Muito prezado Raymundo, salve Maria.
No site Montfort, não publico cartas a filhos. Combato os inimigos de Deus e da Santa Igreja. Mas nunca escrevi para alguém : “Afasta-te de Mim Satanás!”, embora possa um dia dizê-lo.
Deus quer salvar a todos. Mas está dito por Deus – não por mim—”Ainda que pisasses o estulto num pilão, como se pisam os grãos de cevada, não separarias dele a sua estultícia.” (Prov. XXVII, 22).
E ainda: “Deus odeia igualmente o ímpio e a sua impiedade.” (Sab. XIV, 9 )
Já expliquei inúmeras vezes no site Montfort a questão do amor e do ódio.
Copio pela enésima vez uma resposta extraída da exposição de São Tomás de Aquino.
Amar é querer bem. Ora, existem dois tipos de bem:
1 – O Bem Absoluto, que é Deus.
2 – Os bens relativos, que são todas as coisas boas, mas das quais se pode fazer mau uso. Exemplos de bens relativos são a vida, a inteligência, saúde, riquezas, prazer, êxito, prestígio, etc, coisas todas que podemos usar bem ou mal.
Daí existirem dois amores:
1 – O amor absoluto que consiste em desejar a outrem Deus, a salvação eterna, o céu, a virtude.
2 – O amor relativo que consiste em desejar a outrem os bens relativos.
Por sua vez, odiar é querer mal a outrem, isto é, que ele perca um bem.
Repare, meu caro, que não afirmo que odiar é querer o mal no sentido que o mal seja algo substancial, já que o mal é carência de um bem que deveria existir, ou falta da ordem devida.
Mal não é substantivo. Não há coisas ontologicamente más, como explicara Santo Agostinho ao refutar os erros do maniqueísmo, hoje dominante.
Daí decorrem dois ódios:
1 – O ódio absoluto que consiste em querer que o outro perca Deus, isto é, perca o céu ou a virtude que leva ao céu.
2 – O ódio relativo, que é o desejo que outrem perca um bem relativo.
Esse dois amores e esses dois ódios podem se combinar da seguinte forma:
I – Querer para os outros bem Absoluto e, juntamente, os bens relativos Isto é ter pelo outro Amor Absoluto (Deus, o céu, a virtude) e Amor relativo ( Vida saúde, riquezas, prazer, êxito, ordenadamente ao Bem Absoluto), conjuntamente, é amar perfeitamente.
II – Desejar a outrem o Bem Absoluto (Deus, o céu, a virtude) junto com o ódio relativo (perda de um bem relativo: morte, doença, dor, pobreza, etc) a fim de que o próximo não perca a Deus, o Bem Absoluto, isto é também virtuoso.
É este amor absoluto com ódio relativo que exerce a mãe de uma criança que castiga, batendo em sua mão, por ter roubado um doce, sem pagar, no supermercado. Ela faz um ato de ódio relativo (faz doer a mão do filho) com amor absoluto, porque deseja para ele a virtude da honestidade, o céu , Deus.
Por isso, o Rei Davi diz que odiou os inimigos de Deus com ódio perfeito, isto é, com amor absoluto, desejando-lhes a salvação eterna, e com ódio relativo, castigando-os, ao tirar-lhes algum bem relativo.
E é assim que Deus nos tem sempre um Amor Absoluto, pois Deus quer que todos se salvem, que todos tenham a vida eterna no céu, e nos tem ódio relativo, ordenado ao Bem Absoluto, quando nos castiga com doenças, fracasso, dores. E mesmo a morte, porque a vida física não é o bem absoluto. Mais do que a vida física vale a vida eterna, o Céu. Por isso, no primeiro mandamento se ordena que amemos a Deus sobre todas as coisas, mesmo mais que a vida natural. Portanto, não há contradição alguma em amar absolutamente e castigar, isto é odiar relativamente, visando o bem maior.
Branca de Castela, mãe de São Luís, dizia-lhe que preferia vê-lo morto, ou leproso, do que pecador. Ela tinha por seu filho amor absoluto com ódio relativo.
III – Querer para alguém o bem relativo (Amor Relativo), mesmo com a perda do Bem Absoluto (Deus) é pecado, pois inverte a ordem dos bens. E isso é pecado. Por exemplo, um pai que deseja para o filho riqueza, mesmo na condição de perder a Deus – deseja que o filho fique rico, mesmo roubando – esse pai tem ódio absoluto pelo filho, ainda que tenha também por ele amor relativo. E isso é desejar o mal. Esse é um ódio pecaminoso, porque coloca o bem menor e relativo acima do Bem Maior e Absoluto. Esse amor é pecaminoso, mau.
“Madame” Letízia, a mãe de Napoleão, queria para ele o Poder e riquezas, dizendo-lhe; Meu filho, aproveita enquanto puder, porque vai durar pouco”. Desse modo , ela manifestava por ele, amor relativo e ódio absoluto. E isso era pecado.
IV – Querer para alguém a perda do Bem Absoluto e, ao mesmo tempo, a perda dos bens relativos, isso é odiar absolutamente e relativamente.
Deus, então, pode muito bem dizer que ama a todos, porque quer a salvação de todos, tendo por todos Amor Absoluto, e, ao mesmo tempo, afirma que odeia e castiga, porque castiga para corrigir, e odeia com ódio relativo.
Amar Absolutamente e odiar relativamente não são atos contraditórios mas podem ser muito bem ordenados entre si. Portanto, o Ser perfeitíssimo pode odiar e ser misericordioso. Aliás, não existe amor sem ódio. Quem ama a verdade detesta a mentira, quem ama a virtude detesta o pecado, que ama o doce detesta o amargo etc. E tendo Deus amor infinito ao Bem, Ele só pode ter ódio infinito ao mal, exatamente por ser perfeitíssimo.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli
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