RCC

RCC na visão de um antropólogo: "Bailando com o Senhor: técnicas corporais de culto e louvor"
PERGUNTA
Nome:
Sandro Pelegrineti de Pontes
Enviada em:
15/01/2008
Local:
Andradas - MG, Brasil
Religião:
Católica
Idade:
30 anos
Escolaridade:
Superior concluído
Profissão:
Secretario


Esta é muito boa mesmo: Raymundo Heraldo Maués, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Pará publicou trabalho baseado no comportamento de membros da renovação carismática.
 
Ele compara as práticas destes novos “católicos” com o xamanismo (isso mesmo) e com “igrejas” afro-brasileiras. O título do trabalho é muito sugestivo: ""Bailando com o Senhor: técnicas corporais de culto e louvor(o êxtase e o transe como técnicas corporais)”.
Este trabalho é muito extenso, mas acho que vale a pena ser lido. Quem não tiver tempo, deve, creio eu, pelo menos “passar os olhos”. Em um resumo deste trabalho feito pelo próprio autor, nós lemos as seguintes palavras:
 
“(...) A utilização do corpo como instrumento de culto e louvor, em técnicas de cura ou de outros tipos, por católicos carismáticos, que tem despertado tanta atenção, também por sua exibição na mídia (através da atuação de ministros como o padre Marcelo Rossi, no Brasil), permite uma reflexão e um estudo comparativo com outras formas de culto, entre as quais aquelas com características xamânicas, como a pajelança rural amazônica (não indígena) e as religiões afro-brasileiras. Partindo da noção de técnicas corporais, formulada por Marcel Mauss, e lidando com conceitos de autores como Merleau Ponty, Pierre Bourdieu e Thomas Csordas, o artigo analisa parte do material empírico coletado pelo autor em sua pesquisa de campo, que tem como locus a cidade de Belém e a região do Salgado, na Amazônia Oriental brasileira”.
 
Este trabalho também conta com testemunhos incríveis. Em um deles uma mulher diz:
 
“(...) Quando me ergui para a Comunhão [diz madre Joana, num outro trecho de seu depoimento] o diabo tomou posse da minha mão, e quando eu recebera a Sagrada Hóstia e já a umedecera um pouco, o diabo jogou-a no rosto do padre. Sei muito bem que não agi assim livremente, mas tenho certeza que estava completamente confusa por permitir que o diabo fizesse isso. (Sargant, 1975, p. 71 apud Oesterreich, 1930, p. 49-50)”.
 
E existem muitas outras coisas parecidas com esta. O trabalho completo que envio abaixo está no seguinte endereço:
 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012003000100001
 
Um abraço a todos,
 
Sandro Pelegrineti de Pontes
 

Revista de Antropologia
Print ISSN 0034-7701
Rev. Antropol. vol.46 no.1 São Paulo  2003
doi: 10.1590/S0034-77012003000100001 
ARTIGOS
""Bailando com o Senhor"": técnicas corporais de culto e louvor (o êxtase e o transe como técnicas corporais)1
 
Raymundo Heraldo Maués
Professor do Departamento de Antropologia - Universidade Federal do Pará
 
Por sua exposição na mídia, provavelmente o que mais se conhece, atualmente, da Renovação Carismática Católica (RCC), no Brasil, são as missas e os cânticos do carismático padre Marcelo Rossi. Sua imagem é difundida pela TV e por várias fitas de vídeo que circulam e são avidamente disputadas pelos fiéis. Suas canções religiosas são tocadas nas rádios, reproduzidas em muitos CDs, cantadas em residências e igrejas e até mesmo em bares durante a madrugada em que, de repente, boêmios com copos de cerveja na mão são tomados de inusitado entusiasmo religioso, na cidade de Belém.2 E, nas reuniões da RCC, nas igrejas e em outros locais, essas canções fazem muito sucesso, permitindo que, com elas, fiéis cantem e dancem animadamente, enquanto oram e louvam o Senhor. Nessas ocasiões, muitas posturas e/ou técnicas corporais são empregadas pelos fiéis, freqüentemente imitando os gestos que o próprio padre Marcelo Rossi ensina em suas movimentadas pregações, que lembram os programas de auditório de animadores de rádio (mais antigos) e de TV (atuais). Ao lado disso, há uma indústria de objetos ""sacros"" (mágicos?), que são expostos nas lojas, entre os quais se destaca o chamado ""terço bizantino"" - como recentemente pude constatar junto à Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador (BA) - para ser usado junto ao corpo, ou por ele manipulado, o qual leva a marca desse famoso sacerdote.
Mas não são as danças ensinadas e provocadas pelas canções do padre Marcelo que inspiram o título deste trabalho. Aqui me refiro, mais especificamente, a um episódio que pude observar durante reunião promovida pelo grupo de oração carismático ""Glória a Ti Senhor"", da Paróquia de São Francisco Xavier, em bairro da periferia de Belém (PA). De 3 a 4 de julho de 1999, participei de uma ""Oficina de Dons"" promovida por esse grupo de oração, que se realizou num fim de semana, no auditório de uma escola de primeiro grau no bairro onde se situa a paróquia. A oficina se constituía de pregações realizadas por um jovem, pertencente a outro grupo carismático, especialmente convidado, destinando-se, sobretudo, ao núcleo do ""Glória a Ti Senhor"" e a um pequeno grupo de recém-ingressos. Estes últimos há poucas semanas haviam participado de outra reunião, chamada ""Querigma"", ou ""1o Seminário de Vida no Espírito"", durante a qual os mesmos foram selecionados como pessoas que ou receberam os chamados ""dons do Espírito"" ou demonstraram ser propensas e estar desejosas de recebê-los. Muitas partes da oficina eram especialmente destinadas a esses neófitos e visavam, sobretudo, ensinar-lhes técnicas corporais capazes de propiciar ou facilitar a chamada ""efusão do Espírito"". Chamou-me atenção, sobretudo, a técnica que foi denominada pelo jovem pregador de ""bailar no Espírito"", ensinada na tarde do segundo dia do encontro. Tocando ao violão uma música suave, o mesmo sugeriu que todos, de pé, cada um por si e de olhos fechados, começassem a dançar, ""entregando-se ao Senhor"", até que a maioria dos participantes, inclusive os neófitos, entrou em êxtase e ficou, então, bailando com o Senhor,3 de modo que, em pouco tempo, vários caíram ao solo - o que também se chama de ""repouso no Espírito"".
Este trabalho, que utiliza como material empírico dados que tenho coletado em pesquisa de campo, em grupos de oração de várias paróquias da Grande Belém, desde março de 1997, tem como objetivo realizar um estudo sobre o êxtase, o transe e a possessão como técnicas corporais na RCC, comparando-os com outras manifestações religiosas do mesmo gênero de que tenho conhecimento direto, mais especificamente na pajelança cabocla amazônica, utilizando, também, para análise, alguns elementos presentes na literatura. Ele retoma em parte e propõe-se a ir além do que já escrevi em trabalho anterior (Maués, 2000) sobre técnicas corporais na RCC, pretendendo beneficiar-se de discussões teóricas sobre o corpo, já desenvolvidas por alguns autores, especialmente no campo da Antropologia, que serão citados mais adiante. Tratando, pois, mais especificamente, do êxtase, do transe e da possessão, pretendo também discutir questões relacionadas aos diferentes níveis de consciência/inconsciência no que se costuma considerar estados alterados de consciência de natureza mística ou religiosa, de uma perspectiva antropológica.
A RCC em Belém, que é parte de um movimento de caráter nacional e internacional, não difere de modo significativo em suas estruturas mais amplas, o que ocorre em outros lugares. Ela tem como núcleo básico o grupo de oração, onde há principalmente o recrutamento de seus membros e uma estrutura de coordenação centralizada na arquidiocese, que por sua vez recebe orientações da Secretaria Nacional. Existem também as comunidades carismáticas, que têm uma organização mais fechada, das quais a mais importante é a Comunidade Maíra. Entretanto, é inegável que a RCC de Belém não pode eximir-se das influências da cultura regional amazônica, inclusive no que diz respeito a crenças e rituais locais, não apenas àqueles do catolicismo. Uma das influências poderosas diz respeito à devoção e ao culto a Nossa Senhora de Nazaré, com seu Círio anual, que, em outubro, comove praticamente toda a cidade de Belém. Mas há outras influências, cuja observação só pode ser feita de maneira mais próxima, convivendo mais diretamente com os membros dos grupos de oração. Para isso, durante um ano, de maio de 1999 a maio de 2000, acompanhei as atividades do grupo de oração ""Glória a Ti Senhor"", acima referido, que pertence a uma paróquia da periferia de Belém. Participei das reuniões e atividades que foi possível, inclusive algumas das mais ""fechadas"", como as do núcleo de coordenação, que se realizavam na residência do coordenador. Acompanhei visitas a doentes, participei de festinhas de aniversário, entrevistei seus participantes. Pude perceber os conflitos internos do grupo, os conflitos com o pároco (que favorecia as CEBs e apenas tolerava a RCC), bem como as influências do catolicismo popular e de outras crenças sobre o movimento. Um dos fatos interessantes é que, tanto o coordenador do grupo quanto sua esposa entraram na RCC depois de se afastarem da umbanda. Esse trânsito, aliás, entre cultos afro, mediúnicos, RCC e pentecostalismo é muito fácil de observar na periferia de Belém. Foi nesse grupo de oração, mais particularmente do que em outros, que pude acompanhar manifestações envolvendo estados alterados de consciência, como glossolalia, bailar no Espírito, repouso no Espírito, profecias e visões proféticas.
 
Técnicas corporais na RCC e seu propósito
 
Antes de entrar diretamente no tema deste artigo, pretendo discutir, neste tópico e no seguinte, a noção de técnicas corporais, tal como a utilizo aqui, e fazer uma breve revisão da literatura, incluindo-se aí alguns estudos sobre transe e possessão. Uma discussão especial será feita sobre o trabalho de Marion Aubrée, que realiza comparação entre xangô e pentecostalismo em Recife, e cujas formulações teóricas permitem um diálogo, a meu ver produtivo, com minhas próprias posições (Aubrée, 1996).
Em trabalho anterior (Maués, 2000), utilizei, inicialmente, a conhecida definição de técnicas corporais proposta por Marcel Mauss: ""as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos"". Essa definição pressupõe dada concepção de corpo, que o vê como instrumento: ""O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou mais exatamente, sem falar de instrumento, o primeiro e mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico do homem é seu corpo (sic)""4 (Mauss, 1974, p. 211 e 217). Essa concepção, segundo o mesmo autor, implica considerar técnicas corporais como algo que precede a utilização de instrumentos externos ao corpo próprio dos seres humanos.
Por outro lado, ela está amplamente ancorada numa postura filosófica e ideológica que remonta aos antigos gregos, e que, no fundo, envolve uma inter-relação entre corpo e alma (ou espírito), na qual aquele é o instrumento desta última. A separação mais radical entre as noções de corpo e alma, como entidades distintas, embora já presente no cristianismo desde suas origens, na verdade só acontece, no plano filosófico, a partir de Descartes, tendo se incorporado também à ideologia das sociedades ocidentais. Curiosamente, porém, o cogito cartesiano, que dá uma importância tão fundamental ao pensamento (e logo à alma, ao espírito), também ""liberta"" o corpo, que pode, a partir daí, ser concebido e estudado independentemente da alma (Abbagnano, 2000, p. 211-14).
Colocado pela reflexão cartesiana, no século XVII, esse problema certamente não é independente das transformações sociais que se processavam nas sociedades européias do início da chamada Idade Moderna, e sua solução tem sido buscada desde então por diferentes correntes filosóficas, que têm, por sua vez, exercido influência, desde aí, no pensamento social e nas ciências humanas e sociais nascentes, constituindo, no campo da antropologia cultural e social contemporânea, um importante campo de pesquisa, que interessa, entre outras, especialmente às chamadas antropologias da religião e da saúde (neste caso, envolvendo um amplo espectro, que vai desde os estudos sobre body notions até a chamada ""fenomenologia cultural""). Por outro lado, essa longa evolução do pensamento e da ideologia nas sociedades ocidentais - também dependente de sua relação com as transformações sociais ocorridas por longos séculos - implicou, como nos diz Louis Dumont, a transformação do cristão dos primeiros anos do cristianismo (comparado pelo antropólogo francês ao ""renunciante"" indiano), de ""indivíduo-fora-do-mundo"" para ""indivíduo-no-mundo"" (Dumont, 1985, p. 35 ss.). Nessa mudança, evidentemente, em termos weberianos, ocorreu um forte processo de ""desencantamento do mundo"" e de ""secularização"", no qual as concepções sobre o corpo também mudaram radicalmente e, freqüentemente, em plano individual, o cristianismo se perdeu. Entretanto, em certos nichos, como no pentecostalismo e no carismatismo católico, o corpo - e sua relação com a alma - continua sendo pensado e utilizado como instrumento, de um modo que não difere substancialmente de uma concepção e utilização milenar, o que se expressa, de forma privilegiada, através do êxtase.
A respeito dessa relação entre corpo e alma, existem vários estudos importantes, feitos por historiadores, filósofos e antropólogos, dos quais posso citar, entre outros, os de Brown (1990), Csordas (1994, 1997a), Foucault (1985), Le Goff (1985), Merleau-Ponty (1999) e Rodrigues (1999). O instigante trabalho de Douglas (1996), em um de seus capítulos, oferece interessante discussão sobre ""os dois corpos"" (biológico e social). A fenomenologia exerce, recentemente, muita influência sobre alguns estudos antropológicos nessa matéria, inclusive no Brasil (Alves e Rabello, 1998 e Csordas 1994, 1997a). São também importantes, para esse tipo de estudos, as formulações de Pierre Bourdieu, especialmente com seu conhecido conceito de habitus (1980).
As diferentes técnicas corporais utilizadas na RCC, como o canto, os gestos, a dança, a glossolalia e várias outras, têm, como finalidades principais, o louvor a Deus e a obtenção do contato íntimo com a divindade. Como é apontado por conhecido antropólogo americano, que se especializa no estudo desse movimento católico, os carismáticos buscam a construção de um ""self sagrado"", o que implica constante aproximação com o numinoso (Csordas, 1994). Ora, essa aproximação só se completa através do êxtase, quando o fiel - tendo seu corpo concebido na tradição cristã mais ampla como o ""templo do Espírito Santo"" - é capaz de literalmente incorporar a própria divindade, através de técnicas corporais que induzem, proporcionam e configuram o êxtase. Nesse sentido - e usando uma imagem propositalmente forte, mas na qual não existe a intenção de qualquer desrespeito -, o fiel carismático é um possuído de Deus. Exatamente por isso é que, neste trabalho, privilegio a análise do êxtase, do transe ou da possessão como técnica corporal (ou técnicas, pois na verdade envolvem mais de uma) privilegiada na RCC. Como se sabe, essas técnicas são muito antigas e bem espalhadas pelo mundo, sendo utilizadas não só por várias denominações cristãs, mas também por muitas outras religiões - consideradas pelos cristãos como pagãs - e, por isso, torna-se necessário uma rápida menção à literatura antropológica mais vasta e clássica sobre o assunto.
 
O êxtase, o transe e a possessão
 
Estados alterados de consciência têm sido observados em todas as sociedades humanas e suas manifestações se denominam de diferentes maneiras, incluindo os termos ""êxtase"", ""transe"" e ""possessão"". O popular dicionário da língua portuguesa Aurélio define o êxtase (do grego ékstasis, pelo latim extase) como ""arrebatamento íntimo; enlevo, arroubo, encanto"" ou ""admiração de coisas sobrenaturais; pasmo, assombro"" ou, ainda (e, neste caso, com sentido psiquiátrico), como ""fenômeno observado na histeria e nos delírios místicos, e que consiste em sentimento profundo e indizível que aparenta corresponder a enorme alegria, mas que é mesclado de certa angústia: fica o paciente quase de todo imobilizado, parecendo haver perdido qualquer contato com o mundo exterior"". Já o verbete transe (do francês transe) é definido como ""momento aflitivo"", ""ato ou feito arriscado; ocasião perigosa; lance"", ""crise de angústia"", ""falecimento, passamento, morte"", ""combate, luta"" e, também, ""estado de médium ao manifestar-se nele o espírito"". Aparecem também as seguintes conotações: ""a todo o transe (...): a todo o custo; à viva força""; ""transe hipnótico (...): estado de profunda sonolência, provocado por hipnose""; e ""transe histérico (...): estado que acompanha certas crises de histeria"". Quanto ao termo possessão (do latim possessione), além do significado político (possessão colonial, sujeita a uma metrópole), surge a definição expressando o sentido que a palavra assume, no Brasil, ligado às religiões de origem africana: ""ato em que o iniciado ou filho-de-santo recebe o seu orixá, tornando-se o seu cavalo e materializando a divindade"" (Dicionário Aurélio).
Evidentemente que essas definições não esgotam o significado dos termos em questão. Mas elas colocam claramente três tipos de significação que estão comumente associadas a eles: em primeiro lugar, um sentido ligado a estados que, embora emocionais, podem ser experimentados por todos (arrebatamento, enlevo, aflição etc.); em segundo, estados alterados de consciência provocados por doença psíquica; e, finalmente, em último, estados (alterados de consciência?) místicos ou não místicos, mas que resultam de uma influência, considerada exterior, sobre o corpo (e a mente) do indivíduo (hipnose, intrusão de espírito etc.).
Esses fenômenos estão presentes na tradição cristã desde os primeiros tempos do cristianismo (seria de fato possível rastreá-los desde a tradição judaica). Assim, para um historiador como Peter Brown, eles encontram-se na origem do culto dos santos, manifestando e revelando aos pagãos, nos santuários a eles consagrados, no Baixo Império Romano, a praesentia e a potentia desses mesmos santos:
A visita a um santuário cristão da Antigüidade tardia podia ser uma experiência de tumulto e terror. A propósito do primeiro choque experimentado pela peregrina romana Paula, diante dos túmulos dos profetas, na Terra Santa, Jerônimo escreveu:
""Ela foi aterrorizada por um grande número de fatos espantosos. Com efeito, viu demônios rugirem sob o jugo de diversos tormentos e, diante dos túmulos dos santos, homens uivarem como lobos, latirem como cães, rugirem como leões, silvarem como serpentes, mugirem como touros, uns, com a cabeça revirada, apoiando para trás o alto do crânio sobre o solo, e mulheres penduradas pelos pés sem que o vestido caísse sobre seus rostos"".
O mapa da Europa católica, tal como se apresentava a um recém-chegado, no final do século VI, era traçado pelos lugares onde se produzia esse gênero de coisas. Porque, nas grandes basílicas da Gália católica, a possessão e o exorcismo passavam pelo signo verdadeiramente irrefutável da praesentia do santo (...).
Para um romano da época tardia, o drama do exorcismo era a demonstração do poder de Deus, revestido da mais indiscutível autoridade. A praesentia do santo era tida como manifestação de precisão infalível na cura dos possuídos, e seu poder ideal, sua potentia, era vista, dessa forma, de modo mais completo e seguro. (Brown, 1984, p. 137-38, tradução minha)
Esses fenômenos são bem familiares ao antropólogo que lida com o que chamamos de antropologia da saúde ou da religião. Uma breve seleção da literatura recente, para me limitar aqui apenas aos autores de língua inglesa, pode incluir estudos como os de Beattie e Middleton (1969), Bourguignon (1973), Crapanzano e Garrison (1977), Goodman et al. (1982), Holm (1982), Lewis (1977) e Walker (1972). Com relação ao Brasil, uma ótima coletânea sobre o xamanismo, incluindo as religiões indígenas, foi organizada por Langdon (1996). Nessa literatura, os fenômenos relacionados ao xamanismo, à intrusão de espírito, à viagem xamânica pelo mundo subterrâneo ou pelas alturas, aos estados alterados de consciência podem ser pensados como uma categoria de tipos de comportamento ou de estados psicobiológicos que se prestam à observação e ao estudo objetivo, não havendo, para o cientista (não apenas para o antropólogo), distinção valorativa entre bons e maus espíritos, a não ser no que respeita às concepções dos próprios nativos.
""Possessão"" é, pois, o termo que expressa a crença das pessoas relativa a determinados sintomas manifestados por alguém que acredita e/ou de quem se diz ter tido o corpo invadido ou tomado por alguma entidade espiritual ou de alguma outra natureza que permita esta forma de intrusão. O comportamento dessa pessoa ""possuída"" pode ser descrito (numa versão um tanto ""behaviorista"") como uma forma de ""transe"", na qual se pode distinguir um tipo ""hipercinético"" (de caráter mais espetacular e agitado), diferente do que se pode chamar de transe ""hipocinético"", que é mais calmo e está freqüentemente associado sobretudo ao chamado misticismo. Como diz Gerrie Ter Haar, a quem vimos seguindo proximamente neste parágrafo: ""a questão do bem e do mal é acrescentada por teólogos e outros, que desejam defender uma ideologia particular, sendo portanto irrelevante"" para uma discussão que leve em conta os processos psicossomáticos e bioquímicos que constituem o background desses fenômenos. Não obstante,
(...) para a cultura ocidental, em cuja tradição está situada a Igreja Católica, a possessão por espírito tornou-se um assunto delicado. As crenças ocidentais geralmente consideram a possessão por espírito como involuntária, uma experiência maléfica, que deveria ser evitada, se possível. Na fala comum, essa atitude negativa se reflete na maneira como as pessoas se referem a respeito de alguém que está ""possuído"", significando um estado de histeria, agindo como louco, tendo perdido, em geral, o controle de si mesmo (...). [Por outro lado, as] referências ao demônio ou a outros espíritos indicam que tal pessoa é um perigo para a sociedade.
O significado negativo emprestado à possessão por espírito é aparente na Bíblia. Toda vez que ela é mencionada, no Novo Testamento, invariavelmente refere-se a maus espíritos, particularmente ao diabo. A maneira adequada de lidar com tais espíritos é expulsá-los. Quando surge um bom espírito (o Espírito Santo), a Bíblia usa um vocabulário bem diferente, para enfatizar a natureza positiva da crença em tal possessão. Por exemplo, no Pentecostes, as pessoas estão ""cheias"" do Espírito Santo e ""falam em línguas"", enquanto no caso de um espírito ""mau"" ou ""impuro"" usa-se o termo ""possessão"", e as manifestações do espírito são vistas como sinais de seu comportamento inadequado (...). Os cristãos no Ocidente usualmente se referem à presença do Espírito Santo numa pessoa em termos de um ""êxtase"" religioso, ao invés de uma ""possessão"", a qual é pensada com uma conotação negativa. Esta associação negativa com a presença de espíritos não é exclusiva da Cristandade, e pode ser observada em outras religiões de natureza dualista. Elas fazem uma distinção absoluta entre bem e mal e, como resultado, entre possessão por um espírito que é absolutamente bom e por outro que é absolutamente mau. Aos olhos dos crentes, a possessão por um é uma experiência completamente diferente da possessão por outro, não havendo nada em comum entre esses espíritos. (Ter Haar, 1999, p. 117-18, tradução minha)
Neste ponto, recorrendo a uma literatura de origem francesa e a uma autora muito ligada ao Brasil, torna-se importante chamar atenção para as distinções elaboradas por Marion Aubrée, que se inspirou nas formulações de seu compatriota Gilbert Rouger (Aubrée, 1996). Considerando o transe como um fenômeno composto ao mesmo tempo de elementos psicofisiológicos e culturais, Aubrée propõe uma distinção entre o transe e o êxtase. Para ela, o êxtase,
noção muito empregada no meio cristão, [diferencia-se] tanto pelos modos de indução quanto pelos estados psicofisiológicos que [o caracterizam em relação ao transe] e, pode-se acrescentar, pelo simbolismo expresso por aqueles que o vivenciam. De fato, o êxtase, quer esteja relacionado à mística cristã, xamânica ou espírita, é sempre descrito como uma saída de si, geralmente segundo uma dinâmica de viagem, enquanto que o transe corresponde sempre à descida de uma divindade ou de um espírito na pessoa. (Aubrée, 1996, p. 175, tradução minha)
O argumento prossegue, então, buscando essa autora definir mais claramente o transe, de modo a distingui-lo do êxtase. Para ela, levando em conta a literatura sobre o assunto, ""a indução ao transe passa pelo ruído e pela agitação: ela requer a presença de outros, enquanto o êxtase surge na imobilidade e no silêncio da solidão"". No que diz respeito a esse estado, a autora, invocando Rouget, fala-nos de ""uma superestimulação sensorial, uma dissociação da consciência que não permite memorizar a experiência e, enfim, uma ausência de alucinações"". Ao contrário, no que concerne ao êxtase, emprestando uma idéia de Lapassade, Aubrée nos diz que se pode observar ""uma consciência clara do que se passa e, em conseqüência, a possibilidade de se recordar (cf. os místicos cristãos), assim como de freqüentes alucinações"". Tudo isso prepara a distinção mais importante que será aplicada ao longo de seu artigo, ao procurar distinguir, ainda segundo Rouget, as formas de transe que encontrou em sua própria pesquisa, em Recife, entre os adeptos do xangô e do pentecostalismo: o ""transe de possessão"" (que, segundo ela, é uma característica do primeiro) e o ""transe de inspiração"" (que caracteriza o pentecostalismo, especialmente no que diz respeito à glossolalia). ""No primeiro caso [xangô], o possuído muda de personalidade, no sentido de que ele se transforma na divindade; no segundo [pentecostalismo], o indivíduo conserva sua personalidade, mas é cercado (investi) pela divindade que, ao dominá-lo, faz dele seu porta-voz"" (p. 175).5
Essas observações de Marion Aubrée são bastante úteis para pensar o êxtase, o transe e a possessão. Voltarei a essas idéias, mais adiante, comparando-as com meus próprios dados etnográficos, a fim de discuti-las mais amplamente. Posso adiantar, no entanto que, embora úteis para minha reflexão, as mesmas não se apresentam inteiramente adequadas às situações concretas que tenho investigado, em outro contexto social e tratando de crenças e práticas diferentes (embora com várias semelhanças) - de modo especial a RCC e a pajelança cabocla ou rural -, numa parte da Amazônia brasileira, cujas tradições culturais e religiosas diferem, em vários aspectos, do Nordeste.
 
O êxtase, o transe e a possessão entre os carismáticos católicos
Neste tópico, como foi anunciado acima, pretendo entrar diretamente na discussão sobre estados alterados de consciência - êxtase, transe e possessão —, a partir dos dados de minha pesquisa de campo, e ao mesmo tempo retomar o diálogo com o artigo de Marion Aubrée.
Na RCC as técnicas corporais que envolvem estados alterados de consciência - com maior ou menor intensidade - estão relacionadas ou com a ação do Espírito Santo sobre os fiéis ou, ao contrário, com a possessão demoníaca, que pode manifestar-se, de forma mais ou menos evidente, em pessoas que, em termos nativos, ""não têm Deus em suas vidas"". No primeiro caso trata-se de fiéis que, iniciando-se na Renovação, recebem os ""dons do Espírito"", ou são por Ele tocadas, podendo, em razão disso, manifestar em seus corpos fenômenos como a glossolalia e o chamado ""repouso no Espírito"", além de outros. Em trabalho anterior, já citado, tratei, com alguns detalhes, a respeito dessas duas técnicas.
A glossolalia (mais comumente, ""falar"" ou ""orar em línguas"") é um fenômeno muito mais amplo, que transcende o religioso - sendo utilizado em contextos variados, inclusive na música profana - e que não se restringe ao cristianismo (Aubrée, 1996; Goodman, 1972; e Pollak-Eltz, 1999). Ela acontece mais facilmente em alguns momentos das reuniões da RCC, quando os iniciados
(...) começam a orar em conjunto, (...) cada um dizendo suas próprias orações, com palavras diferentes, uns dos outros. Ouve-se, sobretudo, a fala do líder, que muitas vezes está usando um microfone. Mas todas as pessoas oram, em voz alta, ao mesmo tempo, suas próprias orações, de forma idiossincrática, de modo que se tem a impressão de uma balbúrdia de vozes, sobretudo se há maior exaltação emocional entre os integrantes do grupo (às vezes uma multidão, como em ginásios e estádios). É nesse momento que ocorre, também, o orar em línguas, como seqüência natural de uma improvisação de orações para as quais, muitas vezes, faltam palavras compreensíveis, e as pessoas que têm o dom passam a orar como já o faziam há tantos anos os profetas do Antigo Testamento (...), o que continuou se repetindo nas primeiras comunidades cristãs descritas no Novo Testamento, a partir do episódio de Pentecostes. Essas pessoas recebem a efusão do Espírito de Deus e - na concepção dos carismáticos - já não são mais elas que oram, mas sim o Espírito através de suas bocas. (Maués, 2000, p. 132).
Segundo o sociólogo Pedro A. Ribeiro de Oliveira, em pesquisa pioneira, feita há mais de vinte anos,
(...) o dom da oração em línguas [é] o mais difundido entre os informantes. 38,8% dos membros da RC e 67,6% dos seus dirigentes têm o dom de orar em línguas. Em nossas entrevistas e questionários registramos apenas um caso de pessoa que diz orar em línguas como xenoglossia, isto é, pelo uso de uma língua existente, mas estrangeira, e que não tenha sido aprendida por quem ora; todos os outros casos registrados na pesquisa foram de glossolalia, isto é, um conjunto de sons pronunciados de modo ritmico, sem significação aparente. Diz D. Cipriano [bispo católico que escreveu, em 1976, tese de mestrado em teologia pastoral sobre a RCC] que ""não se trata de algo balbuciado em êxtase, mas tem-se perfeito controle dele, podendo-se cessar ou começar à vontade"". Essa linguagem de oração, não-conceitual, é usada em várias situações: quando não se encontram palavras para louvar a Deus, quando não se sabe como interceder pelos outros, como arma poderosa contra o pecado, para cantar sua alegria no Espírito. (Ribeiro de Oliveira, 1978, p. 52-3)
No mesmo trabalho acima citado, tratei sobre as ""três variações"" com que pode apresentar-se o dom de línguas: falar, orar e cantar em línguas.
Todas essas formas podem ser observadas nas reuniões da Renovação. Durante minha própria pesquisa nunca pude observar o fenômeno da xenolalia (ou xenoglossia, como diz Ribeiro de Oliveira), nem mesmo alguém declarou-me que possuía esse dom. Tive porém relatos a respeito de pessoas em outros grupos e reuniões que eventualmente falavam ou oravam, tomadas pelo Espírito, em ""línguas vivas"" ou ""mortas"", sem nunca as terem aprendido. (Maués, 2000, p. 133)
A discussão sobre se estamos, no caso, em presença de um fenômeno de estados alterados de consciência pode ser longa, especialmente em se tratando de questão que se coloque para nativos da própria Renovação, ou do Pentecostalismo. Dom Cipriano Chagas, bispo simpático à RCC, nega mesmo que se trate de uma forma de êxtase, como foi visto acima. O tema é colocado por Thomas Csordas, no segundo livro que dedica ao estudo da RCC americana, a partir do relato de uma experiência que teve bem no início de sua pesquisa:
No início de março de 1973, fiz os preparativos para assistir à minha primeira reunião de oração de católicos pentecostais. Estava especialmente ansioso para ouvir falar em línguas e refletia sobre os mais recentes relatos antropológicos que identificavam tal ""fala extática"" como um fenômeno de estados alterados de consciência (...). Fui de carro, do campus para uma igreja suburbana do meio-oeste, onde tinha lugar a reunião semanal do grupo de oração Cristo Rei, juntamente com um estudante de medicina e uma aluna de graduação, ambos membros do grupo. No caminho, o estudante de medicina sugeriu orações como forma de preparação espiritual para a reunião. Eu estava no banco traseiro do carro, enquanto os dois, na frente, devotamente oravam em línguas. Teorias sobre o transe e sobre estados alterados de consciência ocupavam completamente meus pensamentos enquanto nos aproximávamos do sinal vermelho. Eu especulava sobre se alguém em transe poderia parar em tempo no sinal e sobre o porquê do fato de minha primeira evidência empírica sobre esse tópico tinha de ser adquirida com tal risco aparente. Nada aconteceu. Não tive mesmo qualquer indício de que os reflexos do motorista tivessem se tornado mais lentos. (Csordas, 1997b, p. 41, tradução minha)
Como é bem conhecido, há uma discussão sobre a ocorrência do transe, com ou sem consciência de parte da pessoa afetada. Até mesmo naquilo que é interpretado, emicamente, como ""possessão demoníaca"", a percepção consciente do que acontece, ainda durante as crises mais violentas, é atestada por vários relatos, como o da famosa superiora possessa do Convento de Loudon, madre Joana dos Anjos, que escreveu suas memórias na década de 1640:
Freqüentemente a minha mente enchia-se de blasfêmias e às vezes eu as pronunciava sem ser capaz de pensar em evitá-las. Sentia uma aversão contínua por Deus e nada me provocava tanto ódio do que o espetáculo de sua bondade e da sua disposição para perdoar os pecadores arrependidos (...). É verdade que eu não agia livremente nesses sentimentos (...), porque o demônio me confundia de tal modo que eu mal distinguia seus desejos dos meus; além disso, através dele eu sentia uma forte aversão contra os meus votos religiosos, tanto que às vezes quando ele estava na minha cabeça eu rasgava todos os meus véus e os véus das minhas irmãs que conseguia segurar, pisava neles, mastigava-os, amaldiçoando a hora em que fiz os votos.
(...)
Quando me ergui para a Comunhão [diz madre Joana, num outro trecho de seu depoimento] o diabo tomou posse da minha mão, e quando eu recebera a Sagrada Hóstia e já a umedecera um pouco, o diabo jogou-a no rosto do padre. Sei muito bem que não agi assim livremente, mas tenho certeza que estava completamente confusa por permitir que o diabo fizesse isso. (Sargant, 1975, p. 71 apud Oesterreich, 1930, p. 49-50)
Minha própria experiência de campo mostra como, em várias situações que poderiam ser, no mínimo, classificadas como extáticas, as pessoas mantêm o conhecimento do que acontece em volta e podem, de certo modo, ""suspender"" seu êxtase, para realizar tarefas práticas, como, por exemplo, um dirigente, orando em línguas, sendo capaz de interromper essa atividade, para receber um recado importante, diante do público do seminário ou grupo de oração e, em seguida, tranqüilamente, retomar a mesma oração em línguas. Num outro contexto, existem relatos, por exemplo, nas religiões afro-brasileiras, de pais ou mães-de-santo que, incorporados por seus guias, interrompem sua atividade mística para atender a alguém que bate à porta, ou que acompanham procissões do catolicismo popular, recebendo bênçãos de padres e bispos, mantendo a incorporação por suas entidades e, de resto, comportando-se, durante esses rituais, quase como se nenhum santo ou orixá estivesse ""em sua cabeça"".
Quanto ao chamado ""repouso no Espírito"", temos ""uma situação que tipicamente acontece a partir da imposição de mãos"". A descrição que fiz, no mesmo trabalho acima citado, a partir de observação de campo realizada em Belém, em abril de 1999, foi a seguinte:
No segundo dia do encontro, após uma emocionada palestra/pregação sobre o Espírito Santo e seus dons, feita por uma jovem aparentando cerca de 25 anos, começou um canto em que se invocava o mesmo Espírito e o coordenador do evento (também bastante jovem) solicitou que as pessoas fechassem os olhos, orassem e ""se entregassem"". Fechar os olhos é uma técnica adicional - mas muito importante, utilizada em vários momentos -, que, porém, serve sobretudo para ajudar a receber os dons do Espírito e propiciar o ""repouso"". Houve então um longo momento de ""efusão do Espírito"", em que neófitos ou iniciados recebiam a imposição de mãos, enquanto estavam de pé, por parte de integrantes experientes do Grupo de Oração que promovia o evento (todos muito jovens) , e a maioria acabava caindo ao solo, de costas, sendo amparada por alguém que ficava por trás.
A situação-padrão era a seguinte: um iniciado experiente (homem ou mulher) impunha as mãos sobre a pessoa, tocando-a (na cabeça, principalmente, mas também às vezes no ombro, no peito ou nas costas), e começava a orar, em vernáculo e, algumas vezes, entremeadamente, em línguas. Quando a pessoa começava a perder seu equilíbrio e passava a balançar, um outro iniciado, do sexo masculino e geralmente mais forte, fisicamente, também impunha as mãos sobre a mesma pessoa e, esperando que ela caísse, gentilmente a amparava até que se acomodasse no chão do auditório. As cadeiras eram rearrumadas para que no chão pudesse caber tanta gente deitada. Tanto os neófitos como os iniciados repousavam no Espírito, geralmente por vários minutos; quando se levantavam, procuravam sentar-se logo nas cadeiras do auditório e, ainda, por alguns minutos, permaneciam como que concentrados, aparentemente meditando sobre ou se recobrando da experiência.
Esta pode ser, para os neófitos, a experiência do ""batismo no Espírito"" (que também ocorrerá de outras maneiras) e que, muitas vezes, é precedida ou passa a ser seguida pela glossolalia. (Maués, 2000, p. 134-35)
Em várias outras situações é possível observar fenômenos extáticos na RCC. Vou, no entanto, concluir este tópico tratando a respeito do chamado ""bailar no Espírito"", uma típica experiência de êxtase ou transe, que culmina, afinal, como foi dito acima, com o próprio ""repouso"", e que motivou o título principal deste artigo. Em mais de uma ocasião pude observar essa técnica, que é posta em prática, até quanto pude perceber, por fiéis um pouco mais experientes e já iniciados; neste caso não existem, como no episódio mais simples provocado pela imposição de mãos, quem conduz ao repouso, acima descrito, pessoas estrategicamente colocadas para amparar o tombo do fiel. Costuma-se dizer que o próprio Espírito protege seus devotos para que eles não se machuquem na queda. Em um outro Seminário de Vida ou Querigma do grupo ""Glória a Ti Senhor"", que ocorreu entre os dias 19 e 21 de maio de 2000, esteve presente, na última tarde, um diácono bem conhecido entre os carismáticos de Belém, famoso por seu entusiasmo e sua ""unção"". O sacerdote da paróquia onde se reúne o grupo de oração, embora convidado, não havia comparecido ao primeiro dia do encontro e, por isso, preferiu-se agora chamar o diácono, que atua em paróquia diferente da que pertence o referido grupo. Durante sua pregação, que entusiasmou a quantos estavam presentes, num dado momento foi possível observar-se a atitude de um senhor de meia idade que, ao som da música e embalado pelo canto emocionado do diácono, ""bailava no Espírito"", de forma considerada muito impressionante, com as mãos para cima, fazendo várias evoluções, em êxtase; isso durou alguns minutos, até que o mesmo senhor caiu ao solo e ficou, durante certo tempo, em repouso. Entrevistando-o, pude saber que ele, em nenhum momento - mesmo na ocasião do repouso -, perdeu a consciência do que estava acontecendo, mas, ao mesmo tempo, encontrava-se num estado de ""leveza"", de ""satisfação interior"" e de ""paz"", como nunca sentira antes em sua vida. O episódio foi comentado por muito tempo no grupo ""Glória a Ti Senhor"", tendo sido considerado uma bela demonstração de efusão do espírito.
Meus dados parecem indicar, assim, que não é possível adotar completamente as distinções propostas por Marion Aubrée, acima descritas. Embora o êxtase tenha sido referido, com freqüência, na literatura, como relacionado ao cristianismo, ele não se limita a essa manifestação religiosa, nem pode caracterizar-se apenas como algo que implica ""sair de si"", ou uma ""viagem"". Essas são características que, por exemplo, foram descritas por Mircea Eliade em relação aos xamãs de várias partes do mundo, cujos espíritos empreendem a viagem xamanística pelo mundo dos espíritos ou dos deuses, para relacionar-se com eles ou combatê-los, a fim de curar a doença de seus pacientes ou realizar outras façanhas. Por outro lado, para esse autor, ""o elemento específico do xamanismo não é a incorporação dos "espíritos" pelo xamã, mas o êxtase provocado pela subida ao Céu ou pela descida aos Infernos; a incorporação dos espíritos e a "possessão" são fenômenos universalmente difundidos, mas não pertencem ao xamanismo stricto sensu"" (Eliade, 1998, p. 542). Em artigo anterior (Maués & Villacorta, 2001), citando o conhecido trabalho do antropólogo Ioan Lewis, procuramos mostrar como essa posição de Eliade deve ser relativizada. Segundo Lewis,
todos os xamãs são médiuns e, como dizem, expressivamente, os caribes negros das Honduras Britânicas tendem a funcionar como uma ""ligação telefônica"" entre o homem e Deus. Evidentemente, não se pode concluir que todos os médiuns são necessariamente xamãs, apesar de (...) essas duas características estarem usualmente ligadas. As pessoas que sofrem regularmente possessão por um espírito particular podem ser consideradas como médiun para aquela divindade. Alguns, mas nem todos os médiuns, se graduarão a ponto de se tornarem controladores de espíritos e, uma vez ""dominando"" essas forças de maneira controlada, serão xamãs propriamente ditos. (Lewis, 1977, p. 56-64)
Assim, para Lewis, ao contrário de Eliade, a característica fundamental do xamã situa-se no controle que o médiun é capaz de manifestar sobre as entidades que o possuem, mas que, de certo modo, são também possuídas ou domadas por ele.
Neste ponto, creio ser relevante tratar, embora sumariamente, a respeito da pajelança rural amazônica, ou pajelança cabocla, que não se confunde com a pajelança (ou xamanismo) indígena. Trata-se de um culto de características xamânicas, no qual o oficiante (""pajé"" ou ""curador"") recebe entidades chamadas encantados ou caruanas, com a finalidade principal de curar os doentes que o procuram. Essa forma de pajelança está muito difundida, especialmente entre as populações rurais amazônicas, e pude estudá-la há alguns anos no litoral paraense, na microrregião do Salgado, mais especificamente no município de Vigia (Maués, 1995 e Maués & Villacorta, 2001). O estudo antropológico clássico sobre a pajelança cabocla e o catolicismo popular foi feito por Eduardo Galvão, no Baixo Amazonas, em seu livro Santos e visagens (1955). Tanto os dados de Galvão como os meus próprios reforçam a posição de Lewis relacionada ao xamã. A esse respeito vale dizer que, além de seus transes habituais, nos quais recebem os caruanas ao realizar suas sessões, os mais poderosos pajés amazônicos (chamados às vezes de ""sacacas"") são também pensados como capazes de realizar uma espécie de ""viagem xamanística"", visitando o mundo dos encantados, mas não apenas com seu espírito: acredita-se que eles visitam o ""encante"" (lugar de morada dos encantados) em estado normal, sem estar em transe, e lá, muitas vezes, aprendem técnicas curativas que irão mais tarde aplicar em seus pacientes (Galvão, 1955, p. 129-31 e Maués, 1995, p. 238-40).
Dois outros aspectos das formulações de Marion Aubrée merecem também comentário: o primeiro, que distingue o êxtase do transe pelo caráter consciente daquele, ao contrário deste; o segundo, diz respeito à presença de alucinações no transe, as quais estariam ausentes no êxtase. Minha experiência mostra que tanto a questão da consciência ou da inconsciência quanto a presença ou não de ""alucinações"" encontram-se em situações variadas na pajelança e na RCC. Na pajelança, a violência das incorporações descontroladas e que levam a um esquecimento total do que se passa nestes momentos está culturalmente associada a uma fase em que o candidato a xamã ou a vítima de maus espíritos não passou por tratamento ou processo de iniciação que conduza a pessoa ao controle de suas entidades. Na RCC, o mesmo se dá no caso daquilo que é pensado como possessão demoníaca. Nos dois casos, quando se trata de pajé experiente ou de fiel católico que recebeu os dons do Espírito, a tendência é a ocorrência de formas de transe ou de êxtase controlados, nos quais, via de regra, a pessoa a eles sujeita é capaz de relatar pelo menos alguns aspectos de sua experiência. Já no que diz respeito à presença ou ausência de alucinações, no sentido de ilusões, devaneios e fantasias (excluindo uma opinião sobre aspectos patológicos, que não sou competente para avaliar), pude constatar inúmeras vezes que tanto na RCC como na pajelança elas estão presentes no êxtase ou no transe (termos que tomo aqui aproximadamente como sinônimos). Na RCC, por exemplo, por ocasião das chamadas ""visões proféticas"", tive a possibilidade de escutar relatos fantásticos a respeito da presença ou aparição de anjos e da Virgem Maria, ou também da presença do Espírito Santo, no recinto da igreja ou no local da reunião, com abundância de detalhes e grande colorido na descrição feita por fiéis em êxtase ou sob efeito do transe de que estavam tomados.
Há no entanto um aspecto das formulações de Aubrée que me parece mais condizente com minha experiência etnográfica: é aquele em que ela faz a distinção entre ""transe de possessão"" e ""de inspiração"". É verdade que em ambos os casos penso que, tanto na pajelança quanto na RCC, o êxtase ou o transe, num sentido ético (em oposição ao êmico), implicam sim uma forma de ""possessão"" (que, neste caso, não significa, como disse acima, apenas a intrusão ou aproximação de um espírito considerado maléfico). Não obstante, no caso da pajelança, como no xangô, o xamã em transe muda de personalidade claramente, identificando-se e sendo identificado com o encantado ou orixá de que está possuído. No caso da RCC, como no pentecostalismo, evidentemente que o fiel, ao receber a ""unção do Espírito"", tanto no momento da glossolalia, do repouso, da profecia etc., não se transforma (num sentido êmico) na divindade, mas apenas recebe seus eflúvios ou fala por ela. Isto é muito evidente no caso da profecia, na qual o profeta carismático usa, como os profetas bíblicos, a primeira pessoa do singular ao enunciar suas palavras de caráter ilocucionário ou performático (Austin, 1990).
 
Considerações finais
 
A razão de ter privilegiado, neste trabalho, as técnicas corporais ligadas ao êxtase, ao transe e à possessão dizem respeito à conviccão, que tem sido fortalecida, por minha própria pesquisa, sobre o aspecto central das mesmas na RCC de Belém, a partir das observações que posso realizar. Isso está de acordo, também, com a literatura a que tenho acesso sobre o pentecostalismo no Brasil. Vários trabalhos, como os de Mariz (1997), de Machado (1996) e de Mariz e Machado (1996), têm chamado atenção para a relação entre carismáticos e pentecostais, para a importância do corpo em seus cultos e para a relevância das explicações de vários tipos de ocorrências, especialmente infortúnios, tais como doenças, que podem resultar da ação de seres espirituais. Muito freqüentemente - e isto tenho encontrado também, em minhas próprias pesquisas —, a explicação para desajustes familiares, pobreza, violência, pecado, doença e vários outros males está relacionada ao chamado ""Inimigo"" (o demônio). Em alguns momentos, a própria responsabilidade dos indivíduos é minimizada ou subestimada, se bem que, de minha experiência pessoal, nunca encontrei situações em que se possa de fato justificar os atos contrários à moral sob a alegação de que a pessoa agia contra a própria vontade. Há sempre a idéia de que, se a pessoa está ""entregue ao Inimigo"" é, também, porque ""não se aproxima de Deus"".
Mas o êxtase, o transe e a possessão constituem fenômenos centrais na RCC porque, num certo sentido, e no limite, essa forma de doutrina e prática religiosa - poderíamos estender isso a todo o pentecostalismo?6 - considera que, no fundamental, os seres humanos são uma espécie de ""possuídos"", como já foi enfatizado acima neste artigo. Se os males a que os indivíduos estão sujeitos resultam da ação do Inimigo, isto significa que o demônio e os demais espíritos maléficos exercem poderosa influência sobre os seres humanos. Essa influência pode manifestar-se de várias formas e, em algumas situações, através de estados alterados de consciência, como o transe hipercinético, isto é, a possessão violenta e mais ou menos espetacular. Algumas vezes, durante as próprias reuniões dos grupos de oração, como pude observar - embora raramente —, determinadas pessoas entram em transe e essa manifestação é interpretada como resultado da ação do demônio (manifestando-se em geral através da denominação de alguma entidade ligada às religiões afro-brasileiras). O próprio repouso no Espírito precisa ser interpretado por alguém que tenha discernimento, pois, caso a manifestação ocorra de forma mais demorada, com queda violenta e traumática, e com perda total de consciência, surgem dúvidas, como foi apontado acima, sobre se não se trata, de fato, de ação do diabo e não do Espírito Santo.
Não obstante, quando a pessoa adere à Renovação e recebe os dons do Espírito Santo, muitas vezes porque procura de modo consciente curar-se de seus males, a cura representa, em última análise, o afastamento do Inimigo do corpo (e da alma) daquela pessoa que, assim, poderá de fato realizar o ideal do cristão de tornar-se, efetivamente, o ""templo do Espírito"". O Espírito Santo, ao invés do Inimigo, passa a morar nela e, com isso, ela recebe seus dons, sua efusão, pode orar em línguas (""a língua dos anjos""), pode repousar e até bailar no Espírito, e pode exercer, ""conforme lhe são dados"", os diferentes dons do mesmo Espírito: profecia, discernimento, sabedoria, cura etc. Isso não é uma coisa tão simples, nem tão tranqüila, já que o processo tem de ser renovado constantemente, pois Satanás está sempre à espreita, disputando (com o divino) aquele corpo (e aquela alma). E, se houver, por qualquer razão, o afastamento de Deus, ela pode voltar a ser posse, possessão, do demônio. Desse modo, no limite, só há duas alternativas para os seres humanos: ou ser de Deus ou ser do Inimigo. E essas duas maneiras de ser, embora não se atualizem sempre em forma de êxtase, transe ou possessão, constituem um estado latente que, nas ocasiões em que são provocadas, propiciadas ou induzidas, se manifestam de diferentes formas, de modo conspícuo, com intensidades diversas.
Isso, aliás, é bem conhecido na literatura antropológica: a possessão (usando o termo sem o conhecido juízo de valor negativo emprestado dos nativos cristãos ou de outras religiões dualistas), a possessão, repito, é um fenômeno que se atualiza de forma visível em determinados momentos, quando surgem crises ou outros fatos que permitem ou propiciam sua manifestação. Fora desses momentos, o possuído, aquele que pertence a um determinado deus, espírito, orixá, demônio ou santo, age como todos os demais, embora mantendo, em seu interior, e, muitas vezes, nas marcas ou gestos externos de seu corpo, os signos, os estigmas ou sinais dessa mesma possessão.
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Recebido em agosto de 2002
 
 
Notas
1 Este artigo foi apresentado, em versão preliminar, durante as XI Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, em Santiago do Chile, em outubro de 2001, na mesa-redonda ""Cuerpo y formación de sensibilidades: la crisis del paradigma cartesiano, racionalista y representacional en los estudios de religión"". Agradeço a Clara Mafra pelo convite para participar da mesa. Agradeço também a Marion Aubrée, pelos comentários críticos e sugestões pertinentes, feitos na ocasião dos debates e em conversa posterior, que me ajudaram a repensar e reformular este texto, embora sem incorporá-los totalmente.
2 Este curioso episódio me foi relatado, em comunicação pessoal, por colega antropóloga, que se achava presente nessa ocasião, mas cujo nome omito aqui, por não ser essencial reproduzi-lo.
3 Esta expressão, não utilizada pelos atores, me foi sugerida como título deste artigo por Maria Angélica Motta-Maués, antropóloga e minha mulher.
4 Em razão de problemas de tradução na edição portuguesa citada aqui, faço também a citação do texto original: "" Les façons dont les hommes, société par société, d"une façon traditionnelle, savent se servir de leur corps (...).
Le corps est le premier et le plus naturel instrument de l"homme. Ou plus exactement, sans parler d"instrument, le premier et le plus naturel objet technique, et en même temps moyen technique, de l"homme, c"est son corps"" (Mauss, 1973, p. 371-72).
5 Depois de falar sobre as ""pulsões idiossincráticas"" da pessoa e das ""pulsões inerentes a seu grupo de pertencimento"", as partes mais importantes do texto original de Marion Aubrée, que traduzi parcialmente, são as seguintes: ""Elle me fournira, en second lieu, la possibilité de distinguer entre la transe et l"extase, notion très employée en milieu chrétien, qui diffèrent tant par les modes d"indution que par les états psychophysiologiques qui caractérisent l"une et l"autre e, pourrait-on ajouter, par la symbolique exprimée par ceux qui les vivent. De fait, l"extase, qu"elle ressortisse à la mystique chrétienne, chamanique ou spirite, est toujours décrite comme une sortie de soi, généralement selon une dynamique excursionnelle, tandi que la transe correspond toujours à la descente d"une divinité ou d"un esprit en soi.
A partir de la littérature sur le sujet, on peut dire que l"induction de la transe passe par le bruit et par l"agitation; elle requiert la présence des autres tandis que l"extase surgit dans l"immobilité et le silence de la solitude. En ce qui concerne l"état de transe, Rouget note une surstimulation sensorielle, une dissociation de la conscience qui ne permet pas de mémoriser l"experience et, enfin, une absence d"hallucinations.
Dans l"extase, au contraire, on observe, selon Lapassade, une privation sensorielle, une conscience claire de ce qui se passe et, en conséquence, la possibilité de se rappeler (cf. les mystiques chrétiens), ainsi que de fréquentes hallucinations. Enfin, Rouget crée une seconde différence à l"intérieur de la categorie ""transe"". Il détermine une ""transe de possession"" et une ""transe d"inspiration"". Dans le premier cas, le possédé change de personnalité en ce sens qu"il devient la divinité; dans le second, l"individu conserve sa personnalité, mais est investi par la divinité qui, en le dominant, fait de lui son porte-parole.""
6 Há muitas variações no pentecostalismo, mesmo se tomarmos apenas aquelas igrejas ou seitas mais conhecidas no Brasil, como a Congregação Cristã, a Assembléia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Universal, a Deus é Amor (para citar só algumas). Por isso parece-me arriscado generalizar em relação ao pentecostalismo como um todo. Mas boa parte das manifestações do pentecostalismo no Brasil parece, sim, incluir essas características
RESPOSTA