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Amor e ódio no apostolado
PERGUNTA
Nome:
Raymundo Júnior
Enviada em:
01/10/2009
Local:
Foraleza - CE, Brasil
Religião:
Católica
Escolaridade:
Superior concluído


Prezado Sr. Fedeli,
Paz e Bem.

Tenho lido alguns de seus comentários às perguntas que lhe são formuladas neste sítio. Admiro sua argúcia nas respostas, mas não entendo por que V. Sa. usa de exagerada veemencia contra as pessoas.
Sou casado e pai de três filhos, ainda crianças. Quando os quero corrigir viso mostrar-lhes o erro e reprová-lo de forma muito clara. Não digo que nunca tive de dar-lhes "palmadas". Mas eles saõ crianças. Aqueles que lhe escrevem não são infantis. Podem até o ser na fé, mas acredito que têm maturidade para entenderem uma correção bem feita.
Quando Jesus falou contra Pedro "afasta-te de mim Santanás", Ele o fez com firmeza. Mas não usou dessa força contra a pessoa de Pedro, não concorda? E mais, Deus detesta o pecado ou o pecador?
Continuarei a ler e me informar através do seu sítio, mas reitero que gostaria de ver um pouco de benevolência com as pessoas, mesmo, e principalmente , quando elas estiverem no erro.

Sempre no Coração de Jesus Misericordioso,

Raymundo Mendes Júnior
RESPOSTA

Muito prezado  Raymundo, salve Maria.
 
No site Montfort, não publico cartas a filhos. Combato os inimigos de Deus e da Santa Igreja. Mas nunca escrevi para alguém : “Afasta-te de Mim Satanás!”, embora possa um dia dizê-lo.
 
Deus quer salvar a todos. Mas está dito por Deus – não por mim—"Ainda que pisasses o estulto num pilão, como se pisam os grãos de cevada, não separarias dele a sua estultícia." (Prov. XXVII, 22).
 
E ainda: "Deus odeia igualmente o ímpio e a sua impiedade." (Sab. XIV, 9 )
 
Já expliquei inúmeras vezes no site Montfort a questão do amor e do ódio.
 
Copio pela enésima vez uma resposta extraída da exposição de São Tomás de Aquino.
 
Amar é querer bem. Ora, existem dois tipos de bem:
 
1 - O Bem Absoluto, que é Deus.
 
2 - Os bens relativos, que são todas as coisas boas, mas das quais se pode fazer mau uso. Exemplos de bens relativos são a vida, a inteligência, saúde, riquezas, prazer, êxito, prestígio, etc, coisas todas que podemos usar bem ou mal.
 
Daí existirem dois amores:
 
1 - O amor absoluto que consiste em desejar a outrem Deus, a salvação eterna, o céu, a virtude.
 
2 - O amor relativo que consiste em desejar a outrem os bens relativos.
 
Por sua vez, odiar é querer mal a outrem, isto é, que ele perca um bem.
 
Repare, meu caro, que não afirmo que odiar é querer o mal no sentido que o mal seja algo substancial, já que o mal é carência de um bem que deveria existir, ou falta da ordem devida.
 
Mal não é substantivo. Não há coisas ontologicamente más, como explicara Santo Agostinho ao refutar os erros do maniqueísmo, hoje dominante.
 
Daí decorrem dois ódios:
 
1 – O ódio absoluto que consiste em querer que o outro perca Deus, isto é, perca o céu ou a virtude que leva ao céu.
 
2 – O ódio relativo, que é o desejo que outrem perca um bem relativo.
 
Esse dois amores e esses dois ódios podem se combinar da seguinte forma:
 
I – Querer para os outros bem Absoluto e, juntamente, os bens relativos Isto é ter pelo outro Amor Absoluto (Deus, o céu, a virtude) e Amor relativo ( Vida saúde, riquezas, prazer, êxito, ordenadamente ao Bem Absoluto), conjuntamente, é amar perfeitamente.
 
II – Desejar a outrem o Bem Absoluto (Deus, o céu, a virtude) junto com o ódio relativo (perda de um bem relativo: morte, doença, dor, pobreza, etc) a fim de que o próximo não perca a Deus, o Bem Absoluto, isto é também virtuoso.
 
É este amor absoluto com ódio relativo que exerce a mãe de uma criança que castiga, batendo em sua mão, por ter roubado um doce, sem pagar, no supermercado. Ela faz um ato de ódio relativo (faz doer a mão do filho) com amor absoluto, porque deseja para ele a virtude da honestidade, o céu , Deus.
 
Por isso, o Rei Davi diz que odiou os inimigos de Deus com ódio perfeito, isto é, com amor absoluto, desejando-lhes a salvação eterna, e com ódio relativo, castigando-os, ao tirar-lhes algum bem relativo.
 
E é assim que Deus nos tem sempre um Amor Absoluto, pois Deus quer que todos se salvem, que todos tenham a vida eterna no céu, e nos tem ódio relativo, ordenado ao Bem Absoluto, quando nos castiga com doenças, fracasso, dores. E mesmo a morte, porque a vida física não é o bem absoluto. Mais do que a vida física vale a vida eterna, o Céu. Por isso, no primeiro mandamento se ordena que amemos a Deus sobre todas as coisas, mesmo mais que a vida natural. Portanto, não há contradição alguma em amar absolutamente e castigar, isto é odiar relativamente, visando o bem maior.
 
Branca de Castela, mãe de São Luís, dizia-lhe que preferia vê-lo morto, ou leproso, do que pecador. Ela tinha por seu filho amor absoluto com ódio relativo.
 
III – Querer para alguém o bem relativo (Amor Relativo), mesmo com a perda do Bem Absoluto (Deus) é pecado, pois inverte a ordem dos bens. E isso é pecado. Por exemplo, um pai que deseja para o filho riqueza, mesmo na condição de perder a Deus – deseja que o filho fique rico, mesmo roubando – esse pai tem ódio absoluto pelo filho, ainda que tenha também por ele amor relativo. E isso é desejar o mal. Esse é um ódio pecaminoso, porque coloca o bem menor e relativo acima do Bem Maior e Absoluto. Esse amor é pecaminoso, mau.
 
“Madame” Letízia, a mãe de Napoleão, queria para ele o Poder e riquezas, dizendo-lhe; Meu filho, aproveita enquanto puder, porque vai durar pouco”. Desse modo , ela manifestava por ele, amor relativo e ódio absoluto. E isso era pecado.
 
IV – Querer para alguém a perda do Bem Absoluto e, ao mesmo tempo, a perda dos bens relativos, isso é odiar absolutamente e relativamente.
 
Deus, então, pode muito bem dizer que ama a todos, porque quer a salvação de todos, tendo por todos Amor Absoluto, e, ao mesmo tempo, afirma que odeia e castiga, porque castiga para corrigir, e odeia com ódio relativo.
 
Amar Absolutamente e odiar relativamente não são atos contraditórios mas podem ser muito bem ordenados entre si. Portanto, o Ser perfeitíssimo pode odiar e ser misericordioso. Aliás, não existe amor sem ódio. Quem ama a verdade detesta a mentira, quem ama a virtude detesta o pecado, que ama o doce detesta o amargo etc. E tendo Deus amor infinito ao Bem, Ele só pode ter ódio infinito ao mal, exatamente por ser perfeitíssimo.
 
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli