Ciência e Fé

Teologia da Criação: Monogenismo x Poligenismo
PERGUNTA
Nome:
Antônio Mesquita Galvão
Enviada em:
06/08/2004
Local:
Canoas - RS, Brasil
Religião:
Católica
Idade:
63 anos
Escolaridade:
Pós-graduação concluída
Profissão:
Teólogo/professor



amigos,
 
Li com atenção a resposta que vocês deram a uma leitora sobre poligenismo e dilúvio.
Pelo amor de Deus!!!!
 
Vocês estão ensinando uma doutrina fundamentalista do século XIX!!
 
Hoje todos os segmentos exegéticos da Igreja (até os rigorosos beneditos/Rio - Dom Estêvão Bettencourt) já aceitam o poligenismo. A imagem de Adão e Eva é metáfora, um pano-de-fundo para o essencial: Deus cria/criou.
 
O dilúvio (consta também no Gilgamesh e no Mahãbarata) é outra parábola, que quer dizer que Deus salva os que lhe são fiéis e deixa os maus entregue às suas próprias escolhas. O que houve, no fim da  Glazialzeit, era glacial ou Ice age, foi um degelo que represou as águas do Golfo Pérsico e fez subir as águas do Tigre e do Eufrates, matandop muita gente.  Escavações arquelógicas (1945) feitas em Jericó (a cidade mais antiga do mundo)não viram traços de "dilúvio" aoi, a 400 km da Mesopotâmia.
 
Ademais, uma encíclica, como Humani Generis, é uma "carta circular", idéias humanas que um papa teve a 60 anos atrás, de valor doutrinario mas sem peso dogmático.
 
É preciso atualizar sua exegese... Só faltou vc dizer que o mundo foi feito em sete dias: Nunca esquecendo que Gn 1,1-2,4a foi escrito na volta do exílio, século V, e a terra tem 75 bilhões de anos, e o homem, por volta de 800 mil anos...
 
Um abraço fraterno
 
Antônio Mesquita Galvão
Teólogo católico, leigo, escritor,
com doutorado em Teologia Moral

RESPOSTA
Muito prezado Doutor, Teólogo católico, Professor, leigo, escritor, com doutorado em Teologia Moral, (Puxa!!!) Antônio Mesquita Galvão,

Salve Maria!

Muito me honra receber uma carta de um tão insigne Doutor, com tantos títulos a serem citados.

Sinto-me esmagado sob o peso de seus títulos e de sua sabedoria teologal, germânica e lógica atualizadas e doutoradas.

O site Montfort não merecia tanto.

Seus títulos são tão numerosos, que por levar tanto tempo a escrevê-los, quando terminei de citá-los, muito provavelmente, o senhor deve já ter recebido outro mais. Então, perdão por não mencioná-lo.

É que ele ainda não me chegou pela Internet.

Se seus títulos são tão pesados, sua argumentação, em contra partida, foi extremamente “leve”.

Deve ser sua modéstia que o levou a dar apenas alguns poucos e superficiais argumentos, para não me humilhar demais.

Quanta caridade a sua!

Vê-se por essa humildade inusual que o senhor é católico praticante.

E de sacristia.

O senhor começa, misericordiosamente, a usar contra mim um slogan -- eu seria um "fundamentalista do século XIX !. Um tiranossauro solto na Internet no século XX.

E mesmo antes de soltar um slogan como argumento -- [ Desde quando slogan é argumento?]-- e um slogan depreciativo, para não dizer ofensivo, o senhor o apoiou num desesperado "Pelo amor de Deus!", comovente.

Eu o imagino, na sacristia de sua paróquia, levantando os braços ao céu-- ao teto da dita sacristia --, como uma charrete com seus varais levantados desesperadamente ao céu, como disse Rostand, implorando a Deus misericórdia por minha asnice fundamentalista e retrógrada.

É muito fácil começar a discutir um tema, já apodando o adversário com um rótulo depreciativo.

E o senhor me adverte com toda a sua doutoral e teologal caridade:

"Hoje todos os segmentos exegéticos da Igreja (até os rigorososbeneditos/Rio - Dom Estêvão Bettencourt) já aceitam o poligenismo. A imagem de Adão e Eva é metáfora, um pano-de-fundo para o essencial: Deus cria/criou".

Ah ééé !

Não sabia que todos os segmentos exegéticos da Igreja tinham se tornado hereges.

Meu caro Doutor das canoas furadas e viradas, fique sabendo que, se o poligenismo é certo, então os homens não são todos irmãos, pois que não descendem do mesmo pai. E isso conduz diretamente ao racismo nazista.

E se não somos todos irmãos, como o senhor me envia um abraço “fraterno”?

O senhor acaba de renegar Adão, nosso pai comum, e depois quer se apresentar como meu irmão?

Eu sou filho (descendente) de Adão. E o senhor, que nega a existência de Adão, pai de todos os homens, o senhor descende de quem?

Vai ver que o senhor crendo na fábula evolucionista – que não tem nenhuma fundamentação científica, se acredita descendente de um primata.

Nesse caso, não temos parentesco de jeito nenhum, garanto-lhe.

E como me manda o senhor um primatal abraço “fraterno? Vade retro!

Graças a Deus, porém, Pio XII condenou o poligenismo, dizendo, na encíclica Humani Generis, que os católicos não são livres para discutir ou aceitar o poligenismo, isto é, todos devemos aceitar a verdade de que todos os homens descendem de Adão e Eva.

Sei, sei, para o senhor, Doutor, teólogo, professor, escritor, moralista, e etc, para o senhor a Humani Generis não passa de uma cartinha circular de um Papa com alguns pensamentos pessoais. Uns palpites papais.

Meu caro, o senhor não só não tem respeito pelo que ensina o Papa, quando num documento do Magistério Ordinário repete o que a revelação disse, e o que a Igreja sempre ensinou, como revela desconhecer os rudimentos da doutrina católica.

A Humani Generis, embora documento do Magistério Pontifício Ordinário, repete o que sempre a Igreja ensinou com base na Escritura Sagrada. E quando um documento do Magistério Pontifício Ordinário repete o que foi revelado e que sempre a Igreja ensinou, esse ensinamento é também infalível.

A Humani Generis é reduzida, pelo senhor, à categoria de palpites papais. E a Sagrada Escritura, para o senhor, seria uma tela de fundo com “metáforas”. E tudo o que sempre ensinaram os santos e Doutores e os Padres da Igreja, tudo está ultrapassado. Seria “fundamentalismo”

Assim, nem a Sagrada Escritura, nem os Santos Padres, incluindo São Tomás, nem a Humani Generis deveriam ser cridas.

Mas o que vale para o senhor, Doutor ? A sua sabedoria teologal?

E quem é o senhor ?

Ponha-se no seu lugar.

O senhor ousa negar e renegar o que ensinou Pio XII na Humani Generis, afirmando que ela e uma mera "carta circular".

E esta sua carta é circular?

Sim, comparada com a Humani Generis sua carta é tão circular quanto um zerO.

Imagine-se: dever-se-ia desconsiderar uma encíclica de Pio XII como palpiteira, para acreditar no teologal Doutor Antônio Mesquita Galvão.

Meu caro Doutor, fico com Pio XII. Fico com o que sempre a Igreja ensinou. Fico com os santos Padres e Doutores que sempre aceitaram e ensinaram a historicidade de Adão e Eva. Ainda que o senhor considere a Tradição e o Magistério pontifício ultrapassados, e todos esses santos e sábios Doutores um bando de “fundamentalistas”, a doutrina deles continua válida para todo o sempre.

O que está na categoria do ultrapassado é seu slogan, hoje em moda entre mestres presunçosos que descartam a Verdade com um desprezo soberbo.

E onde o senhor adquiriu esse modo de rotular depreciativo? Na mídia? Ela é que é a sua mestra infalível? Nos hereges progressistas que lhe destruíram a Fé numa Faculdade de Teologia dessas muitas que há por aí? Eles é que são os seus doutores magisteriais? Que herege lhe ensinou a fábula anti bíblica que o senhor defende?

Porque, se Adão e Eva são “metáforas” e não existiram realmente, como o senhor prova que Cristo ressuscitou de verdade? Ou será que também a Ressurreição de Cristo foi ..”metafórica”?

Pergunto isso, porque, na Alemanha, há Doutores em Teologia – até Cardeais !-- que ensinam exatamente isso: que Cristo não ressuscitou realmente.

Mas fique sabendo que:

“Credendo est magis soli Mariae verace

qual theologorum turbae falacae”.

E o que é mais fácil de ser acreditado: que Deus fez Adão do limo da terra, ou que uma Virgem deu à luz?

O senhor, ó doutoral e atualizado Doutor, o senhor acredita que Nossa Senhora foi Mãe e Virgem? Ou o senhor ousará dizer que a Virgindade perpétua de Nossa Senhora é também “pano de fundo metafórico” ? Tire a conclusão lógica de seus princípios modernistas.

Que disse eu mais acima?

Que o senhor não sabe os rudimentos da doutrina católica?

Deveria eu ter dito antes que o senhor nem ao menos sabe fazer contas.

Quer que lhe prove que o senhor não sabe fazer as contas?

Pio XII é também do século XIX, para o senhor?

Saiba fazê-las: Pio XII foi Papa de 1939 a 1958. Isso é século XX, ó doutoríssimo das canoas furadas e viradas, e das datas tortas e trocadas, mestra da recusa das verdades fundamentadas.

E o senhor afirma que o Gênesis foi escrito no século V, antes de Cristo:

“É preciso atualizar sua exegese... Só faltou vc dizer que o mundo foi feito
em sete dias: Nunca esquecendo que Gn 1,1-2,4a foi escrito na volta do
exílio, século V, e a terra tem 75 bilhões de anos, e o homem, por volta de
800 mil anos...”

Essas suas afirmações contrariam frontalmente a doutrina católica, e o que determinou a Comissão Bíblica sobre a autoria do Gênesis.

Quando os hereges modernistas – como o senhor – negaram que Moisés fosse o autor do Pentatêuco, consultou-se a Comissão Bíblia Pontifícia com a seguinte dúvida e pergunta:

Dúvida I: Se os argumentos, acumulados pelos críticos para combater a autenticidade mosaica dos livros sagrados que se designam com o nome de Pentatêuco são de tanto peso que, sem ter em conta os muitos testemunhos de um e outro Testamento considerados em seu conjunto, o perpétuo consentimento do povo judeu, a tradição constante da Igreja, assim como os indícios internos que se tiram do próprio texto, dêem direito a afirmar que tais livros não têm a Moisés por autor, mas que foram compostos de fontes, na maior parte, posteriores à época mosaica.

Resposta:negativamente”.

(Resposta da Comissâo Bíblica em 27 de Junho de 1906. Cfr. Denzinger, 1996).

De modo que, a resposta á sua afirmação de que não o Gênesis foi escrito no século V, quando Moisés, seu autor, viveu muitos séculos antes, já foi decidida por Roma: é errado dizer que o Gênesis foi escrito no século V, antes de Cristo.

Mas é bem de supor que não lhe ensinaram isso no seu curso de Teologia. Ensinaram-lhe as “up to date” fábulas modernistas, pretensamente científicas.

Outro ponto a notar, ó excelso Doutor atualizado em todas as heresias atualmente em moda, se nem todos os homens descendem de Adão e Eva, então nem todos têm o pecado original. E isso é herético.

Mais um ponto, ó teologal doutor em gratuidades modernistas, quem lhe disse que Adão e Eva são metáforas? Um professor de Teologia ou exegese modernista no seminário que o senhor freqüentou?

E o senhor acreditou nesse professor de balelas, em vez de acreditar no que sempre a Igreja ensinou?

Adão e Eva são tão metafóricos quanto vovô e vovó.

Se Adão e Eva não existiram, então não houve pecado original, e Cristo não redimiu ninguém e não nos redimiu de nada. E isso, de novo, é heresia grosseira e bruta.

E o senhor explica o dilúvio pelo degelo glacial. Pela Geografia Física !

E o senhor demonstra possuir até um cientificismo germânico, ao falar no Glazialzeit !

Oh! O Glazialzeit! Que arrepio ! [De admiração, não de frio !]. Que demonstração de saber!

Usando termos germânicos, e citando o Mahabarata, o público fica tão impressionado, não é doutor ?

E o senhor mostra que até crê germanicamente na Bíblia..., quando ela concorda com Mahabarata e com a lenda de Gilgamesh.

Como o senhor tem Fé... no Mahabaratha!

Assim são os modernistas: não suportando a verdade, procuram mestres que lhes ensinem fábulas. Da Índia.

E o senhor, que se peja de atualizadíssimo, me vem com essa lorota que o Universo existe há 75.000.000.000 de anos !!!

Atualize-se ó Doutor das contas tortas e trocadas: as últimas contas, as mais atualizadas já reduziram esse número ---do século XIX -- para cerca de 13.000.000.000 de anos.

O seu erro de atualização, caro Doutor, foi só de 65.000.000.000 de anos.

Pouca coisa, não é? Afinal, são erros de zeros, e zero é nada.

Um nada, para um Doutor em Teologia Moral, para um expert em Exegese, para um laical e atualizadíssimo sapiente em Teologia dogmática.

E como diz o senhor que o homem existe 800.000 anos: "o homem, [ começou a existir] por volta de 800 mil anos..."?

O Homem ?

Como, o homem?

Mas não disse o senhor, 13 linhas acima, que Adão não existiu? Que não houve um primeiro homem? Que houve poligenismo e não monogenismo ?

Como, 13 linhas depois, o senhor vem me falar que O homem existe há 800.000 anos ?

E como se chamava esse primeiro homem—que agora já não lhe parece metafórico, mas real—ele, como se chamava, ele? Por acaso, ele se chamava Zé?

E esse primeiro homem, teve ele mulher? Ou os filhos dele nasciam pendurados em árvores como mangas? Ou nasciam rastejantes, no solo, como abóboras ?

Nasciam eles de mulher? De uma primeira mulher bem real, e não metafórica? Tiveram eles mamãe?

E essa mulher real foi então ela a “mãe” ancestral de todos os que dela descenderam? Ou outros homens nasceram de chocadeira elétrica? Essa Mãe real—não metafórica – poderia ser dita a mãe ancestral de todos os homens viventes? E por acaso, ó sapiente Doutor, Eva não quer dizer exatamente isso: Mãe dos viventes?

Meu caro Doutor, sua lógica é uma metáfora doutoral? Ou o seu titulo é que é metafórico ?

Nem uma coisa, nem outra.

O que é puramente metafórica é a sua fé.

Ela não existe, de fato.

O senhor é um modernista.

De uma religião continuamente atualizada. Sua fé só vale para hoje. Uma Fé “aggiornata”. Que amanhã estará superada. Uma Fé modernista descartável. O senhor segue uma teologia que passa como a moda do último verão.

Fico com a palavra de Cristo: “Passarão os céus e a terra, mas minhas palavras não passarão" (Marc.XIII, 31; Luc. XXI, 33;Mt XXIV, 35).

E diria um modernista :”Que fundamentalista esse Jesus histórico, não ?”

Meu caro Doutor, sem dúvida, fico com Pio IX, com São Pio X, com Pio XII, com o que ele ensinou, para sempre, sobre o poligenismo, na Humani Generis. Contra o seu Adão metáforico.

Contra o seu Gilgamesh e seu Mahabarata. Contra a sua fé doutoral descartável como uma caneta bic usada e gasta.

Passe bem, seu Dotô.

Vá vender sua teologia descartável noutro portão.

In Corde Jesu, semper, Orlando Fedeli.

PS. Quer um conselho? Nunca se devem enunciar os títulos que se têm.

Qualquer matuto sabe que isso pode dar a impressão de exibicionismo vaidoso. É o que ensina a Teologia Moral, ciência na qual o senhor é Doutor. E já que o senhor se proclama também escritor, permita-me apontar-lhe um erro... um erro ... digamos, um equívoco de “digitação”.

O senhor escreveu que o Papa Pio XII teve idéias a 60 anos atrás (“um papa teve a 60 anos atrás”). O senhor,-- que é um escritor -- sabe muito bem que devia ter escrito 60 anos atrás. São coisas que acontecem até mesmo a grandes escritores e Doutores como o senhor demonstrou ser. Passe bem ! Bem longe de mim. OF


CONTRIBUIÇÕES A RESPOSTA

Prezado Prof. Orlando,

salve Maria!

Tomei conhecimento da carta do Dr Antônio Mesquita Galvão, negando o monogenismo e fazendo outras considerações. Duas delas me chamaram mais atenção pelo sua completa falta de base:

1- a afirmação de que até rigorosos beneditinos do Rio aceitam o poligenismo ( referência a Dom Estevão Bettencourt).

2- que ninguém mais, na Igreja, nega o poligenismo.

Gostaria de dar alguma contribuição, que talvez possa ser útil.

O Dr. Antônio Mesquita Galvão afirma peremptoriamente: “Hoje todos os segmentos exegéticos da Igreja (até os rigorosos beneditos/Rio - Dom Estêvão Bettencourt) já aceitam o poligenismo.” Ora, isso deve receber uma certa glosa !

Dom Estêvão, hoje, declara infelizmente que “Fica, pois, aberta ao fiel católico a possibilidade de admitir mais de um casal na origem do gênero humano” e que “a hipótese poligenista não contraria à fé”. Mas, em todo caso, aceitar a possibilidade do poligenismo é muito diferente de “aceitar o poligenismo” simpliciter, como quer o doutor! Vejamos o mais recente escrito de Dom Estêvão sobre a questão, do qual tirei as duas sentenças acima, o qual cito, pedindo perdão pela extensão, para contrastar com o que citarei do mesmo autor mais adiante:

“Pergunta-se: quantos indivíduos houve na origem do gênero hu­mano atual? É costume responder: um homem (Adão) e uma mulher (Eva). Esta afirmação pode ser licitamente repensada em nossos dias. (...)

O monofiletismo monogenético (um casal só) é a clássica tese, aparentemente deduzida da Bíblia. Todavia verifica-se, após leitura atenta do texto sagrado, que não é a única hipótese conciliável com a fé. O poligenismo não se opõe a esta. E por quê?

A palavra hebraica Adam significa homem; não é nome próprio, mas substantivo comum. Por conseguinte, quando o autor sagrado diz que Deus fez Adam, quer dizer que fez o homem, o ser humano, sem tencionar especificar o número de indivíduos (um, dois ou mais...). Muito significativo é o texto de Gn 1, 27: "Deus criou o homem (Adiam) à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; homem e mulher Ele os criou". Neste versículo verifica-se que a palavra Adam não designa um indivíduo, mas a espécie humana diversificada em homem e mulher. - O nome "Eva" também não é nome próprio, mas significa em hebraico "mãe dos vivos" (Gn 3, 20). Fica, pois, aberta ao fiel católico a possibilidade de admitir mais de um casal na origem do gênero humano. O que importa, em qualquer hipótese, é afirmar que os primeiros pais (dois ou mais) foram elevados à filiação divina (justiça original) e que, submetidos a uma prova, não se mantiveram no estado de amizade com Deus (cometeram o pecado original). - Seria falso, porém, dizer que Adão e Eva nunca existiram ou que são fábula ou alegoria: são tão reais quanto o gênero humano é real; o texto sagrado nos diz que Deus tratou com o homem nas suas origens,... com o homem real, e não com um ser fictício. E a história referente aos primeiros pais é história real, embora narrada em linguagem figurada (serpente, árvore, fruta...). - De resto, é inútil insistir sobre a questão "poligenismo ou monogenismo?", pois não há critérios científicos para dirimi-la (a ciência até hoje não tocou a estaca zero do gênero humano); apenas interessa notar que a hipótese poligenista não contraria à fé.”

(D. Estêvão Bettencourt, OSB. Evolucionismo e Criacionismo. Pergunte & Responderemos, nº 469 - http://www.presbiteros.com.br/Dogma/Evolucionismo.htm)

Bem, depois de feita a ressalva inicial, quanto ao alcance dessa declaração do insigne teólogo beneditino, é preciso ainda constatar três coisas a respeito desse texto e de seu autor.

Primeiro, que Dom Estêvão está longe de ser um “rigoroso benedito(sic)”, como quer o Dr. Galvão; pelo contrário, Dom Estêvão é ninguém menos que o editor da versão brasileira da revista Communio (cf. http://www.emmaus-communio.nl/menu-communio.htm e http://www.communio-icr.com/affil.htm), revista esta que foi fundada justamente por De Lubac e Von Balthasar, isto é, pelos próprios líderes da nouvelle théologie, condenada pela Humani Generis! E De Lubac foi ainda o principal defensor de Teilhard de Chardin, o proponente-mór do poligenismo.

Segundo, além de bastante sintonizado com os neomodernistas censurados na época de Pio XII, Dom Estêvão também mostra-se bastante volúvel, pois em seu livro Ciência e Fé na História dos Primórdios (Rio de Janeiro: Agir, 4.ª ed., 1962), defende exatamente o oposto, ao falar do “poligenismo, que é inconciliável com doutrinas de fé” (op. cit., p. 117; cf. todo o cap. VI: “Monogenismo e Poligenismo”, p. 109s.)!

Terceiro, é mister constatar que os argumentos oferecidos acima por Dom Estêvão, para defender a licitude do poligenismo, deixam muitíssimo a desejar, principalmente em comparação com os que antes propusera para defender a tese contrária, sobre os quais, aliás, hoje apenas silencia, não lhes opondo absolutamente nada, o que é indício de sua incapacidade de refutá-los. Vejamos alguns desses argumentos, do livro que acabamos de citar.

Nessa obra pré-conciliar – e, ousaríamos dizer talvez, inspirados pelo assunto, “pré-lapsária”? – Dom Estêvão cita o seguinte cânon que estava para ser aprovado no Concílio Vaticano I, quando este foi interrompido prematuramente: “Se alguém negar que o gênero humano todo se origina de um único progenitor, Adão, seja anátema.” (Collectio Lacensis VII 566, apud op. cit., p. 112). Embora não tenha autoridade dogmática, tal cânon mostra a doutrina predominante dos Padres deste Santo Concílio, que, sejamos francos, até hoje espera sua autêntica continuação. Em todo caso, é referindo-se a ele e à Humani Generis, esta sim de autoridade indiscutível, dizia D. Estêvão:

“Os projetos de definição do Concílio do Vaticano e a encíclica "Humani generis" apontavam para os dogmas do pecado original e da Redenção como sendo os principais esteios da posição da Igreja. De fato, o monogenismo está intimamente ligado com estas duas verdades de fé, de modo que negá-lo seria, ao mesmo tempo, deturpar o sentido autêntico do depósito revelado. Em conseqüência, o monogenismo é dito um "fato dogmático", ou seja, uma verdade histórica, contingente, que nunca foi definida pelo magistério da Igreja, mas que não pode ser rejeitada sem perigo imediato de se cair em heresia.”

(Dom Estêvão Bettencourt, Ciência e Fé na História dos Primórdios, Rio de Janeiro: Agir, 4.ª ed., 1962, p. 115, grifos nossos).

Que diferença, hein? Nem parece o mesmo. Aliás, nunca pensei que veria um teólogo acusando a si mesmo de herege... São os milagres do Vaticano II!

No mesmo capítulo, além do trecho de Gênesis sobre o qual ele, em seu último artigo, se contradiz, Dom Estêvão cita ainda outras passagens da Sagrada Escritura, sobre as quais hoje apenas silencia. Citemos algumas, tão breves quanto inequívocas:

“Foi a Sabedoria que guardou o primeiro homem, formado por Deus para ser o pai do gênero humano, o único criado.” (Sab 10,1).

“De um só (homem) fez (Deus) todo o gênero humano, para que habite sobre a face da Terra.” (At 17,26).

“Foi por um só homem que o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte, que atingiu todos os homens etc.” (Rom 5,12.17-9).

“Assim como a morte veio por um homem, é também por um homem que veio a ressurreição dos mortos. Pois, como todos morrem em Adão, todos também recuperarão a vida em Cristo.” (1 Cor 15,21s.).

Aliás, à Primeira Carta aos Coríntios, de São Paulo, supracitada, acrescenta Dom Estêvão o seguinte comentário bastante interessante:

“assim como não se pode entender o segundo homem, Cristo, no sentido de uma coletividade, assim também não é o primeiro; trata-se de dois indivíduos que, por sua obra pessoal, transmitem morte ou vida ao gênero humano” (loc. cit., p. 116).

Dom Estêvão cita ainda, na pág. 117, o Concílio de Trento, Sess. 5, can. 1: “o primeiro homem, Adão, transgrediu o mandamento de Deus”; can. 2: “o pecado de Adão afetou toda a descendência deste, à qual comunica culpa e morte”; e can. 3: “o pecado de Adão é um ato único; transmite-se por geração, não meramente por imitação”. E comenta nosso teólogo que, “embora a intenção dos Padres conciliares não fosse definir o monogenismo”, entretanto “Estas declarações, não há dúvida, implicam que todos os homens descendem de Adão” (loc. cit., p. 117).

Finalmente, fica-se curioso em saber como o insigne beneditino resolveu a questão moral com que termina o capítulo que estamos citando. Pois dizia ele então que, aceitando o poligenismo, ficava difícil defender a proibição do incesto:

Uma questão de ordem moral se deriva da posição monogenista.O primeiro casal humano, conforme Gên 5,4, deu à luz numerosos filhos e filhas, embora de três apenas nos tenham sido transmitidos os nomes: Caim, Abel e Sete (cf. 4,1s; 5,3.) Os irmãos e irmãs, filhos de Adão e Eva, se casaram entre si a fim de multiplicar o gênero humano; Deus o permitiu dadas as circunstâncias extraordinárias, únicas, em que se achavam os homens da primeira geração. A permissão, que era necessária e lógica em tal caso, deixaria de o ser logo que houvesse possibilidade de atender à propagação da espécie humana por via mais conforme às leis da natureza. A permissão não se repetiu, pois, nem se repete, após o caso excepcional, irreversível, da primeira geração humana.”

(Dom Estêvão Bettencourt, Ciência e Fé na História dos Primórdios, Rio de Janeiro: Agir, 4.ª ed., 1962, p. 126).

Mas, pensando bem, nem é preciso esperar por mais “nova teologia” da parte de Dom Estêvão, pois que um recentíssimo documento de peso da Igreja torna nulo o valor de sua defesa hodierna da licitude do poligenismo, assim como, a fortiori, refuta cabalmente a afirmação do Doutor em Teologia Antônio Mesquita Galvão de que “Hoje todos os segmentos exegéticos da Igreja . . . já aceitam o poligenismo”. Pois o recente Catecismo da Igreja Católica, de 1993, promulgado pelo Papa João Paulo II, defende o monogenismo sem titubear:

Diz o Catecismo da Igreja Católica, no número 390: “A Revelação dá-nos a certeza de fé de que toda a história humana está marcada pelo pecado original cometido pelos nossos primeiros pais452”. E o que lemos nessa nota 452? Pois bem: “452. Cf. Concílio de Trento: DS 1513; Pio XII: DS 3897; Paulo VI, discurso de 11 de julho de 1966.” E adivinhe só que encílica de Pio XII está citada aí? A Humani generis! E justo que parágrafo? Leiamos Denzinger-Schönmetzer 3897: E o que lemos nessa nota 452? Pois bem: “452. Cf. Concílio de Trento: DS 1513; ; Paulo VI, discurso de 11 de julho de 1966.” E adivinhe só que encílica de Pio XII está citada aí? A Humani generis! E justo que parágrafo? Leiamos Denzinger-Schönmetzer 3897:

“Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles. [cf. Rom 5, 12-19].”

Aí está, o ensinamento que o Dr. Galvão diz “obsoleto”, citado no mais recente catecismo promulgado pelo Papa, que o aprova. Se, como ele diz, “todos os segmentos exegéticos da Igreja . . . já aceitam o poligenismo”, então só resta uma conclusão: a Igreja desse doutor, e sua teologia, não são a Católica.

Por ora é isso, professor. Aceite essa contribuição para deixar patente como Dr. Galvão está errado no que afirma

Abraço,

Ad Calvarium per Rosarium,

Felipe A. Coelho.

PS. Permita-me ainda lembrar, que o escritor Dr Mesquita Galvão não só errou escrevendo “a tantos anos atrás”, como cometeu uma redundância inaceitável em quem se apresenta como “escritor”. Se algo ocorreu “há anos”, só pode ser atrás.

Felipe.



Leia mais, na continuação da polêmica: Professor Teólogo se revela um herege modernista