio Corrêa de Oliveira, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente,artigo in Revista “Dr. Plínio”, AnoVIII, Junho de 2006, N0 87, p. 23. Os destaques são nossos).
Que significa, aí, que a inocência da pessoa, através do “senso do ser”, “vai escolhendo as coisas que, por afinidade ou contraste harmônico em relação a ela, lhe convém para realizar a sua unicidade”?
Qual o sentido da palavra “unicidade” nessa frase?
Por meio desse misterioso “senso do ser” o inocente iria fazendo uma seleção – eliminando algo, aceitando o oposto desse algo—afim de atingir a “unicidade”. Seria aí unicidade sinônimo de unidade?
Claro que não, pois o uno é um transcendental do ser. Ser uno é proprio de todo ser. Cada coisa é una e jamais busca atingir a sua unidade, que ela já possui.
Portanto “unicidade”, aí, só pode significar que se busca atingir uma identificação com o Ser num monismo ontológico.
Segundo a doutrina católica e a filosofia tomista, os seres feitos à imagem de Deus buscam a união com Deus, jamais a unicidade com Deus. Só a Gnose afirma que os homens, na vida peregrinante no exílio da matéria, devem buscar a unicidade com a Divindade, rejeitando a matéria, e selecionando nela a partícula divina inviscerada nas coisas criadas. O Panteísmo, que afirma que tudo é Deus, inclusive a matéria, nada seleciona, e afirma , sem seleção, o monismo do ser. PCO, na citação acima, dá claro indício de sua doutrina gnóstica.
Também deve-se ressaltar que nessa citação é afirmado explicitamente, que a Inocência primeva, na conceituação de Dr. Plínio, implicava na ausência do pecado original. E Plínio afirmava possuir a ‘inocência primeva”. Pretendia ser “O” inocente. O que implica em afirmar que ele julgava não ter tido pecado original.
E o pior é que ele afirmou ainda que todos os homens possuem essa inocência primeva na primeira infância, “quando saíram das mãos de Deus”: “A inocência é, portanto, uma forma de aliança com Deus que todas as almas tiveram em sua primeira infância” (Op cit., p. 39. O destaque é nosso).
Mas então, ninguém teria o pecado original?
Essa é a conseqüência lógica dessas afirmações de Plínio.
É isso é heresia completa.
Ele afirmou ainda que, quem tem a inocência primeva, tem perfeita harmonia na alma, sem desordem alguma: “Inocência é a harmonia de todas as potências da alma entre si” (Plínio Corrêa de Oliveira, Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, ed. Cit. p. 35).
Ora, se a inocência primeva for isso, como a Igreja ensina que o pecado original causou uma desordem na alma humana?
Se PCO está certo em suas divagações “metafísicas” e “teológicas”, dever-se-ia concluir que a Igreja e a evidência estão erradas, já que essa harmonia não existe na alma humana.
Depois do pecado original, no qual todos os homens são concebidos, — exceto Maria Santíssima – na alma humana reina a desarmonia.
Devemos observar que os textos de Plínio são muitas vezes contraditórios. Ora, ele dizia uma coisa, depois, ou porque não era sistemático, ou por esquecimento do que havia dito, ou por malícia para não ser pego em heresia explícita, ele dizia o oposto do que afirmara.
Veja-se um exemplo concreto:
No livro Notas Autobiográficas, à página 391, Plínio afirma:
Não me lembro de uma só vez em que eu me olhasse no espelho para ver como estava minha roupa. Nem me passava pela mente a idéia de fazê-lo (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, p. 391).
Ora, nesse mesmo livro se lê:
Minha irmã e minha prima passaram o dia da Primeira Comunhão em traje de noiva e eu, com o meu Eton [Uniforme do famoso Colégio inglês desse nome]. Fui olhar-me no espelho, e fiquei contente por estar com uma roupa muito tradicional e, ao meu ver, também muito católico (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, p. 628. O destaque da contradição de Plínio é de nossa responsabilidade).
E nas páginas seguintes a essa se lê:
Pensei que as pessoas com quem morava e os parentes que freqüentavam a minha casa haveriam de achar que eu ficava muito bem com esse Eton e o elogiariam, tanto mais quanto, na minha ingenuidade, ouvia-os comentar os trajes de minha irmã. Eu ainda não compreendia que, normalmente, elogia-se a roupa feminina e não a dos homens, por serem mais sisudos e sérios, e não se preocuparem com os trajes como fazem as moças. Essa atitude pareceu-me estranha e perguntei-me: Será que eu fico em algo estranho, com essa roupa? Olhei-me no espelho mais uma vez e julguei nada ter de anormal (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, p. 628 e 630. O destaque é nosso).
Se numa pequena questão de vaidade—que ele diz própria mais de meninas—Plínio cai em contradição flagrante, que dirá em coisas mais sérias, como a heresia!
Não fica de todo claro, nos textos publicados no livro em foco, se, para Dr. Plínio, todo homem teria sido criado nesse estado de inocência, ou se todos teriam recebido esse estado de harmonia da alma na primeira infância. Entretanto, o mais lógico seria que todos os homens já nascessem nesse estado de inocência primeva. Não só Adão teria sido criado assim.
É de se supor que no MNF haja textos que elucidem esse problema, textos que, sendo diretamente contrários à doutrina católica, foram eliminados do livro publicado agora pelos Provectos da TFP. Somente um exame completo do MNF permitiria resolver plenamente essa questão. Mas, como vimos, no que já foi publicado, há provas de que Plínio acreditava nessa doutrina herética.
Vimos ainda que Plínio dá uma definição de Inocência Primeva — e que ele atribui a todos os homens — e que nega ora explicita, ora implicitamente, as conseqüências do pecado original na alma humana.
Vejamos uma contradição doutrinaria de Plínio:
Vimos que ele afirmou que a inocência primeva que todos os homens possuem ao sair das mãos de Deus, causa uma harmonia plena entre as potências da alma.
Ora, doutra feita Plínio diz o oposto:
Temos apetências desordenadas, desejamos mais do que nos é razoável, nutrimos antipatias despropositadas, nos tornamos semelhantes à terra de degredo na qual estamos (Plínio Corrêa de Oliveira, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente, artigo in Revista “Dr. Plínio”, AnoVIII, Junho de 2006, N0 87, p. 24).
Mas, enquanto a Igreja ensina que essa desordem perdura em nós até a morte, Plínio garante que podemos extirpá-la:
Entretanto, trata-se de uma contradição que precisamos extirpar de nosso interior, para que em nós tudo seja lógica, coerência, harmonia.
Tal nos é possível, fazendo com que nosso seletivo funcione em ordem, não procurando coisas que não nos convém, e tendo idéia exata de como deveríamos ser, isto é, inocentes. E desejar essa meta, pois o homem, quando fiel à sua inocência batismal, conhece , quase por instinto, aquilo que lhe será ou não benéfico (Plínio Corrêa de Oliveira, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente,artigo in Revista “Dr. Plínio”, AnoVIII, Junho de 2006, N0 87, p. 25).
Ora, doutra feita, Plínio afirmara que o Batismo só reforçava a inocência primeva já existente em todo homem, ao sair das mãos de Deus..
E Plínio acaba afirmando algo de incrível sobre o que seria o estado de inocência primeva por ele imaginado:
“A inocência não é um estado de alma passivo, resignado, inerte. Mas, pelo contrário, ativo, atuante, empreendedor”.
“A inocência está sempre à procura de algo, de algo que é cheio de luz, cheio de paz, cheio de ordenação, concatenação e força, mas cheio de tranqüilidade”.
“Este algo tem a capacidade de tudo mover sem mover-se a si próprio”.
“Tem algo de inefável, de divino, de interior e de secreto” (Plínio Corrêa de Oliveira, Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, ed. cit. p. 49. O destaque é nosso).
Que estranho!
A inocência primeva está sempre a procura de um algo que é motor imóvel, isto é, de Deus. Mas “esse algo”, esse “motor imóvel” — Deus — teria algo de inefável, de divino, de interior e de secreto’.
Como?
Se Deus é esse algo que a alma procura, como teria Ele algo de divino?
Deus teria algo de divino?
Que tolice é essa?
Ou seria o homem inocente que teria algo de divino?
Ou é o inocente que poderia adquirir algo de divino numa imaginária identificação com Cristo?
Veremos, mais adiante, uma resposta afirmativa de Plínio a essa pergunta.
Noutra passagem, Plínio diz que esse estado de harmonia com que as almas seriam criadas,”sairiam das mãos de Deus” teria graus diversos: “É possível que em todos esta noção primeva tenha existido em alto grau. Em alguns em grau altíssimo” (p. 39. O destaque é nosso).
Quais seriam as características desse estado de Inocência Primeva no qual todas as almas seriam criadas numa aliança com Deus, aliança da qual a Igreja nunca falou, tendo, aliás, sempre ensinado o contrário?
Para Plínio, a inocência primeva faria com que todas as crianças saíssem das mãos de Deus em estado de plena harmonia na alma:
“[...] a harmonia da alma humana se manifesta na Inocência”(p. 12).
“Existindo no homem uma ordem fundamental, é-lhe impossível admitir a desordem como condição normal e fundamental do universo, a não ser à maneira de um desastre colateral e limitado” (Op. cit., p. 39).
Está aí explícitada a idéia errada que existe no homem uma ordem fundamental.
Que desastre “limitado” seria esse de que fala Plínio? Teria sido o pecado original de Adão?Então o desastre do pecado original seria limitado? Limitado como? Limitado a que? Limitado a quem?
Como, então, São Paulo escreveu que havia em seu ser uma lei da carne que contrariava a lei de seu espírito? São Paulo certamente não teve a noção da inocência primeva na qual teria sido criado. São Paulo deveria ter sido da TFP, para aprender isso. Scognamiglio abriria novos horizontes para São Paulo, contando-lhe – secretamente—o Jour le Jour de Plínio.
A frase acima citada contraria a doutrina da Igreja de que todos os homens são concebidos no pecado, que colocou uma profunda desordem no ser humano, e não uma ordem fundamental como assevera Plínio Corrêa de Oliveira. Em vez de “o Cruzado do Século XX” dever-se-ia que Plínio foi um herege do século XX.
Ou o desastre a que se referiu Plínio tem algo em comum com a queda da Divindade, tal como a descrevem os gnósticos?
A pergunta fica no ar.
Voltaremos tratar da Inocência Primeva, na quarta parte deste livro, analisando os textos que os amigos de Monsenhor Scognamiglio, publicaram na Revista “Dr. Plínio” (Cfr A Doutrina do Conhecimento de PCO – Quarta Parte, capítulo III, n0 2- O Seletivo).
Plínio garante que, na criança inocente, haveria uma ordem completa, quer na alma, quer no corpo, a criança tendo controle dos seus instintos, pois o estado de inocência seria ‘um estado de alma pelo qual todo o temperamento, todos os instintos, toda a sensibilidade reagem de modo inteiramente proporcionado àquilo que têm diante de si. Nesse sentido a calma faz parte da inocência” (p. 42. O destaque é nosso).
Repare-se que está dito que essas qualidades existiriam “na criança inocente”.Não em todas?
Só na criança inocente, isto é, só naquela que deu adesão a essa ordem harmoniosa da inocência primeva?
Não é preciso dizer que essas afirmações contrariam a evidência. Como contrariam frontalmente o que a Igreja ensina sobre o estado em que todos os homens são concebidos, exceto a Virgem Maria. Basta ir a uma sala de aula, ou mesmo a um berçário, para constatar a mentira dessas afirmações de PCO. E é especialmente absurdo o que se lê nesse livro de que a criança, nascida em estado de inocência, tem suas reações instintivas inteiramente proporcionadas.
Ponha-se um doce ou um sorvete diante de crianças, e ver-se-á a reação “controlada” que elas têm.
Para Plínio, a criança teria qualidades e virtudes inatas:
Tomemos uma criancinha de três ou quatro anos. Uma das coisas que melhor caracteriza a inocência — mas a inocência no que tem de mais profundo, mais elementar e mais, por assim dizer, virginal — é certa forma de calma pela qual a criança dessa idade (dos tempos em que não havia TV, evidentemente) tem uma calma por onde nada a agita, e de uma maneira geral não se apega nervosamente a nada. A calma, aliás, é parte integrante da inocência. Pode-se estar numa situação em que seja quase inevitável o efervescer. Mas a efervescência, pelo império da vontade, deve ser reduzida estritamente aos seus primeiros borbulhares (PCO, citação literal de PCO em reunião de 25 de Setembro de 1986, A Inocência…, p. 40).
Veja-se o absurdo inimaginável imaginado: uma criança de três ou quatro anos, que, pelo império de sua vontade, controla estritamente suas emoções efervescentes.
Isso é sonho romântico. Nunca foi coisa real. Nunca isso foi ensinado pela Igreja, que a Santa Igreja não ensina loucuras.
Na verdade, ao dizer isso de uma criança de três anos, Plínio estava se referindo a si mesmo.
Chegou a nossas mãos nestes dias o romance surrealista de Plínio Corrêa de Oliveira intitulado Notas Autobiogáficas, (Editora Retornarei) com apresentação significativa de Monsenhor Scognamiglio, e aprovação surpreendente do Padre Royo Marin.
Pois nesse romance se lêem coisas incrivelmente surrealistas e modestamente hilariantes.
Veja-se como Plínio se descrevia aos três anos de idade: “Inocência crescente”, e ainda:
Tenho a vaga impressão de que, no primeiro período da infância, minha inocência cresceu com a idade, em vez de diminuir.
Como se manifestava essa inocência? Era um lumen (luz) –[Ou flash?]—no ver a realidade pelo qual eu não considerava a vida propriamente linda, mas, sem saber explicitar bem, parecia-me que ela simbolizava lindas coisas, que davam acesso a um mundo superior, o qual também não sabia definir e não relacionava com o Céu, mas me aproximava dele. Isso eu via reluzir magnificamente, por analogia simbólica, em todas as ocasiões . Essa “trans-esfera”, de certo modo, fundia-se com a tradição: quanto mais os objetos representavam o passado cristão, tanto mais tinham valor simbólico para mim (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, Editora Retornarei,São Paulo, 2008, volume I, pp. 79 e 81. O destaque é do autor).
E Plínio teria apenas cerca de três anos, ao ter essas “impressões”…
Como se pode considerar com seriedade essa descrição?
Como se pode acreditar nessa auto descrição absurdamente atribuida a uma criança de três anos?
É evidente que Plínio, aos três anos, não pensou nada disso. Imagine-se, uma criança de três anos falando em trans-esfera, em valores simbólicos e em analogia. Crer nisso é paranóia, ou esperteza. Plínio, adulto, inventou que pensara essas elocubrações imaginativas, claramente românticas e gnosticamente surrealistas, dizendo que excogitara isso quando menino. E o fanatismo – e a esperteza — de Monsenhor Scogamiglio fez os Arautos crerem nessas tolices. E crerem a ponto de publicarem esse delírio em forma de livro.
Em edição de luxo.
Com aprovação de Padre Royo Marin!
E como explicar essa aprovação de Padre Royo Marin ao livro que conta isso?
Claro que esse livro depõe contra quem crê nele, e contra quem o aprovou.
E, prosseguindo, disse Plínio, e Monsenhor Scognamiglio publicou:
Embora as salas e os escritórios da Casa de vovó fossem totalmente laicas, — [Só podiam ser laicas, pois ela não era freira e nem morava em igreja, e além disso, como disse Dr.Plínio, o marido dela era maçon]—havia certo número de imagens religiosas nos quartos de dormir. Olhando-as, eu sentia emoções de natureza muito elevada e sacral, e era movido a pensar: Curioso! Isto é uma gama, com uma vida diferente do resto do ambiente. Qual é relação entre uma coisa e outra? Não existe uma contradição?
Mais ou menos, todos os ornatos da casa—quer no apartamento de papai e mamãe, quer nas outras dependências – reluziam aos meus olhos de criança e tocavam a minha sensibilidade de modo extraordinário, apesar de eu perceber que não eram tão belos; mas remetiam para algo de diáfano, superior e lindíssimo, que desde logo atraía a minha alma. Nascia a noção de um universo ideal: ‘Isso é bom assim, mas como seria melhor se fosse de tal outro modo! (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, Editora Retornarei,São Paulo, 2008, volume I, p. 81. O destaque é nosso).
Como uma criança de três anos poderia falar em “universo ideal”?
Teria Plínio lido os idealistas alemães aos três anos de idade?
Ou essa mentalidade romântica foi inculcada nele desde a infância, recebendo, depois, um “envernizamento” metafísico mais tarde?
Que o bom senso responda a essa pergunta.
Ainda que com um simples verniz metafísico, Plínio freqüentou certos ambientes universitários e clericais nos quais pode ter sido iniciado no romântico idealismo alemão, escola que uma criança de três anos não poderia captar. E o resto é desculpa fanatizadora scognamigliesca.
E se veja a seqüência da prodigiosa meditação metafísica de um menino de três anos:
Era no fundo, uma idéia do Céu e uma impressão de que, passando sucessivamente por paraísos imaginários em várias tônicas diferentes, eu acabaria dando uma volta na qual meu ser inteiro se sentiria saciado e chegaria a uma síntese eterna e definitiva. – [Só faltava Hegel!] — Não era um mundo de sonhos ou de utopias, mas o conjunto da ordem universal que vinha se apresentando cômoda e gradualmente a meu espírito. Nem era mera fruição dos sentidos, mas o desejo de algo mais perfeito, dentro desse mundo. Eu tendia a não me contentar com nada, indo de elevação em elevação, até chegar ao Absoluto. (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, Editora Retornarei, São Paulo, 2008, volume I, p. 81. O destaque é nosso).
Sem dúvida, ou aos três anos Plínio já lera Schelling e Hegel, ou isso é pura invencionice. Ao bom senso dos leitores, que não fizeram teologia em Salamanca, o decidir.
E note-se como Plínio sonhava paraísos e desprezava de tal modo o mundo real, confessando que tendia, como todo gnóstico, a não se “contentar com nada” do que existia.
Plínio, aos três anos, só queria o Absoluto!!!
Ou Plínio nasceu adulto, ou o Plínio adulto se manteve sempre a inocente criança de que falavam os românticos…
Sem dúvida, o livro Notas Autobiográficas de Plínio Corrêa de Oliveira, em boa hora publicado pelo incrívelmente bem sucedido Monsenhor Doutor Scognamiglio – Doutor!—é um romance surrealista.
Há outro texto resumido do MNF por Átila Sinke Guimarães, publicado na TFP, em 1972, para uso dos membros da entidade que, por milagre, conseguimos adquirir. Era um texto de terminologia esotérica, praticamente incompreensível. Entretanto, lendo-o agora, com as informações que temos hoje, o texto pode ser decifrado com mais facilidade.
Sobre o conhecimento inato do homem, esse resumo de parte do MNF intitulado O Processo Humano contém pérolas esparsas bem elucidativas. Vejam-se algumas sobre esse conhecimento inato do homem.
Dr. Plínio afirmava que há regras e conhecimentos “enviscerados” e “inatos” no espírito humano.
No subconsciente humano, cabem tesouros de filosofia, de conhecimento que, embora inexplicitamente, são condições para a sanidade mental”(…) “Necessariamente tem que haver um conhecimento anterior e subconscientemente nele [no homem] que é o conhecimento de algo por onde todas as coisas são unas (Átila Sinke Guimarães, O Processo Humano, resumo de parte do MNF, apostila mimeografada pela Editora Vera Cruz, Dezembro de 1972 , p. 61).
Todas as coisas são unas?
Em que sentido? No sentido em que toda coisa é sempre “una”? Ou que todas as coisas são no fundo um só ser?
Pregaria Plínio um monismo do ser?
Só por esse texto ambíguo não dá para tirar uma conclusão.
Mais adiante, porém, se lê o seguinte:
Vendo a coisa como ela é, a pessoa vê também o fundo comum e abstrato a que as coisas se reduzem (Átila Sinke Guimarães, O Processo Humano, resumo de parte do MNF, apostila mimeografada pela Editora Vera Cruz, Dezembro de 1972 , p. 63).
Todas as coisas se reduzem a uma noção abstrata de ser…
Tal conhecimento seria uma profunda e sintética visão primeira do ser:
Há, portanto uma espécie de primeira noção, ou primeira visão do ser na sua totalidade, e com todas as conseqüências que em todas as ordens pendem da aceitação do ser com essa totalidade. É essa primeira visão que constitui o objeto primeiro, simplicíssimo, inesgotável e riquíssimo de todo o conhecer humano, como também de todo o querer humano, e também de todo o sentir humano (Átila Sinke Guimarães, O Processo Humano, resumo de parte do MNF, apostila mimeografada pela Editora Vera Cruz, Dezembro de 1972 , p. 62).
“O verdadeiro conhecimento e a verdadeira inteligência”
A visão-primeira corresponde à minha velha idéia de que o conhecimento é algo que brota do fundo da cabeça do homem à maneira de algo impreciso, que depois se torna desenho, depois relêvo, depois estátua e por fim fala. Não é um caminhar de raciocínio em raciocínio como quem vai de uma ilha para outra num arquipélago, mas é algo como quem tira uma caixa, onde já está tudo contido (Átila Sinke Guimarães, O Processo Humano, resumo de parte do MNF, apostila mimeografada pela Editora Vera Cruz, Dezembro de 1972 , p. 64).
O homem já nasceria com toda a bagagem de um tratado de metafísica, com um conseqüente querer e sentir inatos.
Plínio afirma que, na inocência primeva em que todas as almas saem das mãos de Deus, as crianças têm noção primeva da perfeição original em que tudo foi criado. Teriam um senso perfeito do ser, tendente ao maravilhoso.
A posse da inocência importa em ter uma noção primeva (ou primeira) cristalina, da perfeição originária de todas as coisas. Naturalmente, é mais lúcida em uns, menos lúcida em outros, de acordo com a graça e com a natureza. Numa criança, é geralmente uma noção não consciente (idem, p. 39).
Nasceria a criança com um conhecimento metafísico perfeito?
Que delírio é esse?
Como seria possível ter noção não consciente de algo? Porque ter noção é ter um conhecimento, um conceito de algo. Ter noção ou conceito inconsciente é uma proeza que só na dialética gnóstica é possível ter.
Diz ainda Plínio:
Todos os homens têm no fundo do espírito, o padrão, os modelos ideais de todas as coisas. E — se não cometeram infidelidades revolucionárias, contra a ordem estabelecida por Deus na Criação — são capazes de encontrar em si esses modelos ideais. Feito isso, não é tão difícil alcançar a harmonia interna da alma que caracteriza a inocência (PCO, A Inocência Primeva, p. 45).
Ela [a criança] procura ver no que as coisas concretas conferem com a matriz que está na alma dela, a qual para ela é perfeita (Idem, p. 31).
De novo é reafirmado que todos os homens têm uma noção dos modelos ideais de todas as coisas, isto é que todos temos no fundo da alma a noção de uma ordem ideal perfeita de como as coisas deveriam ser.
Se todos os homens nascem já com o “padrão”, “com os modelos ideais de todas as coisas”, isso implica na tese absurda que todos os homens nasceriam com o conhecimento dos universais, isto é, dos arquétipos ideais de tudo o que foi criado. O Inocente teria em sua inteligência os conceitos universais que Deus concebera, em seu Verbo, desde toda a eternidade.
O homem inocente conheceria tudo tal como o Verbo de Deus.
Isso é completamente contra a doutrina católica.
Ora, essa é a tese da imanência do conhecimento no homem, típica da gnose do idealismo alemão, tese que se prolongou de Kant, Fichte, Schelling e Hegel, até Heidegger e até o jesuíta Rahner, a alma negra do Vaticano II.
Claro que não supomos que PCO tenha estudado as doutrinas desses filósofos. Ele era por demais “conhecedor implícito” para se dar à fadiga de ler qualquer coisa mais séria. Do que lucrava enormemente a sua preguiça.
Pois não disse ele: “O pecado deve ser semelhante ao grilo e à terra úmida, enquanto a virtude é semelhante à minha cama”( PCO, Notas Autobiográficas, p. 325).
Portanto, não julgamos que Plínio conhecia a fundo essas doutrinas do idealismo alemão, do existencialismo, e do neo modernismo. Mas Plínio era inteligente e imaginativo. Um pormenor lhe permitia imaginar um castelo de conceitos estapafúrdios. E PCO estudou com os jesuítas, formou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, disse que leu, e disse que gostou do que leu, na publicação Sept, dos modernistas dominicanos, conforme ele mesmo contou (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo O “Legionário” Arma de Batalha pela Igreja, in Revista “Dr.Plínio”, Ano VI, N0 61, Abril de 2.003, p. 27). E foi professor na cadeira dada a Júlio Frank, o fundador da Burschenschaft, na Faculdade de Direito de São Francisco… Em algumas dessas fontes de “murdy waters” ele ouviu algo que lhe ficou pela cabeça, ainda que de modo vago. O orgulho intelectual fez o resto. Mas que a doutrina gnoseológica de PCO se parece com a dos idealistas e existencialistas alemães, disso não há dúvida.
Vejam-se estas citações sobre Rahner:
Conforme Rahner, pois, a mente não parte do conceito singular para chegar ao universal, mas parte do universal para colher, no seu interior, o singular e o concreto (Fra Giovanni Cavalcoli,O.P., Karl Rahner, Il Concilio Tradito, Fede e Cultura, Setembro de 2009, pp. 25-26).
Plínio dizia o mesmo. Pela posse da Inocência Primeva, o homem sairia das mãos de Deus com as matrizes, com os padrões ideais dos seres já inatos, em si, e conferiria as coisas singulares concretas com essas matrizes ideais e arquetípicas do ser, com que o homem foi criado.
Plínio era idealista e modernista.
Nunca foi tomista.
Em que pese a seus românticos biógrafos e fãs italianos.
Continua Fra Cavalcoli, comentado a teoria do conhecimento de Rahner que é, nesse ponto, também a de Plínio:
Temos claramente aí uma inversão do processo cognoscitivo humano, que acaba assimilado à ciência divina, que é a única, na verdade, que parte do universal - da sua auto consciência — para determinar o particular, dado que só ela é projetadora e criadora dos entes (Fra Giovanni Cavalcoli,O.P., Karl Rahner, Il Concilio Tradito, Fede e Cultura, Setembro de 2009, p. 26).
Portanto, dizer como diz Plínio, que o conhecimento humano parte de padrões inatos no homem — dos universais — para conhecer os entes singulares concretos, é identificar o conhecimento humano ao conhecimento divino. E se Rahner foi então um gnóstico, Plínio também o foi.
A mente de Plínio seria como Verbo.
Conforme Rahner, o objeto inicial do conhecimento humano não é o ente sensível obtido através da experiência dos sentidos. Ele não recusa este objeto, mas considera-o como o derivado de uma experiência precedente e pré conceitual do ser, a qual dá à mente humana o horizonte cognoscitivo ilimitado dentro do qual o homem coloca sucessivamente todos os seus conhecimentos ulteriores
“Diz Rahner: O conhecimento colhe o seu objeto singular numa percepção prévia do ser, que compreende em sua absoluta vastidão todos os objetos possíveis e, em cada conhecimento particular, transcende sempre o objeto singular, colhendo-o não apenas na sua particularidade opaca e irrelata, mas também na sua limitação e na sua relação como complexo de todos os objetos possíveis. Com a percepção prévia o objeto singular é conhecido a priori sob o horizonte ideal absoluto do conhecimento, e por isso, inserido na área consciente de todo cognoscível” (Fra Giovanni Cavalcoli,O.P., Karl Rahner, Il Concilio Tradito, Fede e Cultura, Setembro de 2009, p. 25.).
Note-se: Rahner fala de “uma experiência precedente e pré conceitual”. E PCO diz que “Numa criança, é geralmente uma noção não consciente” (p. 39).
É o dogma fundamental do idealismo alemão. A noção de conhecimento, para ele, não significa relação ao ser extra animam, como se exprime São Tomás, mas é o próprio ser em seu significado mais próprio: “O ponto de partida fundamental para uma compreensâo metafísica exata daquilo que é conhecimento deve ser visto nisso, que o ser é a partir de si mesmo conhecer e ser conhecido que o ser é ser-com-sigo” (Karl Rahner, Geist im Welt-1, Insbruck-Leipzig, 1939, !a edição., p. 42, apudFra Giovanni Cavalcoli, O.P.,Karl Rahner, Il Concilio Tradito, Fede e Cultura, Setembro de 2009, p. 23 nota 19) “A essência do ser é conhecer e ser conhecido em uma unidade originária que nós chamamos o ´ser-in(com)-sigo´ do ser: ou ainda, para dizê-lo com um termo corrente da filosofia contemporânea, o ser é transparente a si mesmo (idem, ibidem, nota 20).
E PCO afirmou que o “senso do ser” inato no homem dar-lhe-ia a noção de que deveria buscar, por seleção, realizar a unicidade do ser…
Daí, para PCO, isso daria à criança uma noção implícita da existência de Deus, que lhe seria como que evidente. Contra o que ensina São Tomas de Aquino, que afirma explicitamente que a existência de Deus não é evidente.
“A criança tem, num desdobramento da inocência, noção implícita da existência de Deus. ‘Uma noção escachoante, tremenda, luminosa’ ” (p. 31).
O que é um afirmação tendente ao fideísmo condenado pelo Concílio Vaticano I.
Contraditoriamente, porém, noutro livro, Plínio diz o oposto a isso:
O conceito de Deus não é inato no homem, mas o senso do ser é tão amplo, e a luz que ele tem é tal, que o homem, pensando retamente, não precisa caminhar muito para chegar ao conceito de Deus (PCO, O Universo é uma Catedral, excertos do pensamento de Plínio Corrêa de Oliveira, por Leo Daniele Edições Brasil de Amanhã, 1997, p. 236).
Frase, que mesmo negando que o conceito de Deus seja inato no homem, afirma que o “senso do ser” é nele tão grande que ele pouco precisa das provas da existência de Deus. O que, de novo, beira ao fideísmo tradicionalista.
E curioso que a nota 23 posta nessa frase lembra que Dr. Plínio disse isso, para reafirmar a condenação do erro dos ontologistas In Denzinger 1659 e seguintes. (Cfr. idem, ibidem, p. 276 nota 23).
Precauções para evitar uma condenação clara.
Plínio, como os modernistas, ora afirmava o certo, ora o errado.Desse modo, poderia sempre alegar que não foi bem entendido, quando lhe escapasse alguma heresia explícita. Essa é tática típica dos hereges, e especialmente dos modernistas.
A criança, segundo Plínio, na posse de sua inocência primeva teria certezas absolutas:
A criança tem uma certeza e uma força de lógica que é uma das maiores jóias do espírito e é o contrário do espírito pútrido do idoso desabusado
Essa força e essa energia da
[a1] lógica produzem assim um borbotão de certezas iniciais que podem fazer com que a alma, se for fiel a isso, seja a vida inteira dotada de certeza e cheia de luz. E também com energia e com capacidade para se sentir feliz, apesar das tribulações (PCO, A Inocência…, p. 32).
Neste ponto, pela primeira vez em seu livro Plínio fala do Batismo dizendo: “Por causa das graças do Batismo, a infância é um apogeu” (p. 32).
Mas então, a infância já possuidora da Inocência Primeva é levada ao apogeu pelo Batismo. E como isso seria assim, se o Batismo não tira da criança batizada as tendências más e nada harmônicas trazidas para a alma humana pelo pecado original?
E Plínio diz mais: “No fundo, a criança tem um senso virginal de distinção entre a verdade e o erro, o bem e o mal, que depois pode ir-se embotando ao longo da vida” (p. 30).
Não se compreende então como a Igreja ensina queaté o uso da razão – por volta dos sete anos, a criança normalmente não tem culpa mortal, pois que não sabe distinguir plenamente o certo e o errado, o bem e o mal.
Plínio ensinava o oposto do que ensina a Igreja… Discretamente…
E a afirmação dele de que à medida que cresce, a criança vai perdendo essa distinção clara entre verdade e erro, bem e mal, leva a supor que o desenvolvimento da razão é prejudicial ao ser humano. Se fosse assim, não seria a criança, ainda sem o uso da razão que não poderia pecar, mas o adulto é que deixaria de ser responsável pelo embotamento nele da distinção entre o bem e o mal, que só a criança teria plenamente.
Isso parece com a tese de Rousseau, que é preciso “deixar de lado a razão e permitir falar apenas o coração”. Ou ainda dizer com Rousseau que “O homem que pensa é uma animal depravado”.
Essa noção da criança como sábia é típica do Romantismo.
Plínio Corrêa de Oliveira foi um romântico.
Para Plínio, a criança inocente tem certezas e lógica profundas.
O virginal do estado de alma da criança coloca no raciocínio dela uma espécie de retidão e de certeza natural. (…) É uma naturalidade ainda não reflexiva. Não se trata de uma falta de reflexão culpável; é que ela considera supérflua a reflexão. É tal a clareza da posse dos primeiros dados da realidade, que um exame ponderado não se torna necessário.
O raciocínio [da criança] é fluentíssimo, limpidíssimo, muito metódico, tão fluente, tão límpido que a questão do método nem se põe. É uma espécie de transparência (p. 30-31).
Nem é preciso comentar como essa visão da criança como limpidissimamente raciocinante e lógica contraria a evidência. Isso é puro romantismo. É a defesa da irreflexão.
Veja-se mais um delírio pliniano sobre a idéia dos seres possíveis na mente de uma criança:
A criança pode passar por um processo pelo qual vai adquirindo duas cognições ao mesmo tempo: a do mundo real e a do mundo dos possíveis. São prodigiosamente ricas essas primeiras percepções que, assim, nela detonam (Plínio Corrêa de Oliveira, A Inocência…,p. 155).
Quer dizer que, desde a infância, a pessoa vai formando em sua mente duas classes de conhecimentos: a do mundo real, e a do mundo dos possíveis. Como se uma criança pudesse excogitar o que é um ente possível em Deus. Se nenhum homem pode saber como seriam os possíveis em Deus, que dirá uma criança?
A noção de seres possíveis é das mais sutis em Metafísica. O texto acima citado parece indicar que PCO chamava de possíveis as coisas imaginárias. Só que imaginário e possível são coisas evidentemente distintas.
É erro grosseiro identificar imaginário com possível. Que uma criança confundisse imaginário com o possível, ela seria logo corrigida. E caso acreditasse nisso, a criança deveria passar por algum tratamento.
Mas que um adulto identifique imaginário com possível, e até escreva um livro dizendo isso, e que tenha seguidores que acreditem nisso…Só em delírios mentais, próprios de quem está em sanatórios, isso se dá. Ou em seitas delirantes, como foi a de Jim Jones.
Mas isso aconteceu na TFP dos Provectos, graças a Plínio, e entre os Arautos, graças a Monsenhor Scognamiglio.
Logo, lá não sendo ambiente de loucos, é ambiente de seita herética.
Prova de que o ambiente reinante entre os Arautos de Monsenhor Scognamiglio é delirante é que ele publicou as Notas Autobiográficas de Plínio Corrêa de Oliveira. Que isso tenha sido gravado e guardado é inacreditável. Mas que se tenha tido a coragem de publicar essas Notas Autobiográficas passa de toda compreensão. Isso só pode ter sido publicado por uma editora chamada Retornarei, nome que insinua a esperança “sadia” de que Dr. Plínio só se “ausentou” tumularmente, mas que logo retornará.
Nesse livro em que Dr. Plínio narra sua autobiografia—e que mais parece um romance surrealista – ele conta como nele mesmo, quando criança de três anos, se deu essa “idéia” de seres possíveis numa outra esfera da realidade…surrealista que ele imaginou, e na qual Monsenhor Scognamiglio diz que crê.Comentando os passeios que dava no Jardim da luz aos três anos de idade, e falando dos gramados que lá existiam, Plínio garante que lhe passava pela cabeça infantil esta “metafísica”:
Isso me fazia pensar em parques de uma outra ordem, numa outra esfera, em jardins etéreos, arquetípicos, que não existiam, mas eram possíveis… Eu passava por ali vendo aquelas ondulações e quase fingia que brincava, enquanto minha alma esvoaçava por outras paragens…
Imaginando esse píncaro de beleza, sentia que era possível a existência de uma outra ordem universal, mais bonita do que esta e para a qual eu tendia. Numa palavra só, eram saudades do paraíso numa alma inocente (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, editora Retornarei, São Paulo, 2008, p. 254. Os destaques são de nossa responsabilidade).
Esta última citação deixa claríssima a confusão de PCO entre pensar e imaginar. Como deixa patente que, embora calvo, ele era um romântico descabelado. Se é verdade que ele pensava assim desde os três anos, conclui-se que adulto ele pensava o mesmo. E nunca deixou de ser romântico sonhador de um mundo irreal no qual sonhava viver. E que ele sabia ser um mundo inexistente, mas que , mesmo assim , ele queria que existisse em sua imaginação. Para ele, o imaginário era o real. E o real era condenável se comparado com o ideal.
Conta ainda que, aos três anos, ele se encantou com um gota de orvalho e quis sorvê-la imaginado ser ela uma bebida deliciosa…
Muitas vezes, quando eu estava sozinho – pois não queria passar por extravagante–, aproximava uma folha dos meus lábios e sorvia a gota de orvalho, pois não me podia convencer de que uma coisa tão linda não tivesse um sabor muito gostoso. Ao perceber que não era assim, arranjava um pretexto para conservar a minha ilusão e pensava: Essa gota não me faz sentir o sabor do orvalho, mas se eu tivesse um copo cheio de orvalho, que beleza e que delícia seria! Um dia, quando eu for homem feito, irei com um copo numa mata e o encherei de orvalho… Deve ser mais saboroso que o champagne!
E refletia: “Quem sabe se não há um universo assim, como essa gota? Será que não existe algo que este orvalho representa? O mundo todo poderia ser feito à maneira dessa gota de orvalho?”. (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, editora Retornarei, São Paulo, 2008, p. 254. Os destaques são de nossa responsabilidade).
E os destaques que fizemos mostram a preferência do imaginado sobre a realidade tal qual Deus a fez. É assim que nasce a Gnose romântica. É assim que a Gnose se mantém na cabeça dos Arautos do Evangelho preenchidas pelas pregações gnóstico- românticas de Monsenhor Scognamiglio. A ilusão tem que ser mantida contra o real.
Todas essas citações de textos de PCO são confirmadas por esta explanação de João Scognamiglio Clá Dias sobre a Inocência Primeva e a inerrância:
Deus pôs a inteligência no homem, pôs a vontade no homem, e a sensibilidade de forma inerrante. A inteligência do homem é inerrante no seu nascedouro, a vontade do homem é inerrante no seu nascedouro. Tanto é assim que se a pessoa se mantém fiel à sua inocência, ela vai mais tarde, se transformar num inerrante. Então se se apresenta um assunto qualquer a um santo, ele não erra. Por quê? Porque ele vai decidir de acordo com a sua inocência que está de acordo com a sua inteligência inerrante. A tal ponto que São Tomás diz isso de que a verdade é aristocrática.
“Por quê? Porque só tem conhecimento da verdade aquele que está em estado de inocência, diz São Tomás. Ora, como os que mantém a sua inocência íntegra são muito poucos, a verdade é possuída por poucos na face da terra. E por isso, diz ele, ser a verdade aristocrática. Mas se a pessoa de fato se mantém fiel àquele conhecimento primeiro, se a pessoa se mantém fiel ao flash, inteiramente fiel ao flash, ela se torna inerrante” (João Scognamiglio Clá Dias, Jour –le –jour, 19 de abril de 1992).
Dessa exposição “tomista” se deduz:
1. Que todo homem, ao nascer, possui inteligência, e vontade inerrantes. O que é herético, pois nega as conseqüências do pecado original.
2. Que, mantendo-se fiel ao estado de inocência primeva, a pessoa se torna inerrante.
3. Que só possui a verdade quem é inocente e inerrante.
4. A verdade então seria conhecida apenas por uma elite formada pelos inocentes. E, nesse sentido, seria “aristocrática”.
E onde São Tomás diz isso?
Dr. Scognamiglio, afirmou em sua defesa de tese que tem “firmeza única” em São Tomás. Ele que apresente, então, agora os textos onde o Aquinate defende essas teses esdrúxulas e heréticas.
Monsenhor Scognamiglio, “tomista” se tornou Padre sem estudar em seminário, Monsenhor sem ter feito nada fora da Sempre Viva, e Doutor em Direito Canônico com nota máxima. Ao noticiar esse Doutoramento, se lê na revista dos Arautos que ele, respondendo à banca examinadora de sua tese ousou declarar: “Posso dizer que tenho uma firmeza única em São Tomás e na doutrina tradicional e verdadeira da Igreja” (Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, “O Fundador dos Arautos Doutor em Direito Canônico” artigo na revista Arautos do Evangelho em Janeiro de 2009, p. 27).
Isso é que é modéstia! Firmeza única em São Tomás? önica? Isso jamais tinha ouvido uma banca examinadora de uma tese de doutoramento. Isso é fato único em bancas de doutoramento. Mas não em outros ambientes… Pois isso é puro devaneio trans-esférico.
Essas doutrinas absurdamente trans-esféricas mostram como o atual Monsenhor Scognamiglio e os seus Arautos do Evangelho são hereges.
E tudo isso nos permitirá compreender melhor a ciência do Inocente — a ciência de PCO — que analisaremos no próximo capítulo.
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