Religião-Filosofia-História



II - Guénon, Gnose, Guénonianos Gnósticos e Olavo de Carvalho

II - 1. A Terminologia usada pelos autores esotéricos é uma confissão de Gnose

Como dissemos, o sr. O de C. abraçou a defesa de René Guénon escrevendo-me uma carta contraditória. E, agora, recusa dizer se Guénon é gnóstico ou não. Durante muito tempo, em suas obras, o sr. O de C. se apresentou como autor "Tradicionalista", defensor da "Metafísica" guénoniana, "Esotérico", adepto da "Philosofia Perennis" (Filosofia Perene), apologista dos "Grandes Mistérios" e do que ele e Guénon chamam também de "Sabedoria":

"(...) os primeiros princípios são conhecidos por um método próprio, que é o método da sabedoria ou gnose" (Olavo de Carvalho, Astrologia e Religião p. 24. O negrito é meu).

E Olavo diz que sábio é o gnóstico:

"Para o sábio ou gnóstico, conhecer é ser, e vice versa" (Olavo de Carvalho, Astrologia e Religião, Nova Stella, São Paulo, 1986, p. 26).

Se Olavo identifica sábio com o gnóstico, então é claro que para ele a Sabedoria é a Gnose.

Veremos adiante que todos esse termos, postos em negrito, têm o significado de Gnose. Como aliás, ele mesmo confessou ao identificar Philosophia Perennis com Gnose, em seu Texto-Confissão.

Mas, para provar que ele mesmo não é difusor da Gnose, Olavo de Carvalho começa enumerando quatro pontos fundamentais dessa doutrina herética, e três desenvolvimentos dela. Tudo isso - os quatro itens e os três desenvolvimentos - mais parecendo copiados de uma enciclopédia popular, tipo Barsa ou Tesouro da Juventude, ou de algum site da Internet, do que da lavra de O de C., pois, curiosamente, os quatro itens que ele menciona não parecem ter o seu estilo.

A Gnose é um fenômeno religioso bem mais complexo do que estes quatro itenzinhos em que o sr. Olavo de Carvalho a resume. Há sistemas gnósticos muito complicados, e cada seita apresenta delírios muito próprios e originais. E até contraditórios. Basta ler os livros gnósticos encontrados em Khénoboskion, ou o Adversus Haereses de Santo Irineu, ou o Panarion de Santo Epifânio, ou as grandes obras dos especialistas em Gnose, para ver como as seitas gnósticas são complexas. Veja-se, por exemplo, que a Kabballah é reconhecidamente a Gnose judaica, e, entretanto, ela não é contra o casamento e a procriação, como o são normalmente as seitas gnósticas.

O sistema gnóstico de Guénon, para dar outro exemplo, mistura conceitos hinduístas e sufis, além de idéias gnósticas retiradas de vários sistemas, e que ele amalgamou no que ele chama de "Tradição" ou "Metafísica", revelação divina primordial, que teria sido recebida por homens historicamente desconhecidos...de superiores ainda mais misteriosos, e ainda mais desconhecidos.

Delírio... E delírio gnóstico.

 

II - 2. Guénon já fora acusado de ser adepto da Gnose

Será que ninguém percebera, ainda quando Guénon estava vivo, que ele defendia e propagava a Gnose?

É claro que isto não poderia ter passado desapercebido. Não faltaram os que o acusaram de ser um defensor da Gnose.

Quando Guénon foi acusado de ser gnóstico, ele também, como Olavo, ficou muito irritado, pois ficava desmascarado ante o público diante do qual pretendia passar por católico e "tradicionalista". (E há certos católicos, que, basta alguém se dizer "tradicionalista", para que o considerem quase como "canonizado"...Foi assim que Guénon conseguiu "cooperar", mesmo sendo maçon, em revistas católicas anti maçônicas!)

Para defender-se da acusação de ser um gnóstico, Guénon escreveu:

"Esta deformação grega de idéias orientais incompreendidas - [o gnosticismo] - é o que menos o [me] interessa no mundo", e ele assinalará, de outro lado, que vigiou cuidadosamente em se abster de empregar essa própria palavra ‘Gnose’ - "apesar de sua perfeita equivalência com o sânscrito jñãna", contentando-se com o termo "metafísica" ou, a rigor, "conhecimento", movido sempre pelo "desejo de afastar tudo o que trouxesse risco de ser mal compreendido, na medida em que é possível prevê-lo" (René Guénon, carta a Noële Maurice-Denis, apud Marie France James, Ésoterisme et Christianisme. Autour de René Guénon, Nouvelles Éditions Latines, Paris, 1981, pg. 203).

E quem acusara Guénon de ser um adepto da Gnose?

Fora Jacques Maritain que sugerira a Noële Maurice-Denis que colocasse em um seu trabalho o seguinte parágrafo, que ela adotou:

"R. Guénon quereria que o Ocidente degenerado fosse pedir ao Oriente lições de metafísica e de intelectualidade. É somente no contrário, na sua própria tradição e na religião de Cristo, que o Ocidente encontrará a força de se reformar a si mesmo na verdadeira ordem, e a força de ensinar a orgulhosa sabedoria do Oriente. E se o pseudo orientalismo teosofista, cuja propaganda inunda atualmente o Ocidente, representa para a inteligência uma ameaça de deliqüescência e de corrupção radical, é preciso confessar que o remédio proposto pelo sr. Guénon, - falando claro, uma renovação hinduísta da antiga Gnose, mãe das heresias - só seria própria a agravar o mal" (Apud Marie F. James, op. cit. p. 198. O negrito é meu).

Então, não sou o primeiro a ver na obra de René Guénon a Gnose. Um filósofo mundialmente conhecido, e insuspeito de ser conservador ou católico integrista, (até pelo contrário, um homem bem simpático ao modernismo), Jacques Maritain, acusou Guénon de ser um gnóstico, e de difundir muito pouco veladamente, a mãe de todas as heresias, a Gnose. E a amiga de René Guénon, Noële Maurice-Denis, embora mais tarde, por preocupação de amizade, tenha procurado atenuar a acusação, adotou o parágrafo escrito pela própria mão de Maritain: Guénon era um adepto da mãe de todas as heresias: a Gnose.

E não digo isso para assustar os alunos do sr. Olavo de Carvalho, mas para lhes dar informações que o sr. Olavo não lhes dá.

Portanto, para Guénon, as palavras "Metafísica", "Conhecimento" - e poderíamos acrescentar "Tradição" ou "Grandes Mistérios", como escrevi em carta anterior, citando Martin Lings - significam Gnose, termo este que Guénon cuidadosamente evita, para não ser desmascarado como gnóstico.

Vejamos o que disse o próprio Guénon sobre Gnose:

 

II - 3. Guénon e seus seguidores confessam que são Gnósticos

"Por Gnose aqui se deve entender o Conhecimento tradicional que constitui o fundo comum de todas as iniciações, cujas doutrinas e símbolos foram transmitidos, desde a mais remota antigüidade até nossos dias, através de todas as Confraternidades secretas, cuja longa corrente jamais foi interrompida" (René Guénon, in Études sur la Franc Maçonnerie et le Compagnonage, T. I, p.257, apud Jean Robin, René Guénon, Testimone della Tradizione, ed Il Cinabro, Catania 1993, p.167. Tradução e negrito são nossos).

E esse texto também é uma confissão.

Portanto, quando Olavo de Carvalho, adepto de Guénon, fala em Conhecimento Tradicional, deve-se entender Gnose.

Note-se bem: Guénon afirma que a Gnose jamais foi interrompida. Portanto - "et pour cause" - nem pelas seitas gnósticas dos primeiros séculos do cristianismo, é claro! Também o "gnosticismo" - é óbvio - adotava a Gnose.

Guénon previne ainda que o Conhecimento (a Gnose) não pode ser alcançado pela razão:

"Não insistiremos aqui sobre a distinção entre razão e intelecto puro e supra individual, distinção que, ao menos teoricamente, foi reconhecida também por certos filósofos ocidentais antigos, como Aristóteles e os escolásticos, os quais, porém, não parecem ter tirado dela todas as conseqüências. Diremos apenas que o conhecimento metafísico ou espiritual, no verdadeiro sentido da palavra, sendo de ordem universal, seria por definição impossível a nós todos, se no ser humano não houvesse uma faculdade da mesma ordem e da mesma dignidade, portanto, transcendente com relação ao indivíduo. E esta faculdade nós a chamamos intuição intelectual" (René Guénon, Além do Plano "Mental", artigo publicado no "Il Regime Fascista", "Diorama", em 16 de Julho de 1939, in Precisazioni Necessarie, Edizione Il Cavalo Alato, Salerno, 1988, p.127).

Esta citação é preciosa doutrinariamente, pois que afirma a existência de uma faculdade no homem de ordem "metafísica" e supra individual, que não deve ser confundida com a razão.

É também muito importante para informar os ingênuos que René Guénon colaborou numa revista fascista. Ele publicou nessa revista mussoliniana 25 artigos desde 1934 até 1940, quando a guerra interrompeu a colaboração.

É muito bom que os leitores de Olavo de Carvalho saibam que Guénon - em cuja defesa Olavo saiu a campo - era colaborador de uma revista Fascista.

Outra prova de que Guénon identificava Tradição primordial com Gnose pode ser encontrada no livro Formes Traditionnelles et Cycles Cosmiques, ao tratar ele da Cabala:

"O termo Qabbalah [Cabala], em hebreu, não significa outra coisa senão "tradição", no sentido o mais geral; e, se bem que ele designe mais habitualmente a tradição esotérica ou iniciática, quando é empregado sem maior precisão, acontece por vezes também que ele seja aplicado à própria tradição exotérica" (René Guénon, Formes Traditionnelles et Cycles Cosmiques, Gallimard, Paris, 1970, p. 61).

E Guénon previne que usa esse termo para designar a tradição especificamente hebraica; porém, mais adiante, ele esclarece que, embora ele não concorde com Paul Vulliaud no identificar Cabala com misticismo judaico, aceita que seria sustentável identificar Cabala com Gnose:

"Sem dúvida isto depende do sentido que se dá à palavra [misticismo], e este que ele [Vulliaud] indica (o qual faria dele quase que um sinônimo de "Gnose" ou conhecimento transcendente) seria sustentável se não se tivesse senão a preocupação da etimologia, porque é exato que "misticismo" e "mistério" têm a mesma raiz" "Para nós, a Kabbala é muito mais uma metafísica do que uma filosofia, e ela é bem mais iniciática do que mística(...)" (René Guénon, Formes Traditionnelles et Cycles Cosmiques, p. 93).

E Guénon considera a Tradição primordial como sinônimo de Metafísica e não de Filosofia. Logo, para ele, Cabala é Gnose, porque pode ser tomada como tradição iniciática e esotérica, como a Tradição primeva, isto é, a Gnose.

Outro autor também elogiado por Olavo, Seyyed Hossein Nasr, chamou a "metafísica" de Gnose, no sentido "tradicional":

"Na tradição islâmica, após muitos séculos através dos quais as várias perspectivas se formaram, se desenvolveu uma situação que demonstra totalmente o papel e função da filosofia, da teologia e da metafísica ou gnose num contexto tradicional." (Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred, pág. 81.O negrito é meu).

Esse mesmo autor, Nasr - que Olavo admira e recomenda - diz que Shankara e Rumi são mestres da Gnose:

"A obra de mestres da gnose tais como Sankara e Jalal al-Din Rumi pertencentes a dois tipos de tradições muito diferentes exemplifica o casamento entre sabedoria da ordem mais elevada e beleza de expressão." (Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred, p. 275, nota 5.O negrito é meu).

E Frithjof Schuon, outro mestre de Olavo, diz que:

"...a perspectiva de Shankara é uma das mais adequadas expressões possíveis da philosophia perennis ou do esoterismo sapiencial." (Frithjof Schuon, O Esoterismo como Princípio e como Caminho, Ed. Pensamento, p. 14)

Ora, O de C. escreveu sobre Shankara:

"Recebi ainda o impacto decisivo da doutrina vedantina, da qual tomei conhecimento por Swami Dayananda Sarasvati, diretor da Academia de Estudos Védicos de Bombaim, que eu e alguns companheiros trouxemos ao Brasil para dar conferências e se tornou um grande amigo do nosso país. Ele me pôs na direção certa em que devem ser lidas as obras de Shankaracharya, provavelmente o mais alto espírito metafísico que já habitou este mundo." (Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir, em <http://www.olavodecarvalho.org/textos/dragomir.htm>, grifo nosso).

O de C, confirma sua adesão e simpatia a esses autores gnósticos assim como a doutrinas gnósticas ao dizer, numa entrevista:

"Preferências: Livro - A Bíblia e o Corão, as escrituras hindus no comentário de Shânkara, (...)" (A filosofia não é para os tímidos, Entrevista de Olavo de Carvalho a Zora Seljan, Jornal de Letras, da Academia Brasileira, julho de 2000, http://www.olavodecarvalho.org/textos/timidos.htm. O negrito é nosso).

 

II - 4. Gnose e gnosticismo

Todos esses gnósticos tradicionais teimam em distinguir a Gnose dos primeiros tempos do cristianismo da Gnose "em contexto tradicional". Ora, ambas têm o mesmo conteúdo e o mesmo sentido: a salvação de uma partícula divina que existiria no homem, por meio do conhecimento (Gnose).

Schuon pretende dar uma "explicação" sobre este problema - distinguindo "Gnose Tradicional" do gnosticismo dos primeiros séculos do cristianismo - explicação ou lição que Olavo segue docilmente:

"Enfim, resta um outro equívoco a elucidar de uma vez por todas: a palavra "gnose", que aparece neste livro como em nossas obras precedentes, refere-se ao conhecimento supra racional - portanto, puramente intelectivo - das realidades metacósmicas; ora, este conhecimento não se reduz ao "gnosticismo" histórico, sem o que seria preciso admitir que Ibn Arabi ou Shankara tenham sido "gnósticos" alexandrinos; em suma, não se pode tornar a gnosis responsável por cada associação de idéias e por cada abuso de linguagem. É humanamente admissível não crer na gnose, mas o que não é absolutamente admissível é, quando se pretende conhecer este assunto, classificar sob este vocábulo coisas que não têm nenhuma relação - nem sob o ponto de vista do gênero, nem quanto ao nível - com a realidade da qual se trata, qualquer que seja, aliás, o valor que se lhe atribui. Em vez de "gnose", nós poderíamos também dizer em árabe ma’rifah, ou em sânscrito jñana, mas nos parece bastante normal usar um termo ocidental, dado que escrevemos numa língua do Ocidente; (...)" (Frithjof Schuon, Comprendre l ‘Islam, Ed. du Seuil, Paris, 1976, pp. 136-137).

E em nota ao pé de página, esclarece Schuon:

"Se nós não "reduzimos" o sentido da palavra [Gnose] a este sincretismo, nós admitimos entretanto que, de toda evidência e por razões históricas, se chamem de "gnósticos" também os hereges designados convencionalmente por esse termo" (F. Schuon, Comprendre l ‘Islam, p. 137, nota 1).

Em primeiro lugar, o próprio Schuon - nessa nota 1 - admite que o "gnosticismo" antigo pode ser considerado como seguidor da Gnose.

Segundo, a doutrina das seitas gnósticas cristãs é a mesma que a da chamada "Gnose Tradicional de Guénon e quejandos.

Terceiro, as maiores autoridades no tema, como já aludimos, consideram que não cabe distinguir mais entre Gnose e gnosticismo:

"No sentido restrito que tinha inicialmente a palavra "Gnose" se substitui um sentido largo, que amplifica e engloba o primeiro; de início reduzido às dimensões de uma heresia, cujo estudo, a este título, pertencia propriamente à História da Igreja e que não podia ter se formado senão no interior do Cristianismo e posteriormente a seu aparecimento, o gnosticismo atinge agora as proporções de um fenômeno geral da História das religiões, ultrapassando de muito, por sua extensão, os limites e o campo do cristianismo antigo, e exterior, senão anterior, a ele por suas origens. Deste fenômeno, as gnoses cristãs heterodoxas não representam mais senão uma expressão entre muitas outras; falando propriamente, elas não são heresias imanentes ao cristianismo, mas os resultados de um encontro e de uma junção entre a nova religião e uma corrente de idéias e sentimentos que existia antes dela e que lhe era primitivamente estranha e o permanecerá na sua essência. A Gnose revestiu aqui formas cristãs, ou, que, com o tempo, se tornaram cada vez mais profundamente cristianizadas, da mesma forma que ela tomou em outros lugares formas pagãs adaptando-se às mitologias orientais, aos cultos de mistérios, à filosofia grega ou às ciências e artes ocultas" (Henri-Charles Puech, En Quête de la Gnose, Gallimard, Paris, 1978, vol. I, pp. 187-188).

Quarto, supor que os gnósticos dos primeiros séculos do cristianismo tenham sido os primeiros gnósticos da História é cometer um erro infantil. A Gnose é conseqüência de uma falsa colocação do espírito humano diante do problema do ser, e ela pode ocorrer em qualquer época, sem ligação histórica direta com outros sistemas gnósticos. Houve Gnoses antes do gnosticismo cristão dos primeiros séculos de nossa era. Os sistemas religiosos hindus são anteriores ao gnosticismo e entretanto, são gnósticos também. Houve, ainda antes de Cristo, Gnose na Pérsia, no Egito antigo, e na China, por exemplo.

Já existia uma Gnose, mesmo entre os judeus, e em tempos anteriores a Cristo. Gerschom Scholem afirma que no período do segundo Templo, já se infiltrara um pensamento esotérico entre os judeus, esoterismo que dará origem à Cabala, a Gnose dos judeus (Cfr Gershom Scholem, A Mística Judaica - (Major Trends in Jewish Mysticism), Perspectiva, São Paulo, 1972, p. 41).

Todas essas Gnoses, embora diferindo entre si em pormenores, apresentavam a mesma estrutura de pensamento e o mesmo esquema religioso da Gnose dos primeiros séculos e da Gnose ‘tradicional" guénoniana.

Os estudiosos da Gnose reconhecem isso (Cfr. Simone de Pétrement, Le Dualisme chez Platon, les Gnostiques et Manichéens, que cita Harnack, PUF, Paris, 1947, p. 134; Hans Jonas, Gnosis und spätantiker Geist, p. 1, citado por S. de Pétrement; a mesma tese de que houve Gnoses antes do cristianismo está em R. P. Festugière La Révélation d’Hermès Trismegiste, Paris, Lecoffre et Gabalda ed., 1954, IV vol. p.3; Gerschom Scholem admite que havia uma Gnose judaica pré cristã: Jewish Gnosticism, Merkabah Mysticism P. 4 e 5, assim como em G. Scholem, Les origines de la Kabbale, Aubier- Montaigne, paris 1966, p. 30 e pp. 41-42; G. Scholem, A Mística Judaica (Major Trends in Jewish Mysticism), Ed Perspectiva, São Paulo, 1972, p. 48).

Ainda agora, acaba de ser publicado um livro do Cardeal Ratzinger - que acabo de receber - no qual, se trata da Gnose, identificando-a, é claro, com Gnosticismo. Nesse livro, o Cardeal Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (o ex Santo Ofício, do qual não sou membro terceirizado) diz:

"Dado que o conhecimento (= gnose) é a verdadeira força da redenção e portanto também a forma mais alta de elevação, isto é, de união com a divindade, esses sistemas de pensamento e essas doutrinas religiosas - por outro lado, muito diversas entre si - são definidas como "gnósticas".

E pouco adiante, diz O Cardeal Ratzinger: "Também hoje o gnosticismo torna a exercer seu fascínio em muitos modos; as religiões do extremo Oriente trazem em si a mesma estrutura fundamental" (Cardeal Joseph Ratzinger, Introduzione allo Spírito della Liturgia, Edizioni San Paolo, Milano, 2.001, p. 28. O negrito é meu).

Não poderia ter sido mais providencial este livro que acaba de sair quentinho do forno: ele não só identifica Gnose e gnosticismo, como afirma que as religiões do extremo Oriente (Taoísmo, Hinduísmo e Budismo), tão admiradas pelos adeptos da "tradição primeva", tem estrutura fundamental gnóstica.

 

II - 5. Esoterismo e Gnose

Do mesmo modo Schuon - autor recomendado e elogiado por O. de C. - escreveu que o que ele chama de Philosofia perennis é a Gnose, e que o esoterismo que ele defende é a Gnose.

"O que nós temos em vista, neste livro como nos precedentes, é, afinal de contas, a scientia sacra ou a philosophia perennis, a gnose universal que sempre existiu e que sempre existirá" (Frithjof Schuon, Comprendre l ‘Islam, ed. du Seuil, Paris, 1976, Avant propos, p. 7. O negrito e sublinhado são meus; os itálicos são do autor).

"Além disso, nosso interesse pelos esoterismos históricos - tais como o pitagorismo, o Vedanta shivaíta, o Zen - é menor do que o interesse pelo esoterismo em si que, com satisfação, denominaríamos philosophia perennis, sendo por si mesmo independente das formas particulares por constituir a sua essência." (Frithjof Schuon, O Esoterismo como Princípio e como Caminho, Ed. Pensamento, pág. 1.O negrito é meu).

E, mais adiante, acrescenta Schuon:

"Quanto ao esoterismo em si, que não é outro senão a gnose, devemos lembrar duas coisas, embora já as tenhamos mencionado em duas outras ocasiões." (Frithjof Schuon, O Esoterismo como Princípio e como Caminho, Ed. Pensamento, pág. 19.O negrito é meu).

O próprio Olavo de Carvalho concorda que esoterismo é o mesma coisa que Philosophia Perennis:

"Já o esoterismo, ao contrário, sendo um único em sua essência (ele é a Philosophia Perennis, a verdade metafísica una, eterna, supraformal e transcendente), varia entretanto nas distintas formas históricas que o expressam, havendo, portanto, um esoterismo cristão, um islâmico, um judaico, etc. "(Olavo de Carvalho, À procura da Pérola Viva Conhecimento Revelado: O Esoterismo Cristão, in Planeta, n* 108, Setembro de 1981).

(E não esqueçamos que em seu Texto - Confissão O de C. admitiu que Philosophia Perennis é a Gnose).

Ora, o esoterismo tem como um de seus elementos fundamentais a Gnose.

É o que se lê em Antoine Faivre:

"Mais do que as práticas propriamente ditas, é o conhecimento - no sentido de "gnose’-- que parece contribuir para fundamentar a noção de atitude esotérica;" (Antoine Faivre, O Esoterismo, Papirus editora, Campinas, 1994, p.18).

E Luc Benoist-- outro seguidor de Guénon - afirma que "O esoterismo, que como vamos ver, toma para revelar-se-nos o canal metódico da iniciação, tem por objeto libertar o homem dos limites de seu estado humano, tornar efetiva a capacidade que ele recebeu de alcançar os estados superiores de forma ativa e duradoura graças a ritos rigorosos e precisos" (Luc Benoist, El esoterismo, tradução de Fr. Garcia Barzán, Ed Nova Buenos Aires, 1967, p. 4).

E tanto o sr. Olavo - quanto René Guénon - se disseram esotéricos. Portanto, ambos são gnósticos.

E Schuon escreveu:

"O conhecimento direto e interior, o do Coração - Intelecto, é o que os gregos denominavam gnose; a palavra 'esoterismo' - segundo sua etimologia - designa a gnose, na medida em que está de facto subjacente às doutrinas religiosas, portanto dogmáticas." (Frithjof Schuon, O Esoterismo como Princípio e como Caminho, Ed. Pensamento, págs. 11-12. O negrito é nosso)

Conforme Schuon, então, haveria um núcleo subjacente a todas as religiões, e que seria a Gnose.

Está aí. Para Schuon, Esoterismo = Filosofia Perene = Gnose.

Olavo expressou o mesmo pensamento quanto a essa fórmula.

Ousará ele negar o que ele mesmo escreveu?

Sim, Olavo de Carvalho "ecoou" essa mesma doutrina: O aflito Olavo - o "pai" do Imbecil Coletivo" - repetiu essa mesma doutrina, quando escreveu:

"O esoterismo é a ciência universal por excelência, é o conhecimento e a realização da unidade (...)". (Olavo de Carvalho, Astrologia e Religião, ed. Nova Stella, São Paulo, 1986, p. 11. O negrito é meu)

O Esoterismo transmitiria pelo conhecimento a verdadeira Sabedoria ou Gnose. Vejamos, inicialmente que é essa "Sabedoria" à qual os "tradicionalistas" dão vários nomes, analisando, depois, o que eles entendem por conhecimento.

 

II - 6. "Sabedoria" e Gnose

Para Olavo, "os primeiros princípios são conhecidos por um método próprio, que é o método da sabedoria ou gnose" (Olavo de Carvalho, Astrologia e Religião, p. 24. O negrito é meu).

E eis aí uma nova confissão.

Essa sabedoria ou Gnose é que seria o núcleo de todas as religiões, a "Sofia Perennis", o objeto da "Philosophia Perennis". Por isso, ele usa essa última expressão como idêntica a ‘Unidade transcendente das religiões", pois ele escreveu: "philosophia perennis, ou unidade transcendente das religiões" (Olavo de Carvalho, Fronteiras da Tradição, ed. Nova Stella, São Paulo, 1986, p. 75).

É o que ele confirma no Prefácio desse mesmo livro:

"Todos os estudiosos de religiões comparadas do mundo, com quase nenhuma exceção, utilizam o termo "Tradição" como sinônimo de Sanathana Dharma, de Lei Perennis, de Sophia Perennis, de Al-Hikmat al- illahiya - para designar o número de princípios metafísicos que é comum a todas as religiões do mundo, (...)"(Olavo de Carvalho, Fronteiras da Tradição, ed. cit. p. 7).

Esse texto de Olavo é uma terceira confissão. Ele diz que Tradição é sinônimo de Al-Hikmat al - ilahya. Ora, que significa essa expressão árabe?

"Lembramos de novo que a palavra théosophie é tomada aqui em sentido etimológico da palavra grega "teosofia" cujo eqüivalente literal em árabe é hikmat ilahîa, Sohrawardi o entende no sentido da palavra ‘irfan (um conhecimento que é gnose). Ela põe em ação não uma representação conceitual e abstrata das coisas, mas uma percepção direta (kashf), uma presença real (hodur, hozûr) dos mundos espirituais." (Henry Corbin, En Islam Iranien, Gallimard, Paris, 1971, Vol. III, p. 9, nota 1).

Portanto, o próprio Olavo, usando o termo Tradição como sinônimo de Al- Hikmat al - Ilâhya, confessa que, para ele, Tradição significa Teosofia, ou com Sohrawardi, Gnose.

É o que afirma ainda outro autor esotérico:

"Essa sabedoria eterna da qual a idéia de tradição não pode ser divorciada e que constitui um dos componentes principais do conceito de tradição é precisamente a sophia perennis da tradição ocidental, que os hindus chamam
de sanatana-dharma e os muçulmanos de alhikmat al-khalidah (ou javidan
khirad
em persa)." (Nasr, Seyyed Hossein, "Knowledge and the Sacred", pág. 68. O negrito é meu).

Nasr nos dá aí um verdadeiro poli dicionário:

Sabedoria eterna = Tradição = Sophia Perennis = Sanathana Dharma = Al hikmat al-khalidah = Javidan khirad.

E todas essas expressões significam GNOSE.

Em "A Unidade Transcendente das Religiões", Schuon fala da "ortodoxia universal, a Sanâtana-Dharma dos hindus" (pág. 24. O negrito é meu).

O mesmo Schuon confirma que a expressão Sophia Perennis significa para os esotéricos Gnose, como veremos pouco adiante.

Não há, então dúvida: Olavo de Carvalho usa o termo Tradição como substituto da palavra Gnose. E se ele usa expressões árabes e sânscritas para substituir (ou esconder?) a palavra Gnose, isso demonstra um desejo de "velar" seu pensamento. Para um esotérico, isso é natural.

Tendo considerado tudo isso, fica claro que ao pensamento de Olavo de Carvalho se aplica perfeitamente o que diz Antoine Faivre sobre o esoterismo tradicionalista e o estudo comparado das religiões:

"Trata-se de uma tendência que consiste em querer estabelecer denominadores comuns entre duas ou mais religiões diferentes, até entre todas as tradições, com a esperança de se obter uma iluminação, uma gnose, de qualidade superior"(...) "A concordância de que se trata aqui é de outra natureza. Pretende-se mais criadora, concerne à iluminação individual pelo menos tanto quanto à coletividade, exprime a vontade não apenas de eliminar as diferenças ou de descobrir as harmonias entre diversas tradições religiosas, mas sobretudo de adquirir uma gnose que abrase e abrace num mesmo cadinho diversas tradições para revelar - no sentido, diríamos, fotográfico do termo - ao homem de desejo a imagem do tronco vivido e escondido do qual todas as tradições particulares seriam apenas os ramos visíveis. Essa tendência assume a partir do século XIX uma forma acentuada em decorrência de um melhor conhecimento do Oriente e depois graças à influência de uma disciplina nova, as "religiões comparadas", a ponto de os defensores do tradicionalismo, aqueles que são chamados em inglês os perennialists, chegarem a postular e ensinar que existiria uma "Tradição primordial" dominando todas as outras tradições religiosas ou esotéricas da humanidade" (Antoine Faivre, O Esoterismo, p. 23. Os negritos são meus. Os itálicos são do autor).

A citação foi longa, mas é necessária, porque fotografa a gnose de Guénon e Olavo de Carvalho.

Olavo elogia e recomenda Schuon para seus alunos e leitores:

"É ainda nos Estados Unidos que se encontra hoje o mais poderoso núcleo de resistência ao avanço do ateísmo oficial - o que abrange desde as comunidades que se organizam contra a lei do aborto até a elite espiritual concentrada em torno de figuras como Seyyed Hossein Nasr - exilado iraniano -, Huston Smith, Victor Danner e outros, profundamente influenciada pelo pensamento de Frithjof Schuon, homem espiritual de primeiro plano e formulador do único método válido já concebido para a comparação e aproximação das religiões."

"[Nota de rodapé:] V. Frithjof Schuon, De L'Unité Transcendante des Religions, 2e. éd., Paris, Le Seuil, 1979, e Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred. The Gifford Lectures, 1981, New York, Crossroad, 1981. - Nota da 2ª ed.: O reconhecimento de minha dívida intelectual para com F. Schuon não implica de maneira alguma aceitá-lo como a espécie de guru universal ou árbitro supremo das tradições que ele de certo modo pretendeu ser." (Olavo de Carvalho, O Jardim das Aflições, 2a. edição, E. Realizações, pág. 308. O grifo é nosso).

Vimos que O de C. recomenda e elogia --ecoa - o pensamento de Schuon citado por Nasr. Ora, Schuon também diz que a Sophia Perennis (a Sabedoria Perene) é acessível somente aos "gnósticos", aos "pneumáticos", aos "teósofos":

"Quanto à Sophia perennis, trata-se do seguinte: há verdades inatas no Espírito humano, que apesar disso estão em certo sentido enterradas nas profundezas do 'Coração' - no puro Intelecto - e são acessíveis apenas a quem for espiritualmente contemplativo; e essas são as verdades metafísicas fundamentais. O acesso a elas é possuído pelo 'gnóstico', 'pneumático' ou 'teósofo', - no sentido original e não sectário destes termos, - e o acesso a elas era também possuído pelos 'filósofos' no sentido real e ainda inocente da palavra: por exemplo, Pitágoras, Platão e em grande parte também Aristóteles." (Schuon, "Sophia perennis": Studies in Comparative Religion; apud Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred, State University of New York Press, 1989, pág. 88, nota 18).

Também Nasr diz:

"Neste estudo, gnose é sempre usada no sentido de conhecimento sapiencial ou sabedoria, como o conhecimento que unifica e santifica e não num sentido sectário como relacionada ao gnosticismo ou num sentido teológico estreito como foi empregada por certos autores cristãos primitivos que a contrastavam com sophia." (Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred, pág. 50, nota 13).

Embora Schuon, citado por Nasr, tivesse dito que a palavra gnóstico era aí empregada não no sentido sectário, mas no sentido "inocente", o que ele, Schuon, afirma sobre o "Coração" ou "Intelecto", como instrumento do Conhecimento, demonstra que ele emprega o termo exatamente como a Gnose tradicional empregava esses termos: intelecto era, para a Gnose, a partícula divina no homem, o Atma, o pneuma divino, o éon. O "proprium" de que fala Ibn Arabi. E veremos isso, mais a fundo, quando estudarmos a doutrina de Guénon.

Nasr reconhece, com Guénon, que o termo sânscrito jñãna significa Gnose:

"O termo jñãna implica em conhecimento principial que conduz à libertação e está relacionado etimologicamente com gnose, a raiz gn ou kn significando conhecimento em várias línguas indo-européias incluindo o inglês." (Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred, pág. 50, nota 14)

Também para este "perennialist", Seyyed Nasr, o conhecimento supremo é identificado com a Gnose, e mesmo com o maniqueísmo:

"Voltando-nos para a Ásia Ocidental, discernimos a mesma consideração do conhecimento como a chave da obtenção do sagrado e a doutrina de que a substância do próprio conhecimento é sagrada no zoroastrismo e em outras religiões iranianas como o maniqueísmo, que baseia toda a religião no objetivo de libertar, por meio do ascetismo e do conhecimento, as partículas de luz espalhadas pelo cosmos como resultado do sacrifício do homem primordial." (Seyyed Hossein Nasr, Knowledge and the Sacred, p. 8.O negrito e o sublinhado são meus).

Certamente, todas essas citações foram de uma monotonia insuportável, mas como para mau entendedor - que evidentemente, não é você, meu caro Felipe --não basta meia palavra, achei necessário repetir as provas, citando vários autores que dizem a mesma coisa: no código dos seguidores de René Guénon, Tradição = Sophia perennis = Philosophia perennis = esoterismo = sabedoria = Gnose

 

II - 7. Gnose = Conhecimento salvador

Vimos que Olavo declarou com todas as letras que "O esoterismo é a ciência universal por excelência, é o conhecimento e a realização da unidade"(...) (O de C. Astrologia e Religião, p. 11)

Que Conhecimento é esse que realiza a unidade?

Conhecimento de que?

Unidade de quê com quê?

Ele vai explicar isso em várias passagens desse mesmo livro, Astrologia e Religião. Na página 63 ele escreveu:

"O que dá sua coerência e inteireza ao conhecimento é a unidade do sujeito cognoscente, mas não no sentido Kantiano, pois não se trata aqui do sujeito individual --ou geral que é uma simples extensão do individual - e sim o sujeito identificado e reintegrado ao Absoluto; é a unidade da inteligência mesma, não enquanto manifestação individual, mas enquanto participação no Intelecto Agente, à objetividade plena portanto, e, a fortiori à verdade mesma. A unidade do mundo repousa na unidade do Intelecto, ou Logos, que é a unidade de Deus" (Olavo de Carvalho, Astrologia e Religião, p. 63 e 64. Os negritos são meus).

Esse texto também bastaria para provar que a doutrina do sr. Olavo de Carvalho é gnóstica, pois aí ele afirma a tese central da Gnose: que pelo Conhecimento, o homem se identifica com o Absoluto, isto é, com Deus.

A doutrina que ele expõe é a da identificação, através do Conhecimento, do intelecto humano com o Intelecto de Deus, com o Logos, que é a tese central da Gnose averroísta. É também a mesma identidade das coisas do mundo com Allah, que se encontra na Gnose sufi de Ibn Arabi (Cfr. Muhyiedin Ibn Arabi, Tratado de la Unidad Risalatul Ahadiyah)

Olavo vai dizer exatamente isso, nesse mesmo livro: "É possível, ainda, passar da imagem ao conhecimento direto, se formos suficientemente fundo para dentro de nós mesmos, pois "nosso intelecto está conjunto à verdade eterna mesma" (Olavo de Carvalho, Astrologia e Religião, p. 69).

E, para ele, podemos realizar essa união com o Absoluto, com Deus, com o Intelecto divino, pelo conhecimento, porque tudo emanou da Divindade: é da "unidade primordial, o ser, de onde emanam todas as coisas" (Olavo de Carvalho, Astros e Símbolos, ed Nova Stella, 1985, p. 75. O sublinhado é do próprio autor). Exatamente o que ensina a Gnose sufi de Ibn Arabi

No mesmo livro, ele diz: "Pelo fato de que o homem habita simultaneamente muitos planos da realidade (sic!) --sendo um ente tão corporal quanto o cálcio de seus ossos e tão espiritual quanto a inteligência divina que nele reside - sua relação com o mundo planetário não pode ser unívoca(...) " (Olavo de Carvalho, Astros e Símbolos, p. 49).

Ora no sentido sectário também, tanto quanto no sentido tradicional, Gnose é um conhecimento que liberta, que salva. Daí a definição de Gnose como conhecimento salvador ou libertador. É o que ensinam as autoridades nessa matéria:

"...a Gnose (do grego Gnosis, ‘conhecimento’) é um conhecimento absoluto que salva por si mesmo, ou que o gnosticismo é a teoria da obtenção da salvação pelo conhecimento" (Henri-Charles Puech, En Quête de la Gnose, Gallimard, Paris, 1978, vol I, p. 236).

"Não é arbitrário colocar um conceito geral de gnose como "conhecimento salvador" (Serge Hutin, Les Gnostiques, PUF, Paris, Que sais-je?, 1970, p. 8).

"A gnose (...é...) a religião do conhecimento, o culto do conhecimento como meio de salvação" (Simone de Pétrement, Le Dualisme chez Platon, les Gnostiques et Manichéens, PUF, Paris, 1947, p.88).

"Este é o primeiro ponto e o mais importante da definição de gnosticismo: uma religião - que salva pelo conhecimento --; conhecer, para eles, é essencialmente se conhecer, reconhecer o elemento divino que constitui o verdadeiro Si mesmo [Soi ou Self] (Robert M. Grant, La Gnose et les Origines Chrétiennes, Seuil, Paris, 1964, pp 18-19).

E repare, meu caro Felipe, que esse "primeiro ponto e o mais importante da definição do gnosticismo" - a salvação pelo Conhecimento (que Grant identifica com Gnose) - não apareceu nos 4 itenzinhos do Olavo...

E essa doutrina da salvação pelo conhecimento - Gnose - pode ser encontrada naqueles que se chamam tradicionalistas, inclusive em Olavo de Carvalho, que, como vimos acima, afirma que pelo Conhecimento o homem se une ao Absoluto, isto é, a Deus.

Dizendo isso, Olavo, repete, reproduz, ecoa a doutrina gnóstica de Guénon:

"é através do Conhecimento que se obtém a libertação"(René Guénon, Le Démiurge, in Mélanges, Centro Studi Guenoniani, Venezia, 1978, I parte, p. 33).

Guénon - de cuja doutrina O de C. pretendeu ser um eco prolongador - também escreveu :

"Do que precede resulta que o homem, na sua existência terrena, pode libertar-se do domínio do Demiurgo ou do Mundo ílico, e que essa libertação se opera mediante a Gnose, isto é, mediante o Conhecimento integral" (T. Palingenius, aliás, René Guénon, Le Demiurge, in Mélanges, Centro Studi Guénoniani, Venezia, 1978, p. 27. A tradução é nossa).

"Não há outro meio de obter a libertação completa e final que o Conhecimento; é o único instrumento que desata os laços das paixões: sem o Conhecimento não se pode obter a Beatitude" (T. Palingenius, aliás, R. Guénon, Le Démiurge, idem, p. 28).

Você repare, meu caro Felipe, que nessas duas pequenas citações do Bispo da Igreja Gnóstica Universal, Palingenius-Guénon defende alguns dos quatro itens colocados por O de C. na sua conceituação de Gnose.

E apesar disso, - ou por causa disso - O de C. pretendeu ser, senão o introdutor, pelo menos o propedeuta, o divulgador da doutrina guénoniana aqui no Brasil.

Há no texto acima de Guénon uma alusão ao mundo ílico, ou material, que aprisiona a partícula divina do homem, mundo material de que o homem se libertaria somente através do Conhecimento, isto é, da Gnose.

Notem, então, os "assustados", "perplexos" e "confusos alunos do "pai" do Imbecil Coletivo, que Olavo não pode negar que Guénon era gnóstico. Daí a sua encabulação furiosa. ou - como ele mesmo disse - "hidrófoba"...

Quer você outra citação ainda de Guénon?

Veja essa:

"De fato, a ação é propriamente a condição dos seres individuais pertencentes ao Império do Demiurgo. O Pneumático [o homem divinizado ou espiritual] ou o Sábio, é, na verdade, o que não age, mas residindo num corpo, é totalmente semelhante aos outros homens, todavia ele sabe que se trata apenas de uma aparência ilusória, e isto é suficiente a fim de que ele esteja realmente libertado da ação, já que é mediante o Conhecimento que se obtém a Libertação. Estando libertado da ação, ele não está mais sujeito ao sofrimento; este não é senão o resultado do esforço, e é nisto que consiste a assim chamada imperfeição, ainda que, na realidade, não haja nada imperfeito" (T. Palingenius, aliás, René Guénon, Le Démiurge, p. 33).

Veja que curioso: Guénon e Leonardo Boff se encontram na Teologia da Libertação, um pela via do marxismo racionalista, outro pela via da Gnose irracional.

Olavo - que pertenceu ao Partido Comunista, e que, como vimos, confessa compartilhar certos ideais da esquerda - combate Boff e apoia Guénon. Entretanto, ambos querem a Libertação do homem... Um pela Gnose. Outro pela revolução marxista do PC ou do PT. E Olavo já foi do PC. E se diz anarquista em moral...

Para Guénon, é possível ao homem alcançar "estados superiores do ser" através do que ele chama de "realização metafísica", que é "a tomada de consciência daquilo que é, de uma maneira permanente e imutável" (René Guénon, A Metafísica Oriental, ed Ivpiter, São Paulo, 1983, pp. 31, 32-33 e, esta última frase na p.30. Tradução de Olavo de Carvalho).

Portanto, essa misteriosa e pretensa "realização metafísica" seria obtida por uma " tomada de consciência do que se é", isto é, pelo Conhecimento [Gnose]. Ela se faria em três etapas:

1a) Numa primeira etapa, o homem seria restaurado em seu estado primordial, recuperando as qualidades de Adão no estado primordial, sendo liberto do tempo e do espaço. Isto seria obtido através dos Pequenos Mistérios. (Cfr. René Guénon, A Metafísica Oriental, p. 33-37 e Olavo de Carvalho, Astros e Símbolos, p. 28; Astrologia e Religião, p. 75).

2ª) A segunda fase levaria o homem a "estados supra individuais" (op cit. p. 35) Nesta etapa, "o ser, que não pode mais ser dito humano, saiu doravante da "corrente das formas", segundo a expressão extremo-oriental"(René Guénon, op. cit., p. 36).

3ª) Na terceira fase, se daria "O estado absolutamente incondicionado, liberto de toda limitação" (René Guénon, op. cit., p. 37) Aí é que se daria a "realização metafísica" ou "Libertação", ou ainda "União" com o princípio supremo. (Cfr. René Guénon, op. cit., p. 37).

É a divinização do homem, pela união de seu intelecto com o Intelecto divino, realizada exatamente quando ele conhece - tem a Gnose - que, de fato, ele é o próprio Deus.

Esta é a doutrina gnóstica que Guénon expôs no Le Démiurge (Cfr. ed cit. pp. 27 a 29).

 

II - 8. Sufismo e Gnose

Vira e mexe, o sr. Olavo de Carvalho elogia os sufis, o Corão e Maomé

Ora o que afirma Schuon dos sufis, ele que foi um deles?

"É impossível negar que os mais ilustres sufis, ao mesmo tempo que, por definição, eram gnósticos, foram também um tanto teólogos e um tanto filósofos, ou que os grandes teólogos foram ao mesmo tempo um pouco filósofos e um pouco gnósticos, esta última palavra devendo ser entendida no sentido próprio e não sectário"(Schuon, Le Sufisme, Voile et Quintessence, Paris, 1980, p. 105; apud Nasr, Knowledge and the Sacred, p. 91, nota 46).

É claro que o sr. Olavo se apegará à distinção de Gnose no sentido sectário - das seitas dos primeiros séculos do Cristianismo e Gnose no sentido "próprio".

Só que a Gnose, no sentido das seitas dos primeiros séculos do Cristianismo, era um Conhecimento salvador, pela união do éon com o pléroma divino, e a Gnose no sentido "próprio", "tradicional", guénoniano, era o Conhecimento salvador ou libertador, pela união do intelecto com a divindade. Isto é, exatamente a mesma coisa.

E tanto era a mesma Gnose que houve quem identificasse a Gnose de Guénon com a Gnose Cátara, que é Gnose típica:

"Salientemos da mesma forma que para a Revista Internacional das Sociedades Secretas sob a pena de G. Mariani, que a obra metafísica de nosso amigo [René Guénon] (sic!) aparece como "a realização a mais notável - portanto a mais perigosa - da velha Heresia por excelência [a cátara]" (Marie France James, op. cit. p. 314. A tradução, o negrito e o sublinhado são meus).

E note, meu caro, Felipe, que Marie France James chama René Guénon de "nosso amigo" - e ela o faz freqüentemente em seu livro - o que não indica hostilidade.

Será que O de C. - que diz que leu e anotou esse livro há dez anos atrás - se esqueceu desse tom gentil da autora para com Guénon? Gostaria de crer que ele esqueceu, e que não foi uma tentativa de "induzir em falso testemunho" contra a autora tão delicada para com Guénon...mas...

Em todo caso, está aí um juízo que deve ser levado bem em conta:

A doutrina de Guénon é a realização ou renovação mais notável da velha heresia cátara, que é tipicamente gnóstica, E assim sendo, a Gnose de Guénon não se distingue da Gnose sectária, visto que o catarismo é tipicamente maniqueu.

A Gnose tradicionalista nascida de Guénon e adotada por Olavo de Carvalho e por outros sectários não se distingue da heresia Cátara, nem, portanto da Gnose sectária.

Também o Padre Élisée de la Nativité, O.F.M. afirma que a Gnose de Guénon é a mesma que a das seitas dos primeiros séculos do cristianismo:

"De um lado nosso Frade Carmelita acha "traços das idéias as mais caras a Guénon nos gnósticos do primeiro século de nossa era, em certas seitas mais vivazes da Idade Média, talvez entre os Rosa Cruz do Ocidente"(Marie France James, op. cit. p. 316).

 

II - 9. Admiradores cristãos de Guénon reconhecem que a doutrina do esoterismo cristão era a da Gnose, mas que era a boa Gnose.

Jean Tourniac, autor que se afirma fiel a Cristo, (op. cit., p.9) mas é bem favorável a Guénon, não nega que haja Gnose nele. Entretanto, procura demonstrar que a Gnose esteve subjacente em muitos autores e movimentos, desde a Antigüidade, e através da Idade Moderna, até os nossos dias, mas que essa Gnose, presente no que ele chama esoterismo cristão, era a boa Gnose.

Referindo-se aos movimentos gnósticos dos primeiros séculos, Tourniac diz que :

"A intervenção da doutrina ou da gnose, não é nem regressão, nem recuo, nem dissolução na "sabedoria grega", nem negação dos dogmas. Ela é, ao contrário, plenitude espiritual, inteligência da fé e valorização dos dogmas.

"É espantoso que se queira assim se privar de toda contribuição intelectiva nos inícios do Cristianismo; mas, depois de tudo, que a gnose seja uma "estranheza" para a mentalidade moderna, não tem nada de tal modo surpreendente: poder-se-ia quase adotar aqui a observação de Paul Valéry "toda visão das coisas que não é estranha é falsa" (Jean Tourniac, op. cit., p. 103).

A seguir, Tourniac afirma:

"O que convém reter, agora, é que estes dados, diretamente inspirados pela gnose, fizeram a alegria da espiritualidade ocidental medieval, prova de que eles não eram tão "heréticos" ou contrários ao Cristianismo, como se quer deixar supor em nossos dias" (Jean Tourniac, op. cit., p. 104).

Antes, ele já havia dado uma lista de esotéricos cristãos portadores desta "boa" gnose, precursora de Guénon: Mestre Eckhart Ruysbroeck, Nicolau de Cusa, Nicolas Flamel, Lullo, Joaquim de Fiore, os Fiéis de Amor e Dante Alighieri, além de existir em obras como o Roman de La Rose, no Percival, na lenda do Graal, etc (Cfr. Jean Tourniac, op. cit. p. 97). Depois, ele cita ainda Reuchlin, Pico de la Mirandola, conhecidos cabalistas, o mago Agripa de Nettesheim, Lefèvre d’Étaples, Guillaume Postel, Paracelso, Knorr von Rosenroth, Silésio, Novalis, Von Baader, Eckartshausen, e Boehme, é claro. (Cfr. Jean Tourniac, op. cit,. p. 97). Uma lista de todos os hereges gnósticos e cabalistas da História do Ocidente. Esses seriam os adeptos da "Boa" Gnose precursora de Guénon, no esoterismo cristão.

Como se vê, os partidários mais sinceros de Guénon não titubeiam em aceitar a Gnose, e pretendem que ela seja cristã.

E o próprio Tourniac demonstra sua simpatia pela Gnose ao colocar como epígrafe de seu livro nada menos que uma citação do Zohar! (Cfr. Jean Tourniac, op. cit., p. 7).

 

Anterior
Anterior


    Para citar este texto:
""
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/cadernos/religiao/guenon2/
Online, 24/04/2024 às 17:59:23h