Religião

Onde o Céu toca a terra: um percurso pelo Rito Romano Tradicional – Parte 5
Marcos Bonelli
O diácono ouviu no dia de sua ordenação  no rito romano tradicional: "Recebe o poder de ler o Evangelho".   Leia também a primeira parte,  a segunda parte,  a terceira parte e a quarta parte deste estudo.  g) A execução do canto da epístola e do Evangelho A Igreja instituiu uma ordem especial para a leitura da Sagrada Escritura: a ordem de leitor. São Justino, no século II, já faz referência a um clérigo especial encarregado de fazer as leituras. Pouco a pouco começou-se a confiar a leitura da Sagrada Escritura aos clérigos das ordens maiores. Confiou-se a leitura dos Evangelhos aos diáconos à medida em que se quis dar mais importância à leitura do Evangelho. São Jerônimo, na sua epístola a Sabina, diz que a leitura dos Evangelhos era reservada aos diáconos. Em Roma não existiu uma norma fixa antes de São Gregório Magno que, no concílio de 595 tirou dos diáconos a função de cantar o gradual e lhes reservou o canto do Evangelho. Reservou também para os subdiáconos as leituras da epístola. Quando os subdiáconos não oficiavam na missa, o leitor voltava a se encarregar de lê-la. Este costume perdura até hoje. Nas missas solenes, onde há a presença do subdiácono, é ele que canta a epístola. Nas missas cantadas, onde não há subdiácono, se há um leitor entre o clero presente, é ele que a canta. É o que diz o Missal Romano tradicional: "que algum leitor cante a epístola no lugar de costume". Temos marcas ainda da antiga disciplina na cerimônia da Sexta-feira Santa, onde a leitura da profecia de Oséias, que é primeira das leituras da cerimônia, é feita por um clérigo leitor. Atualmente o subdiácono canta a epístola estando em pé, atrás do sacerdote. Antes e depois de cantá-la, ele faz uma genuflexão diante do altar. Este movimento tem sua origem no deslocamento que o leitor fazia quando, nos primeiros tempos da Igreja, era responsável pela leitura da Epístola. Ele se deslocava até o ambão e de lá fazia a leitura. No começo o subdiácono se deslocava sozinho até o lugar do qual cantava a Epístola. A partir do século XII passa a ser acompanhado por um clérigo que serve a missa. Quando o subdiácono terminou de cantá-la, o clérigo que o acompanha responde "Deo gratias" em voz baixa. É uma cerimônia de origem privada que só será admitida definitivamente na edição de 1570. Terminada a leitura da Epístola, o subdiácono vai até o sacerdote e, de joelhos, aproxima o lecionário dele. O sacerdote coloca sua mão sobre o lecionário, que é beijada pelo subdiácono. Em seguida recebe a benção da mesma mão que beijou. São cerimônias que entrarão na missa depois do século XII.

A leitura do Evangelho é feita em todas as liturgias com grande solenidade. É o diácono que lê os evangelhos no rito romano tradicional. Para isso ele recebeu este poder no dia de sua ordenação: "Recebe o poder de ler o Evangelho". No rito romano tradicional o diácono coloca o Evangelho sobre o altar, porque no conceito litúrgico antigo somente o altar é o trono dos Evangelhos. É um resquício do que era feito nos primeiros séculos, quando os Evangelhos eram colocados sobre o altar desde o começo da Missa. Ainda hoje, no rito romano tradicional, nas Missas Pontificais, como lembrança deste antigo costume que acabamos de explicar, o bispo, depois de subir pela primeira vez ao altar e de beijá-lo, beija também imediatamente o começo do Evangelho da missa que está celebrando. Isto é feito também nas liturgias orientais de São João Crisóstomo, de São Tiago e de São Basílio. O diácono então recita de joelhos, diante do altar, algumas orações e, levantando-se, toma os Evangelhos do altar, com se os recebesse de Cristo pessoalmente. O altar é símbolo de Cristo, e é de Cristo que nos vieram os Evangelhos. A oração rezada pelo diácono é: "Purificai, Deus onipotente, meu coração e meus lábios, como purificastes os do profeta Isaías, com um carvão em brasa; concedei-me a graça, por vossa misericórdia, de purificar-me a mim também, a fim de que eu possa anunciar dignamente o santo Evangelho. Por Cristo Nosso Senhor. Amém". Terminada esta humilde oração, o diácono pega o lecionário com os Evangelhos, que está sobre o altar, e de joelhos pede ao sacerdote que, com sua benção, lhe seja permitido anunciar o Evangelho. O sacerdote junta as mãos diante do peito e diz: "Que o Senhor esteja em teu coração e em teus lábios, para que anuncies dignamente e como se deve o Seu Evangelho. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". O diácono é abençoado. O padre coloca a mão sobre o livro dos Evangelhos e o diácono beija a mão que o abençoou. O diácono se levanta. Forma-se a procissão, onde o Evangelho é envolvido pelo turiferário e pelos acólitos carregando velas. Diante do Evangelho vai o subdiácono e, atrás dele, o diácono com o Evangelho diante do peito. Desde o século V se honram os Evangelhos com o incenso e com as velas. Na antiga liturgia de Paris e de muitas dioceses das Gálias, o Evangelho era levado com tanta solenidade que todos os assistentes eram impelidos a venerá-lo como se ouvissem a voz de Cristo pessoalmente. Nesses ritos, o diácono descia do altar e era precedido por uma Cruz, pelos acólitos, por mais seis diáconos e sete subdiáconos. Assim que o diácono se movia para levar os Evangelhos até o lugar em que seriam cantados, todo o coro se levantava e todo o clero permanecia de pé como demonstração de respeito e de veneração. A história nos conta que os reis e imperadores, juntamente com suas esposas, tiravam neste momento suas coroas. Os príncipes poloneses desembainhavam neste momento suas espadas e as mostravam, para testemunhar que estavam dispostos a defender a verdade do Evangelho à custa do próprio sangue. Como estes ritos contrastam com as inovações mais delirantes feitas atualmente, sob a desculpa de "pastoralidade"! Mocinhas descalças vestidas de anjinhos carregando a Bíblia até o altar, um casal de mãos dadas levando o lecionário até o diácono pelo corredor central da igreja, ou um adolescente de boné e calça jeans... Isso tudo é visto como coisas que honram os Evangelhos!... O que os Padres da Igreja pensariam de tudo isso?   Nos primeiros séculos tanto o subdiácono quanto o diácono usavam na missa uma casula larga. Como ela dificultava os movimentos das mãos, ambos recolhiam o excesso de casula para poder agir quando necessário. Para ler e Epístola o subdiácono tirava a casula. O diácono a tirava e a colocava sobre um dos ombros, ao mesmo tempo em que a cruzava diante do peito. Era assim até pelo menos o século IX. Temos outros detalhes interessantes para estas leituras no rito tradicional de Roma. Ainda que muitas igrejas não estejam realmente direcionadas para o Oriente, a direção do altar permanece sendo o "oriente litúrgico". Pode-se dizer, assim, que o lado esquerdo do altar está voltado para o norte, isto é, o norte litúrgico, ainda que não seja o norte geográfico. A epístola é lida pelo subdiácono estando voltado para o altar, isto é, para leste, para o Oriente. Já o Evangelho é lido pelo diácono estando voltado para o norte.

Estas direções não são acidentais. Jerusalém, que simboliza os judeus que ainda vivem conformes ao Antigo Testamento, está a Oriente de Roma. No rito romano, então, o subdiácono canta a Epístola voltado para o altar, porque o altar está voltado para Jerusalém, para o Oriente. Por esta posição o subdiácono quer significar que a Igreja reza pelos judeus e pela conversão deles ao Catolicismo. O diácono canta o Evangelho voltado para o norte porque era desta parte do mundo que vinham até Roma, antigamente, os bárbaros que haviam se convertido ao Catolicismo. O diácono se volta para a região de onde vinham os bárbaros, mostrando que é por esta parte do mundo que o Evangelho havia sido pregado e recebido.

    Para citar este texto:
"Onde o Céu toca a terra: um percurso pelo Rito Romano Tradicional – Parte 5"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/onde-o-ceu-toca-a-terra-um-percurso-pelo-rito-romano-tradicional-parte-5/
Online, 20/04/2024 às 12:27:15h