Política e Sociedade

Dúvida sobre socialismo e capitalismo
PERGUNTA
Nome:
Rodrigo
Enviada em:
26/10/2003
Local:
São Paulo - SP,
Religião:
Católica
Idade:
20 anos
Escolaridade:
2.o grau em andamento

A Santa Igreja é contra o socialismo e o comunismo? Mas então quer dizer que a Santa Igreja é a favor do capitalismo? Mas o capitalismo não é um sistema injusto? Quer dizer que é louvável a existência de favelas, fome, falta de moradia e submissão às leis do mercado? Realmente não compreendo.
RESPOSTA


Muito prezado Rodrigo, salve Maria !

Sim, a Igreja Católica sempre condenou não apenas o comunismo, mas também o socialismo.

Pio XI declarou "Intrinsecamente mau é o comunismo" (Pio XI, Encìclica Divini Redemptoris).

Pio XI também declarou que "Ninguém pode ser, ao mesmo tempo, bom católico e verdadeiro socialista" (Pio XI, Encíclca Quadragesimo Anno).

Isso não significa que a Igreja aprova o capitalismo, sem restrição ou condenação, como se fosse uma escolha excelente. A Igreja sempre fez crítica ao capitalismo.

Sua pergunta coloca um dilema -- que não existe -- entre socialismo e capitalismo, como se fôssemos obrigados a escolher ente esses dois sistemas econômicos, considerando um ótimo, e o outro péssimo.Um é ruim. O socialismo é péssimo.

Na realidade, o capitalismo é pai do socialismo e do comunismo, assim como a democracia liberal é mãe da tirania comunista.

Tudo isso requer uma explicação um tanto mais longa.

No crepúsculo da Idade Média, por se ter colocado o bem estar na vida terrena acima da salvação da alma, por se ter colocado o Reino da Terra acima do Reino dos Céus, começou-se a buscar, antes de qualquer coisa, a riqueza material. Esse desejo, aliado ao Absolutismo Monárquico, levou os Reis a favorecerem um novo sistema econômico, que foi o Mercantilismo, o precursor do Capitalismo atual, uma espécie de Capitalismo embrionário.

Não é preciso dizer -- vários autores o salientaram, como, por exemplo Max Weber (Ética Protestante e Capitalismo) --a relação profunda entre a Teologia protestante, particularmente a calvinista, e a busca de lucro acima de tudo. A "santificação" calvinista pelo trabalho, ia colocar o dinheiro como sinal da salvação, o êxito econômico como sinal de eleição divina. Como se o homem tivesse sido criado para trabalhar e não para servir a Deus em tudo o que faz.

Foi do Mercantilismo que nasceu o sistema capitalista, triunfante com a Revolução Francesa e com a chamada Revolução Industrial. E com o fim de toda ordem feudal, na Revolução Francesa, os antigos artesãos perderam seus meios de defesa, quando a Revolução extinguiu o seu feudo econômico, as Corporações, que eram bem diversas dos atuais sindicatos. O artesão foi transformado em operário, em proletário.

A Revolução Francesa instituiu o reino do Número, isto é o da Quantidade. Foi o fim da Qualidade artesanal, e o triunfo da produção em quantidade, de onde vai nascer a produção em série.

Politicamente, esse triunfo do número vai significar o governo da maioria, que se aufere pela contagem de votos, e pelo sufrágio universal, isto é, pelo sistema democrático liberal, que muito pouco tem a ver com a democracia, tal como a entende a Igreja Católica.

Economicamente, a instituição do número como supremo valor, não só vai causar a Revolução Industrial e a produção em série, como significará a busca do lucro acima de tudo.

E, do mesmo modo que o sistema liberal separou a Igreja do Estado, pela Liberdade de Religião, assim também se separou a Economia da Moral: desde que se obtivesse lucro, pouco importava, para o Capitalismo, triunfante com a Revolução Francesa, que meios eram usados. Dai, nasceu a tendência a reduzir, o quanto possível, o salário dos que trabalhavam, e a produção de objetos em série, pouco importando a decadência de sua qualidade. Importava só o lucro, e o quanto antes. Dai a velocidade das coisas modernas: velocidade de produção (Taylorismo), velocidade de consumo, velocidade de uso.

Disto resultando a velocidade da vida atual, e a idéia dela decorrente de que tudo tem que mudar sempre.

Assim nasceu a Moda. Assim nasceu o macaco de Darwin. Pois o Darwinismo, muitos o demonstraram, é uma aplicação do pensamento liberal e capitalista na biologia: a livre concorrência entre as espécies, como se fez a livre concorrência entre os produtores. Hitler despontava já do darwinismo, imaginando a criminosa "livre concorrência" das raças, com os fornos assassinos de Auschwitz. Que agiam visando a produção de crimes em série. Em linha de... destruição criminosa em massa.

Portanto, esse foi, e é, o principal ponto negativo do Capitalismo, que a Igreja sempre condenou: a separação entre Economia e Moral, que foi uma conseqüência da separação entre Igreja e Estado.

Um segundo ponto negativo do Capitalismo-- que a Igreja sempre condenou também -- foi a Livre Concorrência Absoluta na Economia. Assim como na Democracia Liberal, nascida da Revolução Francesa, se deu a liberdade religiosa completa, acabando-se com a distinção entre verdade e mentira, assim como se deu livre concorrência ao erro e à verdade, assim também, na Economia, se dava a livre concorrência absoluta, com o falso raciocínio de que sempre venceria o melhor produto.

Ora, a livre concorrência entre a verdade e a mentira só pode favorecer a mentira, porque a mentira não traz obrigações, enquanto a verdade traz duros deveres.

Assim também, a livre concorrência absoluta vai favorecer o produto que dá mais lucro ao fabricante, isto é, o de pior qualidade. Prova é a difusão de bebidas de certo refrigerante americano, e de alimentos fast food, bebida e comidas tipicamente capitalistas, de produção em massa, e de baixo valor . Até na Itália, hoje, desgraçadamente, há quem misture refrigerantes ao vinho, e soja com azeite...

A livre concorrência absoluta vai fazer triunfar não o melhor produtor, mas sim aquele que tem mais dinheiro, aquele que tiver supremacia no número, na propaganda, na quantidade. A livre concorrência absoluta, junto com o amoralismo do Capitalismo, vão fazer triunfar o grande produtor, o grande comerciante, que vai eliminado todos os concorrentes menores. O Super Mercado devora o empório do seu Manoel da esquina. A livre concorrência absoluta, separada da Moral, a longo prazo, extingue toda a concorrência e cria os grandes trusts e os grandes monopólios. A Livre Concorrência Absoluta concentra todo o poder econômico nas mãos de alguns apenas, e assim prepara o socialismo, que concentra tudo nas mãos do Estado. Portanto, os dois pontos negativos do capitalismo:

1) a separação entre Economia e Moral;

2) a Livre Concorrência Absoluta,

esses dois erros econômicos, ambos, foram frutos amargos e péssimos da Liberdade de Religião, como foram, a seguir, as duas causas econômicas do Socialismo. Nova York preparou Leningrado. Wall Street financiou o Stalinismo e o Nazismo, as duas mais importantes formas de socialismo do século XX.. Roosevelt deu o triunfo a Stalin, em 1945. E o Vaticano II, favorecendo a Liberdade de Religião, favoreceu a expansão do Castrismo, através da Conferência de Medellin. Dai, a Teologia da Libertação nascer especialmente alimentada pelos textos do Vaticano II.

Se o Capitalismo tem esses dois pontos negativos, ele manteve, entretanto, dois pontos positivos:

1) ele continuou a admitir o direito de propriedade particular, que é um direito natural, direito que a Igreja sempre defendeu;

2) o capitalismo permite a livre iniciativa. Cada um trabalha no que quer, onde quer, quanto quiser.

O Socialismo, nascido dos erros do Capitalismo, vai atacar exatamente os dois pontos positivos que ainda restam no Capitalismo.

O Socialismo vai combater:

1) o direito de propriedade particular, o que faz do socialismo um sistema anti natural, essencialmente mau;

2) vai combater também a livre iniciativa, ao fazer do Estado o controlador da economia, e do operário apenas uma peça do sistema econômico.

Esses dois erros essenciais do Socialismo é que vão gerar a ditadura do partido comunista, porque o socialismo é HIV da AIDS comunista.

Da mesma forma que o capitalismo normalmente gera o socialismo, a democracia liberal gera a ditadura socialista e comunista. Porque, se todos são iguais e todos tem que ter as mesmas oportunidades, como se explica que uns sejam mais ricos que os outros? E se na democracia liberal deve haver livre concorrência política, nas eleições, essa livre concorrência política é impedida pela propaganda maciça dos candidatos mais ricos, propaganda que afoga os candidatos mais pobres. Nas eleições capitalistas vence quem tem mais propaganda, isto é, quem tem mais dinheiro. Por isso, na democracia liberal, normalmente vencem os mais ricos. No liberalismo, político ou é rico, ou vai ficar rico.

Se a democracia liberal quer fazer a igualdade política, só se conseguirá essa igualdade política, fazendo- se a igualdade econômica: do liberalismo nasce o comunismo. Foi o que se constatou já na Revolução Francesa, quando os "enrajés" de Hébert e Chaumete defenderam a igualdade econômica e social, para que fosse realmente possível a igualdade política. E o desejo de igualdade a todo custo, levou ao Terror. A Igualdade guilhotinou a Liberdade.

Como você vê, meu caro Rodrigo, não se trata de escolher entre Capitalismo e Socialismo. Nem se trata de escolher entre Liberalismo e Comunismo. Um é causa do outro, do mesmo modo como a gripe causa a pneumonia, como o câncer de pele -- um carcinoma não cuidado -- poderá causar um câncer interno. Nenhum câncer é bom. Entre dois males,entretanto, havendo que escolher, deve-se escolher o mal menor, aquele que dê mais possibilidade de cura, o mal que permite ainda a existência de uma certa ordem e de um certo bem.

Assim, entre a democracia liberal e a tirania comunista, é preferível a democracia liberal, como menos má. O que não significa a aprovação de seus erros profundos, como o ideal igualitário, a liberdade de religião, a idéia de que o poder vem do povo, e etc, Do mesmo modo, entre Socialismo e Capitalismo, é preferível o Capitalismo, porque permite ainda que se tenha propriedade particular, e que se tenha liberdade econômica. Sem esquecer os males profundos do capitalismo que vão gerar o câncer mais profundo do socialismo.

Esperando tê-lo atendido, me subscrevo atenciosamente

in Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli.