Prezado Vinícius, salve Maria.
E parabéns pelo verdadeiro testemunho de fé que é sua carta, pois você afirma crer na existência de Deus sem que as cinco vias tomistas, expostas pelo Prof. Orlando, lhe pareçam probantes.
Antes de responder as suas objeções, e tendo em vista sua situação de fiel católico e manifesta boa vontade, gostaria de estabelecer alguns limites sobre a questão de Deus ser um “mistério”, exatamente como você a coloca.
Vinícius, o fato de você não compreender as provas que a razão natural nos fornece a respeito da existência de Deus não faz dEle um mistério. O problema está em você que, por alguma deficiência – muito mais provavelmente de estudos que de capacidade intelectual propriamente dita –, não é capaz de atinar ao argumento apresentado. A força das cinco vias não depende de Vinícius.
Não por outra razão, pode o Concílio Vaticano I (1870) declarar excomungado todo aquele que nega poder Deus ser conhecido com certeza pela luz natural da razão a partir do exame das coisas criadas.
É exatamente por isso (ou também por isso), aliás, que acusamos o Padre Fábio de Melo de herege, quando diz, no mínimo, beirando à blasfêmia, que “Deus não se prova, experimenta-se”. Se o tal padre é limitado ou deixou – ao contrário de você – culpavelmente de estudar metafísica para fofocar nas clínicas de estética ou se exercitar no canto, o problema é dele (e de todos aqueles que o seguem e acreditam nas mentiras que ele espalha aos quatro ventos).
Por fim, para encerrar essa abordagem preliminar do assunto “Deus” de acordo com a doutrina católica, recordo que o próprio São Tomás, autor das cinco vias, explica na Suma Teológica (II, IIae. Q. 2, Art. 4, Resp.) o seguinte:
“É necessário que o homem receba pela fé não só aquilo que supera a razão, mas também o que pode ser conhecido pela razão. E isso por três motivos:
1. A fim de que o homem chegue mais rapidamente ao conhecimento da verdade divina. Com efeito, à ciência cabe provar que Deus existe e outras coisas a Ele referentes, mas ela é o último objeto a cujo conhecimento chega o homem por pressupor muitos outros conhecimentos anteriores. Assim, só depois de muitos anos de vida, o homem chegaria ao conhecimento de Deus.
2. Para que o conhecimento de Deus seja mais generalizado. De fato, muitos não podem avançar no estudo das ciências ou por incapacidade mental ou porque estão envolvidos por outras ocupações e pelas necessidades da vida temporal ou ainda porque não têm o desejo de se instruir. Ora, essas pessoas ficariam privadas do conhecimento de Deus, se as verdades divinas não fossem propostas pela fé.
3. Por causa da certeza. A razão humana é muito deficiente no conhecimento das realidades divinas. É o que se depreende da experiência dos filósofos, que perscrutaram as coisas humanas, e erraram sobre muitos pontos mantendo opiniões opostas. Portanto, para que haja entre os homens um conhecimento de Deus que seja indubitável e certo, foi necessário que as verdades divinas fossem transmitidas pela fé, como sendo ditadas por Deus, que não pode mentir”.
Estabelecidos esses limites, passemos às suas objeções, se as pude compreender bem, apesar se seu texto, se você me permite, bastante confuso.
Você acerta em cheio quando diz que provar não ser essa série de movimentos (mudanças) infinita é o ponto chave do argumento.
(Aliás, posso lhe garantir, pela minha curta experiência, que as pessoas – quase literalmente – empacam em geral nesse ponto mesmo. Também para mim, ele foi o mais difícil).
É o ponto chave, pois, se a série é finita, necessariamente temos de concluir a existência de um primeiro motor imóvel, causa primeira de toda mudança existente no universo. Se ela não o for, porém, não há por que falar nele.
Resposta à primeira objeção
Trata-se de um problema conceitual: você está confundindo infinito com indefinido, empregando a palavra “infinito” para se referir a algo que é, na realidade, “indefinido”. Infinito é aquilo que não tem nem começo nem fim. Já o indefinido é aquilo cujo começo e/ou fim não podemos determinar. Ao infinito, nada podemos acrescentar ou tirar, caso contrário, não seria, por definição, infinito. Ao indefinido, por outro lado, sempre algo pode ser acrescentado. A sequência numérica, que você cita, Vinicius, porque passível de acréscimo, não é infinita. Portanto, seu exemplo numérico é descabido.
Em contrário, podemos dizer que a natureza do todo não pode ser diferente da natureza das partes. Ora, se os seguimentos de mudança, que constatamos na realidade, são finitos, toda a série de mudanças o há de ser.
Logo, a série de mudanças é finita.
Resposta à segunda objeção:
Assim como, na primeira objeção, o exemplo dos números era descabido, assim também agora o é o do saco de balas. Pois, ao contrário do que ocorre na série de movimentos que estamos estudando aqui, uma bala não é causa da existência da outra bala.
Além disso, se essas balas existissem, não é preciso se remeter à ordenação dos seres para se provar a sua existência. Se elas, de fato, existissem, isso seria algo evidente que, por definição, não se prova. Pois o que é evidente se vê e se constata imediatamente da realidade, sem raciocínio, processo pelo qual chegamos ao conhecimento certo de uma terceira verdade a partir de duas anteriores.
O que ocorre é o seguinte. Constatamos que as mudanças (movimentos) que observamos na realidade são ordenadas, pois nenhum ser, que vemos na realidade, é causa de si mesmo. Para facilitar, pensemos num único ato, o da existência. Sempre há um primeiro ser que transmitiu a existência a um segundo. Você, Vinicius, por exemplo, recebeu a existência de seus pais, que, por sua vez, a receberam de seus avós e assim por diante. Ora, se nenhum dos seres que vemos é causa de sua existência, eles a devem necessariamente a um ser anterior, que tem a existência em ato sem a ter recebido de outro para a transmitir aos demais. A esse primeiro ser, chamamos Deus, causa não causada.
Reposta à terceira objeção:
Se Deus é ato puro, Ele não pode ter tido nenhuma potência atualizada.
O ato puro jamais pode ter carecido de nenhuma qualidade (ato).
E justamente porque ato puro, não causado, Ele é o primeiro ser da série de seres, que, por ter um começo, é finita.
Comentário geral sobre suas objeções:
Você normalmente confunde os planos lógico (da abstração) e ontológico (do ser). Temos de raciocinar a partir do ser, da realidade. Saiba você, por exemplo, que o indefinido numérico não existe na realidade, mas apenas no plano lógico. Os números não existem senão nos seres. Se não existisse uma mesa, uma laranja, um ovo, um não-sei-o-que-lá nós não teríamos a ideia de 1. E de 2, 3, 4 e assim por diante se não existissem vários 1 (uns).
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Espero, Vinícius, ter respondido suas objeções. É muito bom nos depararmos com dúvidas sinceras. Tenho lido cada absurdo nos comentários que nos enviam sobre nossos vídeos! Por vezes, e tristemente, obscenidades.
No novo site, na seção de vídeos, haverá um espaço para nossos amigos postarem suas dúvidas, que responderemos por meio de outro vídeo, e não como eu fiz agora, por escrito.
Por fim, como você demonstra vontade sincera de aprender, recomendo-lhe assistir novamente à aula.
A seguinte frase sua “O fato é: Se Deus é ATO puro, somente pela minha razão não consigo provar que não deva existir ATO antes de Deus que o tenha auxiliado a transformar toda sua POTENCIA em ATO” denuncia bem seu não entendimento da explicação dada pelo Prof. Orlando.
Em síntese, embora repetindo um pouco o que já dissemos acima, podemos afirmar que o que nos leva a concluir a existência de Deus é o seguinte: tem de haver, fora desta sequência de seres contingentes, seres esses em que a potência precede o ato, um ser que não tenha nenhuma potência e seja apenas ato; a esse ser chamamos Deus. Por isso, não faz sentido sua colocação de que não se consegue provar não existir um ato antes de Deus que O tenha auxiliado a transformar toda sua potência em ato. Digamo-lo assim: se esse ser a quem você atribui a palavra Deus tem ou teve potência, ele não é Deus.
Contamos com suas orações.
Abraço,
Guilherme Chenta
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