TFP

Milenarismo e Reino de Maria da TFP
PERGUNTA
Nome:
Ivan Rojas
Enviada em:
03/07/2002
Local:
Brasil
Religião:
Católica
Escolaridade:
Pós-graduação concluída
Profissão:
Psicólogo



Caro Prof. Orlando Fedeli.
Salve Maria !

Meu nome é Ivan Rojas. Sou psicólogo,com mestrado na PUC-SP e especialização em filosofia, pela mesma universidade. Como católico, leio sempre os artigos do seu site, bem como perguntas e respostas. Eu tb tenho algumas dúvidas, que, espero, o Sr. possa me ajudar.

É o seginte: Pode-se dizer que o cristianismo é uma forma de humanismo? Já não digo, é claro, o humanismo enquanto movimento filosófico renascentista ou afins, mas de algum outro modo. Pode-se dizer que somos "humanistas"? Se sim, como? De que forma?

Outra questão: O sr. pertenceu em tempos idos à organização conhecida como TFP, desligando-se dela por motivos que o sr. mesmo já exlareceu. Pergunto: O sr. acredita na vinda do chamado "Reino de Maria" como acreditam os pertencentes à TFP? Se sim, de que modo? E se não, porque? Ora, a decadência da sociedade em geral é um fato que infelizmente atingiu a própria Igreja de Cristo. Temos uma espécie de heresia "romantica-sentimentalista" que graça dentro da nossa querida e única Igreja de Deus. Para esses, Deus tudo perdoa, mesmo se o pecador não tenha pedido o perdão de Deus. É um Deus que "tudo aceita", que ama, (mas um amor um tanto infantil...) sem se preocupar com a real situação espiritual do pecador. O sr. concorda com essa meu diagnóstico? Parece-me claro que essa idéia de um Deus que perdoa tudo, fere a justiça do próprio Deus. Claro que existe a Misericórdia de Deus, mas isso é outra coisa...Misericórdia para quem a pede, para quem se confessa pecador, e tenta mudar de vida. Enfim, o que o sr. pensa de tudo isso dito acima? Por favor discorra sobre essas questões tão preemente para nos católicos.

Que Deus o abençoe.
Prof.Ivan Rojas. 
Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP

RESPOSTA


 Muito prezado Dr. Ivan, salve Maria,

     Como lhe prometi, procurarei, nesta terceira carta, atender ao seu pedido, tratando do que o Dr. P. C. de Oliveira, o auto proclamado profeta, fundador da TFP, dizia de suas esperanças milenaristas e delirantes de um futuro e sempre iminente Reino de Maria.
     Em primeiro lugar, é preciso lembrar que Dr. P. C. de Oliveira pretendia fundamentar-se nas profecias de Nossa Senhora de Fátima, para afirmar que haveria, em futuro bem próximo, iminente, -- mas sempre adiado -- um Reino de Maria.
     Ora, Nossa Senhora em Fátima nunca disse que haveria um futuro Reino de seu Imaculado Coração.  Ela afirmou, sim, que se daria um triunfo de seu Imaculado Coração. E que "seria dado ao mundo algum tempo de paz".     
     E essa expressão -- " algum tempo de paz"-- indica antes um curto período do que um Reino prolongado. E triunfo não é Reino.
Dr. P.C. de Oliveira fez de triunfo, Reino. E fez de Reino, um delírio.
     É típico das seitas gnósticas condenar o mundo tal qual ele é, e tal qual Deus o fez. os gnósticos detestam o tempo, e procuram fugir dele, esperando a restauração da inocência primeva, o retorno ao Éden, e, principalmente, a reintegração no pléroma divino.
     Coincidentemente, Dr. Plínio pretendia ter recuperado a "inocência primeva", e se dizia "O Inocente". De inocente ele não tinha nada, pois era muito esperto.
     Doutrinariamente, isso significava pretender ter voltado ao estado de Adão antes do pecado, e portanto estar livre da morte. E Dr. Plínio pretendia, exatamente por isso, ser imortal. Mas, morreu. Está morto até hoje.
     Embora os seguidores de seu "discípulo fiel" tenham esperado a ressurreição dele "ao terceiro dia", depois, "aos seis meses", depois, no ano 2.000. E agora para ...?  Em todo o caso eles publicam uma revista com o nome dele, cuja editora, sintomaticamente se chama "Retornarei". Dizem que é uma promessa. Na realidade, é só uma "esperança desesperada".
     O Romantismo, seita gnóstica, não escapou a essa regra de detestar o mundo material, assim como o tempo e o espaço, e tudo o mais que provava a contingência humana. Ele detestava o agora, fugindo, através do sonho e da lenda, para um passado mítico: a Idade Média idealizada, a vida guerreira das tribos germânicas, nas florestas encantadas, o sonho do reino da Távola Redonda e do Graal...
     Para o Romantismo, a lenda era superior à História. O mito era superior ao fato.
     Na TFP também se pensava, ou melhor, se sentia assim. Romanticamente assim. Garantia Dr. Plínio que a lenda era superior à História...     
     Carlos Magno, Roland, Felipe II, Luís XIV, Maria Antonieta, o Grande Condé, eram vistos e apresentados por Dr. Plínio à luz dourada da lenda. Se alguém citasse dados históricos comprovados, que contrariavam a lenda, ele os repelia com antipatia pois que lhe quebravam o "Flash" , a luz dourada e falsa da lenda, a "iluminação" sobre a verdade que jamais se alcançaria com o simples uso da razão e do estudo. Era o "flash" - algo parecido com  a intuição mística -- que faria alcançar a verdade. Exatamente como diziam os místicos românticos.
     Típico dessa mentalidade romântica da TFP era a simpatia e admiração que lá se tinha pelo castelo de Neuschwanstein, castelo onírico e postiço, construído pelo romântico amante de Wagner, o Rei Luís II da Baviera. Esse castelo, falso, cujas muralhas estão cheias de janelas como o romantismo está cheio de furos, foi construído para abrigar as lendas germânicas e as cerimônias wagnerianas, uma das origens do nazismo.     
     Para a TFP, o castelo de Neuschwanstein era o símbolo do Paraíso, Num de seus êremos, havia um poster de Neuschwanstein sobre uma camada de nuvens fazendo parecer que ele flutuava sobre o nevoeiro. E, sob essa foto, havia um cartaz dizendo: "Paradisiologia".      
     Estar no Paraíso seria estar flutuando em nuvens de sonho, sem contato nenhum com  a realidade material deste mundo mau.     
     Dr. Plínio dizia, em suas palestras na TFP, que a lenda era superior ao fato, porque ela dava o plano "A" de Deus com relação a uma determinada pessoa, ou a um certo país. Daí, ele imaginar uma Idade Média idealizada, na qual todos os guerreiros eram valentes, todas as damas, puríssimas, todas os velhos sábios, todos os monges, santos.
     Todo o passado era por ele mitificado. Ele julgava tanto que a lenda era real, que sonhou mandar fazer, no futuro e iminente Reino de Maria, uma Catedral para honrar o guante de Roland. Pois que se um dos guantes de Roland foi entregue, por ele, a São Miguel, o outro deveria estar em algum lugar na Espanha. Possivelmente, num ferro velho. Toca procurar o guante de Roland nos ferros velhos de Madri e de todas as Espanhas.
     Indo mais fundo, o Romantismo, mais do que a matéria, o espaço e o tempo, detestava a própria existência. Tudo o que existia, por existir, já estaria eivado de maldade. Mal era o fato de ser.
     Clemens Brentano, o escandaloso autor romântico que foi secretário da pseudovidente Anna Katharina Emmerick, muito apreciada pelo Dr. P. C. de Oliveira, e, conseqüentemente, pelos tefepistas, quando menino, acreditava na existência de um Reino fabuloso -- o Vadutz -- onde tudo seria perfeito. Quando Brentano, certa vez, falou do Vadutz a um tio, e este lhe mostrou que, de fato, havia uma cidade chamada Vadutz, capital do Lichtenstein, e lhe mostrou o mapa, localizando essa cidade de Vadutz, o pequeno Brentano chorou copiosamente, pois se Vadutz existia, então ela não seria boa. Existir seria o mal.
     Esse ódio do Romantismo ao ser, à existência e ao tempo fazem dele um movimento claramente gnóstico.     
     Ora, a TFP é  tipicamente romântica. Como os românticos, ela odeia o aqui e o agora. Do agora, ela fugia sonhando com uma Idade Média feita de lendas, em que se misturavam santos e fadas -- [Dr.  PCO elogiava, e se encantava com as histórias de fadas] --, heróis míticos e imaginação delirante. A mãe lhe contava, quando ele era menino, as aventuras dos três mosqueteiros e os namoros adúlteros de Buckingham e da Rainha Ana d" Áustria...].
     Do aqui a TFP fugia, sonhando com um "Grande  Êxodo" aos confins do Mato Grosso, ou num deserto ou êremo indefinido qualquer. Lá se construiria o "Grande Êremo", no qual todos os tefepistas ficariam juntos, aguardando a Bagarre ( Imagine-se que inferno, pois, lá, um não agüentava o outro). E durante muito tempo, lá, na TFP, se fizeram, todas as noites, orações pelo "Grande Êxodo", em que um dia a TFP, com Dr. P. C. de Oliveira, se retiraria deste mundo prestes a ser punido por um imenso castigo --a "Bagarre!!!" -- para esse lugar inacessível pela civilização e pela corrupção modernas.  Como se rezava também pela conservação da sede principal da TFP, na rua Maranhão, em Higienópolis -- a sede do Reino de Maria - para que ela não fosse destruída junto com a cidade de São Paulo, na Bagarre!
     Esse "Grande Êxodo" era, na prática, a separação da sociedade corrupta, pelo isolamento da TFP, num lugar desabitado, e, portanto, livre da corrupção atual.
     Também a tendência para o isolamento  -- no qual os tefepistas sempre viveram -- demonstra uma mentalidade sectária. É característica dos grupos sectários, especialmente os gnósticos, separarem-se, isolarem-se. Materialmente, essa tendência faz os sectários usarem roupas diferentes das comuns, usarem penteados diversos do que está na moda, separarem-se do vulgo, da plebe vil, da multidão dos impuros e precitos. Essa tendência ao isolamento leva os sectários a sonharem com uma ilha ou um gueto de perfeitos. A "Ilha" é o acidente geográfico que mais aparece nos grupos utópicos ou milenaristas.
     A TFP registra essa mentalidade isolacionista, esse sonho da ilha perfeita. O próprio Dr. Plínio deu conferências tratando de quem seria capaz de renunciar ao mundo moderno, para ir viver numa ilha. Daí os "êremos" e "camáldulas" da TFP [Conventos irregulares instituídos pela TFP]. Lá -- na TFP -- se dizia que, no futuro Reino de Maria, Dr. Plínio viveria numa ilha, possivelmente no Mediterrâneo, ilha que ficaria constantemente coberta por uma nuvem, para que a luz do Sol fosse coada numa gradação agradável ao "Sr. Dr. Plínio".
     Essa mentalidade isolacionista da TFP se percebe ainda pelo isolamento que os tefepistas mantém das pessoas comuns. Nas igrejas, eles sempre se isolam. Nunca rezam com os outros: ou rezam antes, ou  mais alto, ou mais depressa,. Jamais com os outros.
     Na atuação pública, jamais ela age aliada a outros movimentos.   Aceita isso só se ela aparecer como a organizadora e a líder da ação. O bem que é feito por outros, a TFP não apoia. Só ela, isolada, sozinha, faz o bem perfeito.     
     Grande Êxodo, Bagarre, "Glorificação do Sr. Dr. Plínio",  e Reino de Maria, eram quatro acontecimentos estreitamente concatenados, e pelos quais se esperava, com imensa e angustiada ansiedade, a realização sempre adiada para... depois de amanhã.     
     Um depois de amanhã que não chegava nunca.
     E que ainda não chegou... Mas que ainda se aguarda...Para depois de amanhã.
     Como deve ser grande a decepção desses pobres enganados!
     Eu me lembro que lá por 1954, em conversa que teve comigo, Dr. P. C. de Oliveira me disse que, se ele tivesse uma vida normal para um homem, isto é, uns sessenta anos, ele alcançaria ver o fim de nossa época, que seria destruída por uma enorme catástrofe (Ele não me falou a palavra "Bagarre", pois eu era um novato suspeito no qual não se confiava. Novato deixei de ser. Suspeito, para eles, continuei sempre a ser, graças a Deus.).
     Ora, ele tinha então 46 anos. Logo, ele esperava essa catástrofe nuclear, lá pelo ano 1958. No máximo para 1960. 
     E o tempo passou... Tanto passou, que ele passou dos sessenta...
     Apesar disso, fui assistindo sempre novas previsões e profecias que anunciavam a Bagarre para logo mais. Para depois de amanhã...     
     Desta vez , dizia-se,  não passa. De 1960, não passa. Do Concílio não passa. De 1970. De 1972. de 1980, não passa etc, etc. E sempre passava.. E o depois de amanhã nunca chegava.
     Trocava-se a data. A profecia era sempre a mesma. E o adiamento também.     
     Vi anunciar a Bagarre quando da crise de Suez, quando da revolta húngara, por ocasião de um desembarque americano no Líbano, no Vietnã, com o Concílio Vaticano II, com o assassinato de Kennedy, com as profecias do soldado Ham, com os raios do Mississipi, com o buraco da Flórida, com a epidemia do "centurião", com a crise do dólar, com os manifestos contra o Presidente Mitterand. etc., etc. etc. e etc.   Infindos e indefinidos etc.
     Particularmente com a publicação do Manifesto do Dr. P. C. de Oliveira contra o Presidente Mitterand, nos principais jornais do  mundo, se esperou a Bagarre, a Bagarre e o onírico Reino de Maria.     
    
"É pra já! Desta vez não passa! Até que enfim!".
"Desta vez não passa meeesmo! O Presidente Mitterand vai cair. Vai começar a III Guerra Mundial. Atômica! Atomicíssima !!!. Bilhões de mortos. Os maus serão aniquilados. Os bons-- entenda-se tefepistas -- serão angelizados. Dona Lucília, [a mãe de Dr. Plínio] ressuscitará. Haverá a "Glorificação do Senhor Doutor Plínio". Nossa Senhora o proclamará Profeta do Reino de Maria. O Papa e o Grande Monarca pedirão perdão a Dr. P. C. de Oliveira, lambendo o chão diante dele. E o Reino de Maria será instaurado".

     Tudo isso se esperava do Manifesto contra Mitterand...
     O Presidente Mitterand não caiu. Foi reeleito Presidente da França. A Guerra não veio. Bagarre não estourou. Os maus continuam por aí, e os tefepistas (os de base) continuam  de jaquetinha, comendo sanduíches de queijo com marmelada, em barzinhos de Higienópolis. Os dirigentes, os "Provectos", esses, continuaram a ir, como sempre foram, a restaurantes de luxo.
     Ninguém se angelizou.
     O imortal Dr.  P. C. de Oliveira morreu. Bagarre não veio, Reino de Maria não chegou.
     E agora Plínio?
     A grande habilidade de Dr. Plínio consistia em, após cada fracasso de suas "profecias", conseguir fazer que se esquecesse o seu fiasco, passando a platéia para uma nova e delirante expectativa de uma nova profecia.
     Sempre se renovava a ansiedade da espera.
     A Bagarre funcionava como a cenoura colocada à frente do cavalo que puxa a carroça: a esperança de alcançar, um dia, a cenoura prometida o faz caminhar sempre para a frente. Um dia a cenoura chegará.
     Duvidar de alcançar a cenoura seria duvidar da vida e do movimento. Duvidar da Bagarre ou do Reino de Maria seria eqüivalente a apostatar da Fé católica.
     
"A Bagarre ainda não chegou, é verdade". "Mas vai chegar, prometem eles, irados, e então o Mutuca vai ver".

     Mutuca era o apelido que os tefepistas me puseram, porque sou baixinho, e mutuca é mosquito pequeno cuja picada produz muita coceira. Mas é apenas um miserável mosquito.
     A Bagarre seria o grande inseticida que liqüidaria o miserável Mutuca. "Aquele fassur. Aquele "fumaça preta". A "inimica vis!".
     O "imortal" Dr. P. C. de Oliveira morreu. Bagarre não veio. A TFP rachou. Mutuca continua vivo. Vivo e voando... Zumbindo e mordendo.
     Divididos, hoje, eles mutuamente se coçam.
     Claro que cada um desses quatro pontos acima mencionados (Grande Êxodo, Bagarre, Glorificação do Sr. Dr. P. C. de Oliveira, Reino de Maria), mereceria uma explicação maior. E bem divertida.
     Falar-lhe-ei só de alguns deles, e procurarei ser sucinto. Mas ainda que for prolixo, garanto-lhe que será divertido.
     Em primeiro lugar, a causa da Bagarre.
     Causa de um imenso e jamais igualado castigo de Nossa Senhora sobre a humanidade seria a grande apostasia, especialmente do clero, que teria reduzido a Igreja a uma "estrutura". Já não existiria sequer um Bispo fiel. E quando me afastei deles, perguntavam-me desafiadoramente:

"Vai me dizer que Dom Mayer é fiel? Vai me dizer que Dom Espiridon (um Bispo melquita) é fiel? Ora faça-me o favor!!!".

     Nessa mentalidade esperançosa de uma catástrofe, qualquer fenômeno pouco comum era "sinal da Bagarre": uma inundação no Paquistão ou na Índia -- coisa comuníssima naquelas paragens -- um terremoto no Japão, um furacão nos Estados Unidos, uma aurora boreal no Canadá, eram anunciados como sinais precursores da Bagarre!
     O discípulo preferido de Dr. Plínio contava no Jour le Jour [o Dia a Dia, o Diário de Dr. Plínio] reuniões que ele dava para fanatizar os jovens da TFP no culto a Dr. Plínio que,  indo o "Profeta" pela estrada velha de Santos-- [a antiga Estrada do Mar]--,  comentava ele que tudo mudara muito na paisagem. Criticava a represa em que apareciam umas varas espetadas, "represa horrorosa". Os restaurantes que havia, que estavam abandonados. Que havia neblina. "E de tudo isso eu tirei uma conclusão da proximidade da Bagarre. Tudo dá errado" (14 - 02 - 1983).
     É de uma lógica única: varas aparecendo na represa, restaurantes fechados, neblina: só pode ser a Bagarre que está chegando.
     
Outro sinal da Bagarre, segundo Dr. Plínio, foi o filme ET. O ET que ele considerou que era -- afinal!!! -- um adversário digno e à altura dele, Profeta de Nossa Senhora.
     Ele previu que, na Bagarre, haveria um ET, isto é um diabinho, em cada esquina.
     Se com fatos tão ridículos ele era levado a crer na chegada da Bagarre, imagine-se quando o fato era um pouco mais insólito e "assustador"!
     L
embro-me bem quando noticiaram, na TFP, que aparecera um imenso buraco, na Flórida. Buraco que crescia e engolia muros e casas ao redor dele.
     Era um mero desabamento de terra. No máximo uma ligeira acomodação de terreno. Mas esse desabamento de terra foi apresentado como o início da Bagarre. Era como se o buraco da Flórida fosse crescer indefinidamente, engolindo Miami, Coral Gables, Orlando -- não o Fedeli, mas o da Flórida, o da Disney World -- Washington, New York, a Califórnia, os States, a América do Norte, o Mundo!!!...
     Era o mundo engolindo a si mesmo. Era o fim! A Bagarre!
     A cada notícia que o buraco da Flórida crescia, a torcida prorrompia em brados entusiastas: "Tradição !!! Família !!! Propriedade !!! (três vezes e furiosamente) . "Bagarre !!! Vitória !!! ( Três vezes e furiosamente). E o total de brados terminando, se recomeçava  tudo de novo ( três vezes e furiosamente ). Tudo era, enfim, coroado por estrondosa salva de palmas. E aí, então se recomeçava: "Pelo Sr. Dr. Plínio !!! Tradição, Família, Propriedade !!! Tudo de novo. Sempre furiosamente. Sempre com brados. Sempre com palmas.
     E ai de quem não demonstrasse entusiasmo e fúria... Ai dele.
     E
ra condenado ao inferno do "gelo pliniano".     
     Passei por essas temperaturas.     
     Essa expectativa apocalíptica de um grande castigo é comum em grupos religiosos minoritários. 
     É natural que um grupo religioso minoritário, perseguido, se feche sobre si mesmo, passando a viver num verdadeiro gueto. Esse isolamento faz com que as idéias e as reações emotivas repercutam dentro desse ambiente fechado, e se influenciem mutuamente. O isolamento do grupo não permite confrontar as conclusões e as idéias geradas no gueto com nenhum parâmetro externo. Nessas circunstâncias, perde-se facilmente o pé da realidade e se começa a delirar, a ver miragens, a tomar as elocubrações internas do grupo como a verdade absoluta. Os fantasmas dos pesadelos e as miragens do sonho se projetam numa realidade imaginada.
     Deseja-se a libertação do gueto e a vitória. Ambas passam a ser esperadas por meio de uma intervenção sobrenatural. Anseia-se pelo castigo dos inimigos e pela instauração do modo de vida do gueto em toda a parte e para todo o mundo. Quando o mundo se tornar como o gueto, dar-se-á o triunfo da Causa. Passa-se a viver numa expectativa escatológica e apocalíptica: a de universalizar o gueto: a de "enjaquetar" a humanidade e o mundo. Todo o mundo usando a jaquetinha da TFP. Todos gritando unânimes Tradição! Família! Propriedade! Sempre furiosamente.
     Foi o que se deu na TFP. É o que acontece em qualquer grupo religioso isolado.
     O Sr. deve conhecer que os hereges Fraticcelli esperavam, eles também, um castigo de Deus, que destruiria a Roma das riquezas, ou a Avinhão corrupta, e que mataria até mesmo muitos da Ordem de São Francisco, por terem sido infiéis àquele grande santo.
     E os adventistas não estão esperando o segundo advento desde 1844, tendo marcado várias datas para a vinda de Cristo?  Na Marginal do Rio Tietê, em São Paulo, há outdoors anunciando que Cristo vem aí. Se Ele está demorando deve ser pelo eterno engarrafamento do trânsito nas marginais...
     Os Testemunhas de Jeová também já marcaram o "fim dos tempos" várias vezes. E, certa vez, ouvi dois testemunhas de Jeová conversando sobre a "chuva de pedras que cairia sobre os incrédulos, no fim dos tempos. E um deles dizia: "Não vai adiantar nem guarda chuva de lata!".
     Um tefepista não diria diferente. Por que tem a mesma mentalidade catastrófica.
     Veja o Sr, Dr. Ivan , esta citação interessante: 

"No espaço de dez ou doze anos, vimos e ouvimos tais ventos e tais rugidos que achamos difícil acreditar que dantes uma época tenha ouvido ventos tão grandes e tão numerosos, pois nosso tempo vê o sol e a lua perderem o seu brilho, as estrelas caírem, e os homens ficarem angustiados, os grandes ventos e as águas rugirem. Tudo se acumula".

     Qualquer tefepista sincero reconhecerá, nesse parágrafo, o estilo de Dr. Plínio. Pois não é um texto de Dr. Plínio, profetizando em Higienópolis. Parece que é, e parece muito com o estilo dele, mas não é.
     É de Lutero, o profeta de Wittenberg.(Cfr. Gilles Lapouge, "Pecado e Culpa no ocidente", artigo no Suplemento Dominical de O Estado de São Paulo, n.o 196, ano III, 11 de março de 1984, 3a coluna).
     Para a mentalidade tefepista, como é comum nas mentalidades sectárias, as causas segundas praticamente não existem. Tudo o que acontecia era ação direta de Deus ou do demônio. Um computador não funciona? É o demônio que está metendo o rabo. Joga-se água benta nele.
     Um pneu do carro fura numa viagem? É o chifre do diabo se intrometendo para impedir o progresso da Causa de Nossa Senhora.
     Uma conferência de Dr. Plínio não produziu entusiasmo? Foram os eflúvios emitidos pela "inimica vis", pelos "fumaças pretas" [os fedelianos].
     É claro que Deus e o demônio podem agir na História. O que é errado é o exagero que a TFP faz dessas intervenções possíveis, mas extraordinárias, tendo-as como praticamente constantes, diretas, atuando em tudo o que acontece. Em concreto, isso provoca a formação de uma mentalidade dualista.
     E o Romantismo é dualista.
     Com todos esse traços da mentalidade romântica, que sua mãe, Dona Lucília, lhe inculcara (Cfr João Scognamiglio Clá Dias, Dona Lucília, edição da TFP, São Paulo, 1995, 3 volumes enormes e luxuosos, escritos para difundir o culto a Dona Lucília na TFP), seria quase impossível que ele, Dr. Plínio, ficasse imune aos erros ensinados nas Visões cabalistas, esotéricas e românticas de Anna Katharina Emmerick, redigidas pelo cabalista e gnóstico Clemens Brentano, Visões que tanto influíram em Dr. Plínio e na TFP.

[Para confirmar o que disse, acima, vejo-me, infelizmente, obrigado a citar minha própria tese de Doutorado, na USP: "Traços Esotéricos e Cabalísticos nas Visões de Anna Katharina Emmerick", onde o Sr. poderá encontrar abundante documentação sobre esse tema].
     
      Ora, os românticos alemães falavam de uma futura época de esplendor em que o homem, reconduzido à unidade e perfeição primevas, viveria numa terra paradisíaca, cheia de paz, felicidade e amor, todos os homens reconciliados, num ecumenismo dialético.
Lia-se Novalis.
     O então Vice Presidente da TFP, leu e gostou, marcando o livro de Novalis -- Die Christenheit oder Europa, A Cristandade ou a Europa, com entusiasmados sinais de exclamação em sua margens...
     Lia-se o pai do Romantismo, o cabalista Jacob Boehme, que fala da futura era de felicidade que viria sobre o mundo, e que ele chamava "O Tempo dos Lírios", Lilienzeit.
     Lia-se o maçon, iluminado e martinista Joseph de Maistre, o patriarca do tradicionalismo dito católico. Joseph de Maistre era admiradíssimo por Dr. Plínio e pela TFP. De Maistre, cita o "Tempo dos Lírios", no prefácio da segunda edição de seu Du Pape, obra cheia de erros capitais, e que, apesar disso, continua a ser tida como ortodoxa e de autoridade pelos tradicionalistas daqui e da Europa...
     Depois de analisar a gestação de uma mentalidade religiosamente romântica, num gueto, vejamos o que se dizia na TFP, primeiro sobre o futuro e iminente castigo do mundo -- a Bagarre -- e, a seguir, de como seria o  mundo posterior à Bagarre, com a instauração por Dr. Plínio do que ele chamava o Reino de Maria.

A "Bagarre"

     Por Bagarre, como dissemos, entendia-se, na TFP, o castigo anunciado no segundo e terceiro segredos de Nossa Senhora de Fátima. O termo é francês, e significa luta, tumulto, briga, confusão.
     Que Nossa Senhora profetizou o castigo da Segunda Guerra Mundial e a difusão dos erros da Rússia pelo mundo, no segundo segredo que Ela revelou às crianças de Fátima, em 1917, é um fato inegável e já realizado.
     Que ela profetizou um castigo terrível para a Igreja, castigo em que um Papa será fuzilado, junto com Cardeais, Bispos, Padres e povo, sendo todos massacrados, conforme a visão que Nossa Senhora fez ver aos pastorezinhos de Fátima em seu Terceiro segredo, visão publicada pelo próprio Vaticano, há pouco tempo atrás, também é verdade (tratei disso num artigo do site Montfort intitulado "O terceiro Segredo de Fátima", onde mostrei que o Vaticano só publicou a visão do Terceiro Segredo, e não a explicação dada por Nossa Senhora a Lúcia e a Jacinta, com ordem de contarem tudo ao Francisco, que só via, mas não ouvia o que Nossa Senhora dizia).
     Mas daí deduzir que morrerá a maior parte da população da terra é um passo bem exagerado.
     Dr. Plínio imaginava que a humanidade iria "piorando cada vez mais", até o ponto em que Deus daria um "ultimatum" à humanidade.
     Os que recusassem esse ultimatum teriam os seus corpos transformados, animalizados, ficando semelhantes a aranhas, baleias ou macacos, enquanto "os bons vão se alcandorando, se purificando, vão ficando mais belos exteriormente" (12 de Junho de 1983).
     Portanto, imaginava Dr. Plínio -- e o que ele imaginava era verdade de fé na TFP -- que, na Bagarre, haveria uma mudança na própria natureza humana. O que evidentemente é um absurdo contra fé.
     Além de "alcandorados, purificados" além de ficarem mais bonitinhos, os membros da  TFP seriam angelizados.

"Nossa vocação é de ser angelizados"

     Quem afirmou essa estapafúrdia tese de Dr. Plínio foi aquele que ele chamava de seu "condestável", Átila Sinke Guimarães, especialista em Victor Hugo e Alexandre Dumas, e em adulterar o texto de minhas cartas. Foi Átila quem colocou esse delírio sobre a angelização dos tefepistas, numa apostila da TFP intitulada O Processo Humano, na qual se exporia parte do MNF [secretíssimo conjunto de conferências acessível apenas aos iniciados nos arcanos do Profeta de Higienópolis]. Por exemplo, em "O Processo Humano" Átila resume a Teoria das Duas Cabeças do Homem, uma dos abstrusos arcanos de P. C. de Oliveira no MNF.
     Imagine-se a monstruosidade, ou o delírio dessa teoria.
     Portanto, na Bagarre os maus seriam animalizados e os bons -- leia-se, os tefepistas -- seriam alcandorados, purificados, embelezados, angelizados...
     Não é lindo? Não é delirante?
     E Dr. Plínio, a pedidos, descrevia a Bagarre: chuvas de dejetos nojentos, anjos ceifando multidões, sangue por toda a parte, fogo que cai do céu, gritos de horror e de desespero, mais sangue, os anjos precipitando os maus no inferno, depois de tê-los estraçalhado... E os bons -- leia-se, os tefepistas -- se alcandorando, esvoaçando lindos, embelezados, angelizados... assistindo de camarote a Bagarre (22 de Janeiro de 1983).
     E Dr. Plínio, onde ficaria ele durante a Bagarre? Havia várias hipóteses, que, na TFP, significavam sempre teses absolutas.   
     Uma delas é que Dr. Plínio seria levado, primeiro para a "Gruta do Cornélio", onde "ele passaria os seus póstumos dias [SIC !!!] estudando o Cornélio a Lapide. Mas, no auge da Bagarre, Dr. Plínio seria levado, por meio de um carro de fogo, para um lugar inacessível, no Tibet, para a  Montanha dos Profetas -- Prophetenberg -- de que fala Anna Katharina Emmerick, em suas cabalísticas Visões e Revelações.
     E o discípulo predileto de Dr. Plínio afirmava que iria junto com o profeta, agarrando-se numa roda do tal carro de fogo...
     Esse delírio, o da existência da Montanha dos Profetas, foi exposto até em livro que Átila Sink Guimarães escreveu contra mim. É um livro cuja leitura recomendo com toda a alma e de todo o coração.
     O título do livro escrito pela TFP, por Átila, sob orientação de Dr. Plínio, contra mim, se intitula Refutação a uma Investida Frustra, da Editora Art Press, São Paulo.
     É um livro "interessantíssimo", embora chatíssimo. Átila tem um estilo elegante e pesado como bibelot de subúrbio.
     O livro é "interessantíssimo", porque nele Átila "prova" que Dr. Plínio é profeta, que é inerrante, e levanta a "hipótese" que Dr. Plínio seria imortal, e que seria levado para a Montanha dos Profetas, onde já estariam Henoch e Santo Elias. O Primeiro, Henoch, representando os homens anteriores a Noé. Santo Elias, representando o Antigo Testamento.  E Dr. Plínio -- claro !!! -- representando os santos do Novo Testamento. Tudo isso está lá, no livro em que Átila esmagou o Fedeli, o Mutuca.
     Recomendo muito a leitura desse livro, no qual as teorias mais descabeladas da TFP estão registradas. Nelas também estão os textos - adulterados - de minhas cartas.
     Só que a tal Montanha dos Profetas -- os próprios livros de Katharina Emmerick o dizem -- era a Montanha Albors da gnose persa, O Monte Kuen Loon da Gnose chinesa, o Mont Salvat da lenda gnóstica do Graal, o Monte Ségur dos Cátaros. (Cfr  Clemens Brentano Anna Katharina Emmerick Das Leben  der Heilige Jungfrau Maria, Paul Pattloch, Aschafenburg,  1980, pp. 78-79 e  cfr. ainda os livros sobre a Gnose shiita de Henry Corbin).
     Pobre Átila.
     Ainda há poucos anos, em polêmica de um aluno meu com o dirigente do site Lepanto da TFP, o Sr. Viotti, este disse que se eu quisesse queixar-me pela falsificação dos textos de minhas cartas, que reclamasse com Átila, que já não era da TFP.

A Glorificação do Sr. Dr. Plínio

     Finda a Bagarre dar-se-ia "a Glorificação do Sr. Dr. Plínio". E que significa aí glorificação?
     O termo glorificação é ambíguo: ele pode significar o reconhecimento da glória dele, ou a transformação do corpo dele em corpo glorioso.
     Dizia-se na TFP -- e quando lá se dizia qualquer coisa é porque Dr. Plínio a havia dito -- que como Dr. Plínio era imortal, ele seria glorificado em vida. Dona Lucília iria ressuscitar, mas Dr. Plínio seria diretamente glorificado.
     Dizia-se ainda que, após a Bagarre, seria instaurado o Reino de Maria. Cristo e a Virgem Maria viriam à terra para essa instauração. É evidentemente uma crença contrária à Fé, pois a Igreja ensina que Cristo virá apenas no fim do mundo para o Juízo final.
     Haveria então um cortejo de triunfo, com os eremitas da TFP -- que agora já não são mais dela, mas formaram uma banda -- à frente cantando o hino Lève Toi, no qual se afirma que os dois poderes, a Igreja e o Estado, na pessoa de um Papa santo e do grande Monarca do qual falam as profecias dolcinianas e joaquimitas, se prostrarão diante de Dr. Plínio, "lèchant la terre" = lambendo o chão --, proclamarão Dr. Plínio como o grande vencedor da guerra, na defesa da Igreja.
     Então, o próprio Jesus Cristo proclamará Dr. Plínio como Profeta e Fundador do Reino de Maria, sendo apoiado pela Virgem Maria. 
     Durante a cerimônia, o Papa e o Grande Monarca ficarão assistindo...
     Poder-se-ia perguntar que autoridade restaria ao Papa depois que Cristo proclamasse um homem como o Profeta do Reino de Maria. Evidentemente, se essa loucura ocorresse, o papado passaria a ser desnecessário, pois o próprio Cristo teria instituído uma autoridade de caráter místico acima do poder institucional, jurídico de Pedro. O que é evidentissimamente herético.
     Várias vezes ouvi Dr. Plínio afirmar que o poder que ele e a TFP teriam no futuro, seria um poder de influência, e não jurídico. Ele comparava esse poder "profético" àquele que tinham os profetas do Antigo Testamento, os quais, embora sem nenhuma autoridade jurídica, eram acatados pelos Reis de Israel e pelos Sumos Sacerdotes. Essa doutrina espúria foi defendida, no século XIX, pelo gnóstico russo Soloviev.
     Dispenso-me de lhe contar outras loucuras sobre a presença dos anjos nesse cortejo de instauração do Reino de Maria.

O Reino de Maria segundo Dr. Plínio

     Dr. Plínio comparava a instauração do Reino de Maria à descoberta da América por Colombo e dizia que o homem que instaurasse esse reino -- ele mesmo -- seria maior do que Colombo. A América era um continente como os demais. Mas o Reino de Maria consistiria em fazer descer, para o globo terrestre, um novo continente que não existia aqui, uma espécie de "jardim celestial".

"Esse [homem] que trouxe para a terra um continente novo, esse que trouxe para a terra um jardim, que será o jardim de Maria, não terá feito muito mais do que o que descobriu a América? "(19-2- 1983).

     Portanto, para Dr. Plínio, o Reino de Maria, embora se estendesse sobre toda a terra, realizar-se-ia de modo particular em um continente novo, que desceria não se sabe bem de onde, e que seria como um "jardim celestial", o "jardim de Maria".
     É claro que essa expressão "jardim celestial" faz alusão ao éden, do qual o homem foi expulso.
     Portanto esse "jardim celestial" núcleo do Reino de Maria, no fundo, seria um retorno ao Paraíso terrestre. Haveria então, em futuro próximo e iminente, uma redenção da natureza, da qual tanto se fala nos textos gnósticos e nos textos românticos.
     Na Gnose shiita se fala de uma terra perfeita -- a terra de Hurqalia -- imune de todo o mal. (Cfr. Henry Corbin, Corps Spirituel et Terre Céleste. De l "Iran Mazdéen à l "Iran Shiite,  Buchet et Chastel, Paris, 1979, pp. 20=24 43-50- 98-100- 123-128; Cfr. Henry Corbin, "En Islam Iranién", Gallimard, Paris, 1971, 4 vol., II vol.,  pp.  154-182-189-225-226-284; Vol. IV, pp. 378-379- 430).
     Nessa terra de Hurqalia é que estaria situada a Montanha Albors, a Montanha dos Profetas de Anna Katharina Emmerick-- o Sinai místico -- na qual Dr. Plínio acreditava, e na qual ele pensava que iria ser levado para se encontrar com Santo Elias e Henoch, que lá estavam.
     Certamente, Dr. Plínio jamais leu Henry Corbin. E como teria tido uma concepção da Montanha dos profetas e do "jardim celestial" tão parecida como a da gnose shiita?
     Primeiro, porque todas as Gnoses se parecem, pois tendo os mesmos princípios antimetafísicos, deduzem deles conseqüências semelhantes.
     Segundo, porque nas chamadas Visões de Anna Katharina Emmerick, Brentano, que as redigiu, colocou o que tinha lido nos textos gnósticos de que era freqüentador. De Katharina Emmerick, essas elocubrações delirantes passaram para a mente romântica de Dr. Plínio, e deste, para a TFP.
     Esse "Jardim celestial" do reino de Maria lembra a "Terra Ocidental do Budismo, e o Shangri-Là de James Hilton. Ou ainda a Terra onde está o castelo do rei Artur e do Graal.
     Quase não há Gnose que não imagine o seu "jardim celestial". A TFP não escapou dessa regra a que leva o ódio da realidade tal como Deus a fez e tal como ela se tornou, depois do pecado original.     
     No Reino de Maria, segundo Dr. Plínio, haveria uma transformação da natureza.
     E como se dará essa mudança da natureza?
     Dr. Plínio hesitava nesse ponto. Ora dava a entender que a transformação seria súbita, ora que seria lenta.

"E que a glória de Nossa Senhora creio que se revelará gradualmente, quando o espírito dEla começara brilhar, e começar a aparecer.
Agora, na natureza renovada e com o espírito dEla brilhando de um modo extraordinário, e com um conjunto de circunstâncias incomparáveis" (22 de Janeiro de 1983. O negrito é meu).

     Que ele esperava uma mudança da natureza, no Reino de Maria, fica patente também neste outro texto dele, exposto por seu discípulo perfeito, no Jour le Jour:

"Aqui, nós temos um dado a mais sobre o que seria o Reino de Maria. O tipo de beleza do "verum, bonum, pulchrum" que seria tão claro aos olhos que a gente diria que ele borbulha à maneira de evidência. Não será  a inteira evidência, é claro, mas se diria como quê. Um "bonum" que é tal, que se diria que é irrecusável. Um "pulchrum" que é tal que se diria que jorrado interior de todas as coisas" (20 de Fevereiro de 1983).

     Ora, uma transformação do verum, do bonum, e do  pulchrum, uma transformação dos transcendentais do ser, só pode se dar com uma mudança metafísica, com uma mudança ontológica. O Reino de Maria seria então eqüivalente a uma nova criação, a uma redenção da natureza , como diziam os românticos.
     Isso é contra a doutrina católica.
     Por isso, qualquer católico, que conheça um mínimo de doutrina, tem que rejeitar essa concepção anticatólica de Reino de Maria da TFP.     
     Respondendo, então, a uma de suas perguntas, é claro que não aceito, e rejeito, a idéia de Reino de Maria pregada pela TFP. Essa foi uma das razões que me fizeram sair dela, e delatá-la.
     
Conseqüentemente a essa mudança metafísica, haveria mudanças em várias coisas. Cito-lhe algumas, ridículas, que evidenciavam apenas o wishfull thinking do Profeta de Higienópolis. Por exemplo, segundo ele, o café perderia a cafeína, e o chocolate deixaria de existir, porque é uma "bebida intemperante". Como se a intemperança estivesse no chocolate, e não no homem que o toma, ou come, sem equilíbrio, com gula.
     Discutia-se na TFP, se a eletricidade desapareceria, o que revela o grau de delírio que lá existia. E se se discutia isso, é porque Dr. Plínio não dera a sua sentença, nesse caso.
     A floresta amazônica seria transformada em floresta temperada, numa belíssima Schwartzwald ainda que na zona equatorial. E como se faria isso? 
     Simplesmente, por meio de um cortejo dos eremitas da TFP que, percorrendo a Amazônia, à medida que nela caminhassem, morreriam serpentes, mutucas e lagartos, cairiam os espinhos, e os pântanos perderiam os seus miasmas. "Ciao", dengue!
     O Rio de Janeiro também teria transformado o seu clima. Lá cairia neve, porque Dr. Plínio achava que os morros cariocas ficariam muito bonitos com neve sobre eles. E, para agradar Dr. Plínio, é claro que Nossa Senhora atenderia esse seu desejo.
     Adeus calor de Bangu!
     E a água Perrier, que Dr. Plínio tanto apreciava? Como ficaria a água Perrier, no Reino de Maria? A Perrier que, depois de Mitterand, já não era mais aquela?

"A perrier, depois da Bagarre, vai virar um colosso". (19 de Janeiro de 1983).

     A TFP, no Reino de Maria, teria um pequeno feudo independente, e nele haveria, evidentemente, um castelo. [Um castelo, a TFP já o comprou, na França. Graças às técnicas muito naturais do mailing, ela adquiriu, ainda antes da instalação do Reino de Maria, o castelo do Jaglu, na Normandia, onde a TFP francesa se instalou, enquanto aguarda a sempre futura instalação do Reino de Senhora... Afinal, estava-se cansado de esperar a Bagarre!
     Porque é melhor ter um castelo verdadeiro na Normandia, do que ficar esperando por um castelo de sonho, no Reino de Nossa Senhora. 
     No Reino de Maria haveria, é claro, dinheiro. Que fazer! O vil metal é tão necessário!
     Para exorcizá-lo, porém, as moedas -- de ouro, é claro ! -- teriam a efígie de Dr. Plínio ou de Dona Lucília. Pois não está escrito no Evangelho que se deve dar a César o que é de César? Por que, então, não dar a Plínio, o que é de Plínio. E se "ao vencedor as batatas", porque não, ao Fundador do Reino de Maria, as moedas?
     E as Catedrais do Reino de Maria, como seriam?
     Evidentemente góticas, mas com vitrais de pedras preciosas  -- Dr. Plínio gostava muito de pedras preciosas -- e as portas seriam de ouro maciço, claro!     
     E como já lhe disse, haveria uma Catedral para o guante esquerdo de Roland, porque o direito está no céu, levado pelo próprio São Miguel, a quem Roland o entregou, antes de morrer em Roncesvalles. E lá no céu, ele deve estar guardado numa vitrine esplêndida com cristais e entalhes de madeira dourados . Como nos salões barrocos de Schoenbrun...
     Pois se os maometanos crêem que há um Corão sublime, guardado lá no céu, sobre uma mesa de mármore -- uma edição celestial do Corão -- porque não poderia haver uma vitrine rococó para o guante de Roland, para ser mostrado pelos anjos, para os bem aventurados, quando percorressem, em visita, os barrocos salões do paraíso?  Seria muito educativo para as crianças.
     Contou ainda o discípulo perfeito de Dr. Oliveira:

"Outro dia, saindo do Auditório de São Miguel, comentando Roland ele disse: "Que bom seria termos uma luva de Roland. Ele deu a direita para São Miguel, mas se nós pudéssemos ter a esquerda. Eu seria capaz de fazer uma catedral no Reino de Maria, para ela" (Janeiro de 1983).

     Mas o mais sensacional seriam as ruas do Reino de Maria. Porque haveria ruas nesse Reino. Com semáforos paulistanos, isto é, semáforos da transesfera. Semáforos ab aeternis.
     Que fazer? As multidões precisam de ruas. De ruas e de semáforos. Mas, se os semáforos seriam da Transesfera, as ruas, elas, seriam de porcelana!!! 
     Lindas, não? Já se imaginou quantas pernas se quebrariam nos escorregões nessas ruas de porcelana? Um sonho! Um delírio! uma loucura!
     Como em toda seita gnóstica e romântica, a reprodução humana, tal como Deus a estabeleceu, era condenada. Para Anna Katharina Emmerick a reprodução sexual era algo vergonhoso e lamentável. Ela contava que, sempre que via uma noiva, ela chorava. E conta que repreendeu a Deus, dizendo-lhe que Ele bem que poderia ter estabelecido a reprodução de modo menos vil.     
     Ela faz entender, bastante claramente, que o pecado original de Adão e Eva consistiu também num ato sexual.
     E ela firmava que, antes do pecado, a reprodução humana seria, não por meio sexual, mas por meio da palavra humana.
     Dr. Plínio se disse encantado com essa idéia. E essa idéia é gnóstica.
     Por isso, ele considerava que, após a Bagarre, no Reino de Maria, a reprodução humana seria pela palavra e não pelo sexo.
     Última heresia, e não menor, era a insinuada por Dr. Plínio de que, no Reino de Maria, Jesus Cristo viria à terra para conviver com os bons -- leia-se, com os tefepistas.
     Contou o seu discípulo perfeito: 

"Ele [Dr. Plínio] continuou: 

"Se os homens fossem inteiramente fiéis nessa linha do Reino de Maria, do que virá no Reino de Maria, se houvesse uma fidelidade inteira, e, portanto, não havendo nenhum desvio, eles seriam tais que, em determinado momento, Nosso Senhor Jesus Cristo mandaria Henoch e Elias conviverem com eles. E que, em determinado momento, para premiar essa fidelidade, o mundo terminaria com uma glorificação da humanidade, vindo pessoalmente Nosso Senhor Jesus Cristo. Que aí, então, para glorificar a este ponto terminal, ele escorraçaria os demônios, etc. etc. e seria o juízo final.

Ele disse que não vai ser  assim, vai ser como nós sabemos. Mas, acho que o convívio -- eu levanto a hipótese -- dos últimos que forem fiéis no fim do   mundo, vai ser [ um convívio] tão elevado, tão excelente, tão magnífico, que, independentemente de Henoch e Elias virem para punir os maus, viriam para visitar aqueles bons. E que a sociedade daqueles bons realizaria em si esplendidamente alguma coisa que anteriormente não foi realizada". "Ele disse: "É uma hipótese que me é grato imaginar. Até que ponto ela tem fundamento ? Creio que nem estudando o Cornélio -- [Cornélio a Lapide] -- em meus póstumos dias [SIC !!!] eu chegaria a desvendar. Mas é uma hipótese" (20 de Fevereiro de 1983. Os negritos, o sublinhado e as palavras entre colchetes são de minha responsabilidade).

     Que confusão e que vai e vem. 
     Primeiro Dr. Plínio aventa a possibilidade que Cristo venha à terra conviver com os "bons", que sabemos quem são. Depois, diz que não será assim. A seguir, diz que Elias e Henoch podem muito bem vir conviver com os tefepistas. Diz que é duvidosa a sua "hipótese". Mas termina afirmando: "Mas é uma hipótese".
     O que significa: pode muito bem acontecer que Cristo venha à terra conviver com os "bons" no Reino de Maria. E isto é herético.

*****

     Meu caro Dr. Ivan, eis aí, resumidamente, o que a TFP acreditava naqueles tempos em que o "imortal" estava vivo. E muito vivo. 
     O Senhor compreende muito bem que eu não acreditei em nada disso, e que não acredito no Reino de Maria tefepista.
     Creio, sim, num triunfo de Nossa Senhora na crise atual da Igreja. Mas a expressão "Reino", por suas conotações milenaristas, julgo perigosa e inconveniente, quando não errada.
     Evitemo-la.

In Corde Jesu, semper, 
Orlando Fedeli

Prezado Dr Ivan,
salve Maria!